LUÍS SEQUEIRA E PAUL PUN

Vinte anos depois, o triunfo da fé

LUÍS SEQUEIRA E PAUL PUN ANALISAM O PERCURSO DA IGREJA SOB A ÉGIDE DA RAEM

Duas décadas após o regresso de Macau à soberania chinesa, a liberdade religiosa e de culto não só se manteve intocada no território, como a Igreja Católica viu também reforçado o seu papel social e espiritual, sobretudo desde que D. Stephen Lee assumiu os destinos da mais antiga diocese do Extremo Oriente. Eis como o padre Luís Sequeira e Paul Pun, secretário-geral da Cáritas, olham para os vinte primeiros anos da RAEM.

Radicado na agora Região Administrativa Especial de Macau há mais de quarenta anos, o padre jesuíta Luís Sequeira é o único sacerdote português que acompanhou o antes, o durante e o depois do processo de transição em toda a sua plenitude. Duas décadas após a transferência da administração de Macau entre Portugal e a República Popular da China, o antigo Superior da Companhia de Jesus no território não se coíbe de classificar o processo como bem sucedido, não só em termos sócio-culturais, como também numa perspectiva religiosa. «Eu, na minha visão de futuro, tinha uma inclinação muito positiva, marcada pela esperança e nunca pensei que pudesse existir grande turbulência entre nós. E é um facto que a vida religiosa da comunidade cristã deu-se bem, inclusive com a sensação de que se podia até fazer mais», defende, em declarações a’O CLARIM. «Nós fomos muito felizes, no meu entender, com a escolha de Edmund Ho, porque ele soube manter, realmente, o equilíbrio: sendo muito chinês, sempre muito fiel à ideia de Pátria e aos deveres que ela lhe exigia, mas nunca teve receio de se assumir como um suporte político e legal da comunidade portuguesa residente em Macau. Ao fim e ao cabo limitou-se a pôr em prática o que estava escrito na Lei Básica», sustenta.

Se em termos de liberdades civis e de garantias políticas, o primeiro-chefe do Executivo, Edmund Ho, se prefigura para o padre Luís Sequeira como o grande protagonista do período de transição, em termos eclesiásticos a Igreja Católica em Macau deve a serenidade e o dinamismo entretanto alcançados a dois líderes com características muito distintas. O antigo director do Colégio Mateus Ricci atribui a D. Domingos Lam o mérito de ter conseguido preservar o protagonismo e a missão da Igreja Católica, num período obscurecido pela incerteza. «Num primeiro momento, a própria actuação de D. Domingos Lam funcionou, eu diria, como um garante da vida da Igreja. Ele era livre e suficientemente afirmativo daquilo que pensava e sentia como bispo», explica o sacerdote, acrescentando: «Podia parecer um bocadinho expressivo e exuberante, às vezes até um bocadinho excessivo, mas tinha inteligência e tinha vigor. Era um homem com uma grande capacidade para dialogar com o poder civil e com o Governo, o que é muito bom».

Outro grande protagonista do percurso da Igreja Católica ao longo dos primeiros vinte anos do território sobre bandeira chinesa é o actual timoneiro da diocese de Macau. Para o padre Luís Sequeira, a nomeação de D. Stephen Lee para a cátedra diocesana trouxe vida à Igreja local e esperança aos católicos: «Para mim, em termos de Igreja, foi um dom enorme D. Stephen ter sido nomeado. Tem um sentido de liderança e é alguém plenamente consciente do seu dever enquanto sacerdote e bispo. O que ele tem feito é pegar nas rédeas, que estavam a ficar muito soltas – e a deixar um bocadinho até as pessoas muito inseguras. Arranca com a formação cristã de base, arranca com a catequese e olha com outros olhos para a educação e para as problemáticas da juventude. Isto é o mínimo que deve ser feito para que a Igreja Católica possa ter futuro e foi isso que ele fez, partindo quase do zero».

UMA NOVA DINÂMICA

A reabilitação do papel do Seminário de São José na formação de novas vocações e o impulso que procurou conferir à Universidade homónima são, no entender, do padre Luís Sequeira dois dos exemplos mais visíveis da dinâmica que D. Stephen Lee incutiu na vida da Igreja Católica em Macau, numa postura que também merece os aplausos de Paul Pun.

O secretário-geral da Cáritas reconhece que o bispo D. Stephen Lee teve a capacidade para atrair sangue novo aos trabalhos da Igreja, conferindo uma nova dimensão à acção pastoral e social da Diocese. «Enquanto católico, sinto que estamos a assistir a um grande impulso em termos de actividades e em termos de desenvolvimento. Há mudanças a ganhar forma e estamos a testemunhar uma Igreja mais energética», considera o dirigente. «Sendo um bispo jovem, o bispo Lee foi capaz de reforçar os alicerces que lhe foram legados pelos seus antecessores e de envolver mais pessoas na vida da Igreja. Creio que este caminho – o de chamar e o de envolver os católicos nas actividades da Igreja – é a direcção certa», complementa.

Duas décadas depois do regresso de Macau à Mãe-Pátria, atesta o secretário-geral da Cáritas, as liberdades religiosa e de culto permanecem intocadas e a Igreja Católica continua a ser vista como um importante parceiro social. O prestígio de que goza, no entender de Paul Pun, resulta do facto de sempre se ter colocado ao lado dos mais fracos e mais desfavorecidos. «Na qualidade de membro da Igreja Católica, acredito que os católicos de Macau tentaram ao longo dos últimos vinte anos manter a fé com um coração aberto, um sentido de missão e o propósito de cuidar de quem precisa», explica, acrescentando: «Não enfrentámos qualquer tipo de obstáculo depois da transferência de administração. Tivemos liberdade para acarinhar e impulsionar esta prática e as pessoas são livres de exercer a sua fé com um sentido de missão».

A relação institucional entre a Cáritas Macau e as autoridades da Região Administrativa Especial permaneceu também intocada. Fundada em 1951 pelo padre Luís Ruiz, então com o nome de “Centro Social Mateus Ricci”, a Cáritas foi durante décadas um dos principais parceiros do Governo português do território em termos de prestação de serviço social, estatuto que permaneceu inalterado após 20 de Dezembro de 1999. «Em termos de gestão quotidiana, algumas coisas sofreram pequenas alterações após a transferência de administração, mas em termos de ambiente, em termos de apoio não houve alterações de relevo. O modo de agir é o mesmo e o diálogo permanece activo. O Governo sabe que somos uma organização de caridade de matriz religiosa, mas continua a procurar a nossa cooperação e o nosso apoio, tendo em vista especialmente os que mais necessitam», assegura Paul Pun. «Eles continuam-nos a pedir apoio e nós estamos mais do que felizes por poder apoiar nesta área», conclui.

Marco Carvalho

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