Viver num mundo diferente

De um tempo a outro

Sobre o título genérico de “o nosso tempo”, tem esta minha colaboração n’O Clarim procurado tentar interpretar, de forma pessoal e naturalmente incompleta, alguns dos desafios e interrogações que se nos colocam no presente.

Época de grandes paradoxos e contradições, está impregnada de sinais positivos e negativos que nos compete detectar e descodificar.

Os progressos da ciência a da técnica maravilham-nos sempre. E são tão frequentes que, por vezes, temos dificuldade em acompanhar o seu ritmo, nós os de uma geração onde tudo era aparentemente mais estável, mais… previsível.

Um bom símbolo do progresso que não pára é a regular indicação aos utentes de computadores de que já está disponível mais uma versão deste ou daquele programa, desta ou daquela aplicação, e que é só premir a tecla certa para se estar actualizado, até à próxima vez…

Os media, omnipresentes no nosso quotidiano, acrescentam outra dimensão ao provisório do nosso conhecimento. De facto, dão-nos respostas quase “definitivas” sobre muitas questões, até que esses temas sejam totalmente esquecidos, por perderem actualidade e as atenções se concentrarem noutro assunto.

Pelo que podemos dizer que cultivamos (sem quase nos darmos conta) uma cultura fragmentada, feita de pedacinhos de realidades desconexas, nos antípodas daquele ideal enciclopédico que serviu de modelo ao homem culto em épocas passadas.

Estamos condenados assim à intranquilidade da divisão interior, do viver sob muitos registos, adaptando-nos o melhor que podemos e sabemos à natureza de cada situação. Como se a nossa compreensão e escala de valores fossem curtas para abarcar a novidade de viver no tempo presente.

Mas a despeito do ritmo vertiginoso das inovações, tem-se a noção de que o ser humano é sempre o mesmo, nas suas interrogações fundamentais sobre a vida e a morte, sobre o porquê da sua existência e como viver o melhor possível, na relação consigo e com os outros.

E é desta aparente contradição entre o que é novo e o que é de sempre que nascem os grandes desafios de adaptação de instituições multisseculares, depositárias e mensageiras de valores, como a Igreja Católica.

 

Ouvir a sociedade

À escuta das inquietações do homem contemporâneo, os bispos sinodais debateram no Vaticano temas desconfortáveis, eles próprios homens da sua época, com uma educação e formação desse seu tempo, e confrontados, no dia a dia das suas dioceses, com a realidade das igrejas vazias, na Europa. Ou a regurgitar de fiéis, nos outros continentes.

Uma Europa que já quase não acredita na actualidade da mensagem da Igreja; e um resto do mundo que exige respostas urgentes a interrogações que são de todos.

Uma Europa que se esgotou pois nos excessos do individualismo ou colectivismo filosóficos do século XIX ou no carnaval do nazismo e do fascismo – ideologias filhas do século XX (umas mais verdadeiras do que outras…). Europa que não sabe como tecer agora, de novo, os laços da simples solidariedade entre vizinhos de andar, no mesmo prédio, na mesma rua, no mesmo bairro.

E uma África, uma Ásia, uma América Latina, a construir já cópias urbanas do modelo europeu e norte-americano, mas ainda com o viço de um corpo social não exangue pelos combates filosóficos que não foram os seus.

E é principalmente desses continentes novos que surge a urgência de respostas da Igreja, para que, Mãe e Mestra, ensine e guie as mulheres e homens deste tempo perturbante a viverem a sua Fé por entre os escolhos do Desconhecido.

Quer-se uma Doutrina Nova para um Homem Novo… Duplo engano?…

Talvez a leitura do Eclesiastes proporcione a focagem correcta ao essencial do que está em causa: Vaidade das vaidades… nada de novo debaixo do Sol!

 

Uma nova compreensão

Não podendo ser um convite ao imobilismo, o Eclesiastes, como grande livro da sabedoria do homem essencial, adverte-nos contra a tentação do progressismo precipitado, de quem poderá desejar ir atrás das correntes dominantes da opinião pública.

A Igreja Católica não pode ser acusada de seguidismo, contrariamente a várias outras confissões cristãs. A Igreja de Roma tem sido mesmo acusada do contrário.

Fiel pois a alguma prudência (e alguma prudência não é necessariamente má), em vez de se ir em busca do Homem Novo, esse ser que revolucionou comportamentos e instituições, verdadeiras desde sempre, como a família, por exemplo, vale a pena perguntarmo-nos que atitude assumir para com a nova compreensão da complexidade dos seres humanos.

Avançaram as disciplinas do homem individual, como a Psicologia. E avançaram as disciplinas do homem inserido na comunidade, como a Antropologia Cultural e a Sociologia. Com as sub-especialidades que cada uma dessas áreas do saber comporta.

Até na Ciência Política se desenvolvem estudos do comportamento humano, actor que o homem é dos pequenos e grandes eventos que vão modelando a História.

A partir desta mais recente compreensão da humanidade, que respostas pode a Igreja dar?

 

De um sínodo a outro

O documento dos bispos aí está, para consulta pública, transparente na hesitação com que se tentam desvendar novos caminhos, e no esforço louvável de fazer amadurecer ideias e iluminar o futuro.

Antecipo os resultados do Sínodo do próximo ano, porque em tudo o que vai acontecendo há duas reacções possíveis: os que aprovam e os que desaprovam por razões opostas, porque se foi longe de mais nas concessões e porque se não fez o suficiente…

Mas há algo que nas palavras do Papa Francisco condicionará desde já o resultado final do colégio dos bispos: imerso nas suas contradições, o Homem espera compreensão e deseja afecto, misericórdia, mais do que condenação.

Está pois marcado o tom do documento final.

 Carlos Frota 

Universidade de São José

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