Entre cristãos e outros crentes
Na recente visita que realizou ao Iraque, o Papa Francisco lançou um apelo ao mundo: que todos os homens, independentemente das suas diferenças e crenças, busquem a paz entre si. Deste modo, o Santo Padre reavivou o sentido ecuménico e o diálogo inter-religioso – dois conceitos que foram sendo repetidos, quase à exaustão, pelos Órgãos de Comunicação Social. Na esmagadora maioria das vezes, a denominada “media generalista” revelou não saber distinguir ecumenismo de diálogo inter-religioso. Com recurso aos documentos Unitatis Redintegratioe Nostra Aetate, O CLARIM explica a diferença.
Na Planície de Ur, a 6 de Março, o Papa Francisco começou por afirmar: «este lugar abençoado faz-nos pensar nas origens, nos primórdios da obra de Deus, no nascimento das nossas religiões. Aqui, onde viveu o nosso pai Abraão, temos a impressão de regressar a casa. Aqui ele ouviu o chamamento de Deus, daqui partiu para uma viagem que mudaria a história. Somos o fruto daquele chamamento e daquela viagem. Deus pediu a Abraão que levantasse os olhos para o céu e contasse as estrelas [Génesis, 15:5]. Naquelas estrelas, viu a promessa da sua descendência, viu-nos a nós. E hoje nós, judeus, cristãos e muçulmanos, juntamente com os irmãos e irmãs doutras religiões, honramos o pai Abraão fazendo como ele: olhamos para o céu e caminhamos sobre a terra». O Sumo Pontífice apelou que o caminho que o Céu aponta seja «o caminho da Paz».
CONCÍLIO VATICANO II: ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO– No início dos anos 60, o Concílio Ecuménico Vaticano II teve a enorme preocupação de abordar a importância do ecumenismo, promover a restauração da unidade entre todos os cristãos, assim como o respeito pelas diversas religiões; pelos valores de cada homem e da sua fé, num diálogo inter-religioso, de forma a fomentar a união e a caridade entre os homens e entre os povos.
Os documentos Unitatis Redintegratioe Nostra Aetate, resultantes do Concílio Vaticano II, pela “voz” do Papa Paulo VI, apelam à vivência da unidade entre todos os cristãos e à paz com todos os homens, independentemente da sua religião.
No que respeita ao ecumenismo, o decreto Unatis Redintegratio(1964) refere que a natureza do movimento ecuménico é promover a restauração da unidade entre todos os cristãos, tendo este sido, precisamente, um dos principais propósitos do sagrado Concílio Vaticano II. O documento sublinha que “o Senhor dos séculos prossegue sábia e pacientemente o plano da sua graça a favor de nós pecadores. Começou ultimamente a infundir de modo mais abundante nos cristãos separados entre si a compunção de coração e o desejo de união. Por toda a parte, muitos homens sentiram o impulso desta graça. Também surgiu entre os nossos irmãos separados, por moção da graça do Espírito Santo, um movimento cada vez mais intenso em ordem à restauração da unidade de todos os cristãos. Este movimento de unidade é chamado ecuménico. Participam dele os que invocam Deus Trino e confessam a Cristo como Senhor e Salvador, não só individualmente, mas também reunidos em assembleias”.
Por “movimento ecuménico”, o texto entende tratar-se das “actividades e iniciativas que são suscitadas e ordenadas, segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos. (…) Por isso, devemos implorar do Espírito divino a graça da sincera abnegação, humildade e mansidão em servir, e da fraterna generosidade para com os outros”.
No espírito de missão, o Unitatis Redintegratiosensibiliza os católicos para que se entreguem a obras missionárias nas mesmas terras que outros cristãos: “conhecer os problemas e os frutos que, para o seu apostolado, se originam do ecumenismo. (…) Todos os cristãos professem diante do mundo inteiro a fé em Deus uno e trino, no Filho de Deus encarnado, nosso Redentor e Salvador. Por um esforço comum e em estima mútua dêem testemunho da nossa esperança, que não confunde”.
Por sua vez, o decreto Nostra Aetate(1965) acentua que o género humano torna-se cada vez mais unido, e assim aumentam as relações entre os vários povos; a Igreja considera mais atentamente qual a sua relação com as religiões não-cristãs. E embrenhado num verdadeiro espírito de união, acrescenta: “na sua função de fomentar a união e a caridade entre os homens e até entre os povos, considera primeiramente tudo aquilo que os homens têm de comum e os leva à convivência. Com efeito, os homens constituem todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a terra o inteiro género humano; têm também todos um só fim último, Deus, que a todos estende a sua providência, seus testemunhos de bondade e seus desígnios de salvação até que os eleitos se reúnam na cidade santa, iluminada pela glória de Deus e onde todos os povos caminharão na sua luz”.
A Nostra Aetatesublinha que os homens esperam das diversas religiões resposta para os enigmas da condição humana, os quais, hoje como ontem, profundamente preocupam os seus corações: “Que é o homem? Qual o sentido e a finalidade da vida? Que é o pecado? Donde provém o sofrimento, e para que serve? Qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira? Que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte? Finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa existência, do qual vimos e para onde vamos?”.
Proclamado pelo Pontífice Paulo VI, o Nostra Aetateapela ao entendimento entre todos os homens e povos, de modo a que não haja qualquer discriminação quanto à dignidade humana e aos direitos que dela derivam. E enfatiza: “a Igreja reprova, por isso, como contrária ao espírito de Cristo, toda e qualquer discriminação ou violência praticada por motivos de raça ou cor, condição ou religião”.
Resumindo: o conceito de “ecumenismo” emprega-se sempre que está em causa o diálogo entre diferentes ramos do Cristianismo (Catolicismo Romano, Ortodoxia Oriental e Protestantismo). Já o conceito de “diálogo inter-religioso” deve ser empregue sempre que há o encontro entre duas ou mais religiões, sejam monoteístas ou politeístas (exemplo: o recente encontro do Papa Francisco com o líder muçulmano dos xiitas, o Grande Ayatollah Sayyid al-Sistani).
Miguel Augusto