Bruno S. Frey, Economista Suíço

Imigrantes devem pagar para trabalhar.

A defesa dos refugiados tornou-se um ponto forte do pontificado do Papa Francisco, com o pontífice a apelar por várias ocasiões a um tratamento responsável, solidário e compassivo dos migrantes. A questão deu o mote, na terça-feira, ao mais recente debate promovido pelo Instituto Ricci de Macau, com Bruno S. Frey e Margit Osterloh a apresentarem uma solução para a problemática das migrações com tanto de pragmático, como de polémico. O CLARIMesteve à conversa com o economista suíço.

O CLARIMPropõe, com Margit Osterloh, uma abordagem pragmática a uma das questões mais prementes da actualidade, a das migrações. Advoga a ideia de que os imigrantes devem pagar uma espécie de joia de entrada para poderem entrar e trabalhar legalmente nos países para onde querem emigrar. Este modelo pode ajudar a resolver o dilema com que a Europa se depara actualmente? Será esta a solução ideal?

BRUNO S. FREY– Não, não é certamente uma solução ideal. É, no entanto, uma solução melhor do que aquelas que temos hoje em dia e a razão é precisamente porque essa joia de entrada existe. O dinheiro é entregue ao país de destino, que o vai utilizar para construir infra-estruturas – escolas, hospitais e parques – que serão depois utilizadas pelos imigrantes. Hoje em dia esse dinheiro vai parar às mãos de contrabandistas, de traficantes e de pessoas que alimentam redes criminosas. A meu ver, esta é uma mudança importante e que faz toda a diferença. É extremamente importante esta ideia de quem fica com o dinheiro.

CLOs Governos europeus já olharam para o modelo que propõem com olhos de ver?

B.S.F.– A ideia é tão nova que temos de a divulgar, temos de falar nela vezes sem conta. Geralmente os políticos não gostam de novas ideias e a perspectiva de que este modelo pudesse ser adoptado rapidamente é irrealista. Esperamos, ainda assim, que no futuro possa ser encarado como uma eventual solução.

CLNem mesmo no seu próprio país? A Suíça sempre desenvolveu uma abordagem muito cuidadosa à problemática da imigração. Há vinte anos, na sequência do conflito nos Balcãs, foi um dos países que recebeu um maior número de refugiados kosovares e uma parte significativa conseguiu integrar-se com sucesso no sociedade helvética. A selecção suíça de futebol é, de resto, disso um bom exemplo. Diria que o modelo suíço é um bom modelo?

B.S.F.– É razoavelmente bom. Na Suíça o Governo permite que os imigrantes entrem no mercado de trabalho relativamente depressa. Como temos uma baixa taxa de desemprego, eles conseguem encontrar ocupação mais rapidamente do que noutros países. Como dizia, este modelo foi extremamente bem sucedido em termos de futebol. É curioso, porque eu não consigo pronunciar correctamente o nome de muitos dos jogadores que alinham na selecção suíça. Têm as raízes nos Balcãs, mas deram um contributo importante para transformar a Suíça numa equipa bem sucedida. No passado, a Suíça recebeu um grande número de italianos, de espanhóis e de portugueses e todos eles se conseguiram integrar bem. Ensino na Universidade de Basileia e dou aulas a muitos jovens cujas raízes familiares estão nestes países. Este facto mostra até que ponto o processo de integração foi razoavelmente bem sucedido.

CLItalianos, espanhóis e portugueses têm alguma afinidade cultural e religiosa com os valores que caracterizam a sociedade suíça, mas o mesmo nem sempre sucede com esta vaga de migrantes que chegam do Iraque, do Norte de África ou do Afeganistão. Temos visto, em muitos países, uma reacção negativa aos movimentos migratórios…

B.S.F.– Bem, se alguns destes países, como é o caso da Alemanha, necessitam de renovar a sua força de trabalho, devem fazê-lo, independentemente da ideia de raça ou de religião. Devemos olhar para os migrantes como seres humanos e, se eles mostrarem interesse em trabalhar, em serem integrados, deve ser feito um esforço nesse sentido. A resistência contra os imigrantes tem muitas vezes origem no facto de receberem muitos benefícios sociais. Na Alemanha, os imigrantes recebem os mesmos benefícios que os locais. A diferença é que os alemães pagaram impostos durante anos para ter acesso a esses benefícios e não ficam, obviamente, muito satisfeitos com a situação.

CLEsse aspecto seria solucionado com o modelo que propõem, uma vez que os imigrantes assumem desde o início do processo o estatuto de membros activos da sociedade…

B.S.F.– Sim. Ao mesmo tempo é-lhes concedida a oportunidade de recuperar o dinheiro que pagaram pela joia de entrada, uma vez que vão receber um salário que é, à partida, muito superior ao salário que receberiam nos países de origem. Podem retribuir a quem os ajudou no início.

CLEssa é uma das grandes vantagens do modelo que sugerem. Quais são as outras?

B.S.F.– A maior é o facto dos migrantes serem vistos como indivíduos, como seres humanos e das suas expectativas serem tomadas com seriedade. Não estão dependentes de uma máquina burocrática que lhes diz o que podem ou não podem ser. Podem avaliar por eles mesmos se vale ou não a pena pagar esta joia e trabalhar arduamente para retribuir a quem lhes estendeu a mão e lhes emprestou o dinheiro. Muitas vezes trata-se da própria família, nos países de origem.

CLA maioria dos países europeus são economias onde o sector dos serviços é predominante. Uma boa parte dos imigrantes que tentam a sorte na Europa não tem qualquer tipo de formação profissional. Este aspecto pode ser problemático?

B.S.F.– Pode. Mas também pode ser resolvido, ainda que muito lentamente. Não podemos esperar que as pessoas, de um dia para o outro, aceitem de braços abertos quem vem de fora e reclama alguns dos postos de trabalho existentes. Acredito que com o passar dos anos este aspecto vai ser mitigado, porque as pessoas vão compreender que quem está disposto a pagar para trabalhar não quer apenas tirar partido das regalias sociais que o país de destino tem para oferecer.

CLO modelo poderá também ser mais aliciante para o sector privado?

B.S.F.– Creio que sim. No meu entender, as empresas têm todo o interesse em poder contar com trabalhadores determinados, dispostos a trabalhar de forma árdua, primeiro para recuperar o dinheiro que investiram e depois para melhorar o seu nível de vida. Este aspecto é o que mais poderá contribuir para um mudança de atitude perante a imigração.

CLA União Europeia continua a ter que dar resposta a uma série de desafios internos e a questão das migrações não é o único problema com que se depara. Para muitos Estados-membros não é sequer uma prioridade. O posicionamento da UE perante a imigração poderá mudar a breve ou médio prazo?

B.S.F.– A questão devia ser: “Quanto tempo será necessário para que a Europa avance com novas soluções para este dilema?”. Devo dizer que não estou muito optimista. A União Europeia tem sido muito lenta no que toca à adopção de boas soluções. Depara-se, hoje em dia, com uma série de problemas que vão muito para além do Brexit. Os europeus têm muito em que pensar. É pouco provável que aceitem uma proposta como a nossa tão depressa como seria desejável. Espero que, com o passar do tempo, as perspectivas se alterem e a nossa proposta possa ser considerada.

Marco Carvalho

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