VISITA DO PAPA FRANCISCO À MONGÓLIA

VISITA DO PAPA FRANCISCO À MONGÓLIA

Em nome do diálogo budista-cristão

A presente visita do Papa Francisco à Mongólia, que decorre de 31 de Agosto a 4 de Setembro, é a primeira de sempre de um Santo Padre a este país predominantemente budista (52 por cento da população) e resulta de um trabalho missionário e diplomático já com várias décadas. Na verdade, esta visita papal é o culminar de quase sessenta anos de crescente fraternidade entre budistas e cristãos. O maior país do mundo sem litoral, e com apenas 3,3 milhões de habitantes, a Mongólia estabeleceu relações diplomáticas com o Vaticano em 1992 e reúne, apenas, nove centenas de católicos, congregados em quatro paróquias, que entram na seguinte estatística oficial: 1,3 por cento de cristãos. Como se constata, não terá sido o número o factor decisivo na prioridade da visita papal a este país, antes, isso sim, o gosto profundo de Francisco pelo diálogo inter-religioso, como antídoto para «a habitual divisão e demonização dos opositores praticada pelos políticos». Francisco quer, com esta sua deslocação, chamar a atenção para a importância de exemplares encontros inter-religiosos como aquele que na Mongólia acontece. Aí, sempre a Igreja Católica procurou encontrar terreno comum com as demais comunidades, budistas ou outras. E fê-lo com sucesso.

Prefeito apostólico de Ulan Bator (capital da Mongólia) e o mais jovem cardeal do Colégio dos Cardeais, D. Giorgio Marengo é um dos líderes da Igreja que mais valoriza os colóquios budista-cristãos que se têm vindo a realizar, e neles tem participado activamente. Numa entrevista concedida à agência noticiosa FIDES, aquando da reunião de 2022 da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas (FABC), o prelado transalpino falou dessa grande oportunidade «de saber mais acerca do mundo budista» quando participou, em 2015, num encontro budista-cristão em Bodh Gaya, na Índia. Esse seria para ele um «abrir de olhos» para um Budismo mais amplo, porque na Mongólia conhecia apenas a realidade do Budismo mongol, que tal como o do Tibete alinha com a tradição mahayana, contrariamente à tradição theravada praticada no Sudeste Asiático – Laos, Camboja, Myanmar, Sri Lanka, Tailândia e Vietname. Em 2017, o jovem cardeal participaria, desta feita em Taipei (no mosteiro budista Ling Jiou), em idêntica iniciativa. Aproveitaria a ocasião para pedir aos organizadores que convidassem um monge budista da Mongólia, pois até então nunca os religiosos desse país tinham participado nesse tipo de encontros. Compareceria um conhecido abade, «que dirige um grande mosteiro na Mongólia», e que é hoje aliado muito próximo de D. Giorgio Marengo.

A Federação das Conferências Episcopais Asiáticas é uma associação voluntária de conferências episcopais na Ásia, criada com a aprovação da Santa Sé. Tem como objectivo promover entre os seus membros a solidariedade e a co-responsabilidade pelo bem-estar da Igreja e da sociedade na Ásia. As decisões da Federação não têm força jurídica vinculativa, “e a sua aceitação é uma expressão de responsabilidade colegial”. Na sua primeira assembleia plenária, em 1974, em Taipei, a FABC assumiu como princípio orientador a imagem de “uma Igreja Asiática como uma Igreja de diálogo” e, quatro anos depois, criou um Gabinete de Assuntos Ecuménicos e Inter-religiosos. O que a FABC entende sobre o Budismo está expresso num documento de 1997 que nos mostra de que forma o Espírito Santo anima a Fé. Durante muitos séculos, o Budismo alimentou a vida espiritual de quase toda a Ásia, “produzindo os frutos do Amor pelo Próximo, da Compaixão, da Alegria e da Paz de Espírito nas vidas de milhões de asiáticos”. Ora, sempre que os cristãos partilham algo da visão e da filosofia do Buda, eles estão, sem se aperceberem disso, a presenciar a obra do Espírito Santo. Ou não são “o Amor ao Próximo, a Compaixão, a Alegria e a Paz de Espírito” também esteios fundamentais da doutrina cristã?

Quando o Papa Francisco anunciou, em 29 de Maio de 2022, que planeava nomear Marengo cardeal em 27 de Agosto, este encontrava-se em Roma para participar numa reunião que tinha organizado entre o Papa e a liderança budista mongol. Dizia ele então: «O diálogo com o mundo budista, que é maioritário na Mongólia, é fundamental para nós, faz parte da nossa missão». Marengo assistia nessa altura à Missa Dominical com dois sacerdotes católicos mongóis que viajavam consigo, juntamente com um monge budista. Tinham acabado de visitar uma comunidade de Irmãs Missionárias da Consolata nos arredores de Roma, quando o anúncio [sobre os novos cardeais] foi feito no Ângelus. Curiosamente, seria o monge budista a primeira pessoa a felicitá-lo pelo seu novo cargo.

Como bem escreve o prefeito do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, cardeal D. Miguel Ayuso Guixot, “acompanhados pelo diálogo de fraternidade e respeito do Papa Francisco, budistas e cristãos de todo o mundo têm conseguido encontrar formas criativas de partilhar as alegrias e os mistérios de vida juntos e cooperar para o bem comum de todos e para a sobrevivência da nossa casa comum”.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *