Voltar à realidade

Acabadas as férias da imensa maioria dos portugueses é tempo de voltar à realidade. Terminado que foi o mês das festas e romarias, dos encontros e reencontros, dos copos e comezainas, dos passeios florestais e dos banhos naturais, a vida volta ao seu ritmo habitual, nem sempre o mais apetecido.

Neste país de emigrantes as famílias separam-se na angústia de uma saudade permanente e na expectativa de um futuro que os reagrupe, tantas vezes adiado e inconseguido. Os que partem, cada vez mais, levam na bagagem a esperança de uma alternativa à situação dos que ficam. Os que ficam, cada vez menos, enfraquecem essa esperança na desilusão do seu quotidiano e naqueles que o podem transformar.

É assim! Ano após ano, numa “crise” da qual várias gerações de portugueses nunca saíram, multiplica-se o desespero das nossas gentes, que só a solidariedade familiar consegue amornar e as promessas, tornadas fraude, conseguem enganar.

O mundo transforma-se à nossa volta e nós, muitas vezes incapazes de o perceber, continuamos a querer acreditar que podemos tratar as feridas com os mesmos remédios caseiros, quando elas estão cada vez mais abertas, porque expostas a agentes externos que não controlamos, mas que alguns fingem controlar.

Vulgarizamos as imagens da horrível realidade dos refugiados do Norte de África e a insanidade com que este enorme problema está a ser considerado e atravessamos o Mediterrâneo em navios de cruzeiro turístico, num mar pejado de cadáveres. No entanto, ficamos amedrontados quando, os que sobrevivem, nos batem à porta.

Olhamos de soslaio para a crise financeira chinesa, ou para a redução do preço do petróleo, porque a China está longe e Angola também, esquecendo que o dinheiro “navega” mais depressa do que as barcaças dos refugiados e que, à falta de outros interessados, a falta do investimento chinês e angolano nos pode afogar em dívida, ameaçar a sua sustentabilidade e a má situação económica em Angola agrave os nossos problemas económicos e sociais.

Fazem-nos acreditar que se algo internamente correr mal a Europa e a maior economia europeia, a alemã, está cá para nos ajudar. Desenganem-se!

Esta Europa, que se construiu sem a opinião dos seus cidadãos, “cavalgando” na sua indiferença ou na expectativa de benefícios imediatos sem contrapartidas, está no estertor dos princípios que lhe deram origem para dar lugar aos oportunismos nacionais. O vizinho do lado que se “safe”!

À custa da dispendiosa formação paga pelo erário público português, alemães e ingleses deslocam-se às universidades portuguesas “sacando” jovens médicos e enfermeiros, a quem podem pagar salários adequados. Por cá, e em consequência da falta destes especialistas, contratamos sul-americanos a preços de saldo e qualidade questionável.

A “ajuda” à Grécia, segundo o estudo do Instituto de Investigação Económica Leibniz, em Munique, beneficiou a Alemanha em mais de 100 mil milhões de euros, resultantes das baixas taxas de juro das suas obrigações, procuradas pelos investidores amedrontados com a crise grega. Assim, mesmo que os gregos não pagassem as suas dívidas, a Alemanha já teria beneficiado muito mais com a crise grega. Como exemplo e nas compras a “bom preço”, tal como nos “leilões” públicos em Portugal, a Alemanha já é a nova concessionária de catorze aeroportos gregos.

Mas animem-se todos os portugueses, nomeadamente aqueles que acreditam nos “milagres” das vésperas eleitorais.

Os bancos tiveram ordem de “soltura”. Há onze anos que a banca não aumentava tanto a concessão de crédito (embora as famílias não parem de se endividar e falir). Os impostos vão baixar se votarmos massivamente na actual coligação no poder (quando é que já ouvimos isto?). O emprego (temporário e de baixos salários) subiu algumas décimas. A Troika deixou-nos (ficaram apenas as suas decisões a cumprir).

“Razões de sobra” para cantarmos de contentamento e gastarmos mais uns tostões em “chumbos”.

Por isso, se gosta de desporto, abriu ou vai abrir, a partir do próximo mês, a “época de caça” para algumas espécies significativas, como o coelho-bravo, a pega-rabuda, a gralha, o pato-trombeteiro ou a narceja-galega.

A acreditar na imensa sabedoria popular, “antes caçar do que ser caçado!”

Luis Barreira

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