2º DOMINGO DA QUARESMA – Ano C – 16 de Março

2º DOMINGO DA QUARESMA – Ano C – 16 de Março

A transfiguração como realização do passado e antecipação do futuro

No Segundo Domingo da Quaresma, a Igreja apresenta-nos o Evangelho da Transfiguração do Senhor. Ao longo dos Evangelhos, seguimos os relatos dos inúmeros milagres que Jesus realizou, curando pessoas das mais diversas enfermidades e mostrando o Seu poder sobre os espíritos impuros e as forças da natureza. Contudo, no milagre da Transfiguração é diferente, pois aqui assistimos à narração da Manifestação de Deus em si mesmo. Ele é o sujeito da acção prodigiosa, mas também o seu objecto. Este milagre possui como que dois vértices: um que marca o passado, mostrando que Nele se realiza aquilo que foi anunciado parcialmente com as leis trazidas por Moisés, e a profecia de Elias. E outro vértice que aponta para o futuro, onde Jesus resplandece para três discípulos, antecipando como Ele será na eternidade e a Igreja participará na glória do Senhor.

Apesar de pequenas diferenças no texto dos quatro Evangelhos que nos narram este milagre, no essencial existe acordo entre os autores. Jesus convida Pedro, Tiago e João para o alto da montanha, a fim de a eles se revelar. Nosso Senhor mostra que Deus tem apreço por se revelar na solidão, no silêncio e no distanciamento de tudo. A voz de Deus não costuma manifestar-se no ruído. É só quando deixamos as nossas coisas e ficamos em silêncio com o nosso interior que conseguimos escutar profundamente o que Ele nos fala. A primeira grande lição da transfiguração é que Deus se manifesta para aqueles que querem ouvi-Lo e deixam outras coisas para tê-Lo como prioridade.

A transfiguração é a realização do passado. Para os judeus, o Antigo Testamento tinha como pilares a lei, representado na pessoa de Moisés, e a profecia, representada por Elias. De repente, os dois aparecem ao lado de Jesus. Pedro, encantando, pede para se fazer três tendas: uma para Jesus, outra para Moisés e ainda uma para Elias. No Evangelho refere-se que Pedro não sabia o que estava a dizer. Poderíamos questionar-nos por que razão a atitude inocente de Pedro é de certa forma repreendida no Evangelho, pois na verdade ele não pensou em si mesmo, não se incluindo naquele grupo dos três. Mas se olharmos, num sentido teológico, o seu erro foi colocar Jesus ao mesmo nível de Moisés e Elias. Aqui está outra lição para a nossa meditação: mesmo que os dois sejam de enorme importância, o Evangelho mostra-nos a divindade de Jesus e, consequentemente, nenhum outro ser humano pode ser colocado em igualdade com Ele na nossa vida. Prova disso é que depois Moisés e Elias desaparecem e Jesus fica sozinho. Além de ninguém poder ser colocado em pé de igualdade com Ele, Nele se alcança a plenitude da lei e da profecia do Antigo Testamento.

A transfiguração também tem valor escatológico, ou seja, ela antecipa o futuro. O rosto de Jesus brilha como o Sol revelando como Ele será na Sua glória, na segunda vinda, e mostra-nos como a nossa natureza será transfigurada se estivermos com Ele. Tudo isto “estabelece o fundamento de esperança da Santa Igreja” (São Leão Magno). E nós, como membros do Corpo de Cristo, tendo-O como cabeça, devemos alegrar-nos por sabermos que participaremos da Sua glória. Como terceira lição, a esperança e alegria transbordantes da transfiguração devem impulsionar-nos ao amor a Deus e aos nossos irmãos, meios necessários para participarmos da glória do Senhor.

No Evangelho do último Domingo, com as tentações de Jesus no deserto, Deus mostra as tentações que passaremos na nossa vida, mas que a nossa esperança e meta fundamental da nossa vida devem estar focadas na transfiguração do Senhor, ou seja, no nosso encontro definitivo com Ele. Desafios virão, as tentações e provações do quotidiano podem até nos fazer questionar onde está Deus, mas a nossa fé no encontro definitivo com o Senhor deve fortalecer-nos para o restante período da Quaresma e para a nossa caminhada aqui na terra. As tentações mostram-nos os desafios que poderão aparecer no caminho da vida cristã; já a transfiguração recorda-nos que tudo passa e um dia seremos um com Deus.

Seguramente em alguns momentos podemos sentir-nos cansados ou até tão felizes na presença do Senhor que não iremos querer descer do “monte”. Neste momento, como última lição deste texto, devemos lembrar as palavras que Santo Agostinho narra como sendo as possíveis palavras de Jesus para Pedro: “Desce, Pedro; desejas repousar sobre o monte: desce, prega a palavra de Deus, repreende, exorta, encoraja usando toda a tua paciência e a tua capacidade de ensinar. Trabalha, cansa-te muito, aceita também sofrimento e suplícios […]. No hino à caridade, afirma-se que ela ‘não procura o próprio interesse’ […]. Esta felicidade, ó Pedro, Cristo reserva para ti depois da morte. Porém, agora Ele próprio te diz ‘Desce para te cansares na terra, para servires na terra, para seres desprezado, para seres crucificado na Terra’”.

Pe. Daniel Ribeiro, SCJ

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