Como fazer o Vinho e o Pão de Missa
Sabe como é feito o pão e o vinho que comungamos na missa? Sabe de onde vêm os ingredientes, ou como são preparados para que tenham aquela cor, sabor e outras particularidades? Se não sabe, venha daí. Nós também não sabíamos, mas fomos aprender.
Quando esteve entre nós, Jesus deixou um testemunho de amor e entrega ao próximo que, até hoje, muitos procuram seguir, na medida das suas possibilidades. Ao deixar-nos, esteve com os seus discípulos e disse-lhes que celebrassem a sua morte não com tristeza, mas em memória do que Ele tinha feito por eles. Assim, e ao redor da mesa, local onde se reuniam as comunidades naquele tempo, Jesus pegou no pão, partiu-o e deu-o aos seus discípulos. De seguida, distribuiu o vinho por eles.
Depois da morte e ressurreição, as comunidades cristãs mantiveram, até aos dias de hoje, o ritual de celebrar a sua morte com uma reunião à volta de uma mesa, hoje altar, para comungarmos do Corpo e do Sangue de Jesus. Pão e vinho que, na mesa eucarística, adquirem outro significado através da transubstanciação.
Mas será que, hoje em dia, qualquer pão e qualquer vinho servem para fazer memória? Não, pois a tradição ainda é o que era. Assim, para comungar o Corpo de Jesus, continuam-se a produzir hóstias com pão ázimo e, para comungar o Sangue, continua-se a produzir vinho de missa, com especificações próprias que o diferenciam dos outros vinhos.
Há mais de cem anos que, em Braga (Portugal), o Instituto Monsenhor Airosa (IMA) produz hóstias para a eucaristia. Uma receita simples de farinha com água, mas que é feita com todo o carinho e dedicação. «Este é um produto especialíssimo, por isso procuramos incutir nas pessoas a noção da especificidade e da muito especialíssima condição deste produto. Nós não estamos a produzir um produto qualquer, estamos a fazer aquilo que vai ser transformado no Corpo de Cristo», explica-nos Luís Gonzaga Dinis, presidente do IMA, enquanto nos encaminhamos para a fábrica, onde cinco trabalhadores dão corpo às hóstias e partículas que depois serão vendidas para as dioceses e paróquias de todo o País e não só, pois a empresa já exporta para Angola e para a Galiza (Espanha).
Com uma capacidade de produção de duzentas mil partículas/dia, a produção actual está estimada nas 150 mil/dia, num total de hóstias (as grandes), partículas (as mais pequenas) e cacos d’hóstia. «Há mais de cem anos que há uma tradição nesta casa, as aparas e os cacos. São os restos, que resultam dos cortes ou de formas mal conseguidas das hóstias. Estas sobras, desde sempre, eram uma iguaria que os miúdos vinham às freirinhas buscar. Nós, olhando para a necessidade, resolvemos criar um produto para comercializar, que são os cacos d’hóstia, os bocados desaproveitados das hóstias. Registámos o nome, que sempre existiu, e comercializamos», explica Luís Gonzaga Dinis.
O modo de fabrico é simples e rápido: pela manhã é colocada a farinha com água e misturada durante uma hora. Em seguida a massa vai levedar e depois entra no forno para ser cozida. Depois da cozedura, um dos truques: as placas de hóstias são colocadas numa estufa para humidificar, para evitar que partam quando forem cortadas. Uma hora depois de estarem na estufa, são cortadas segundo o tamanho que se deseja e colocadas numa peneira, onde são escolhidas, uma a uma, para «garantir que apenas escolhemos as perfeitas». No final, são pesadas, ensacadas e armazenadas para responderem às encomendas. Todo o processo demora cerca de uma manhã a concluir.
Já o mesmo não se passa com o vinho. Em Aguada de Cima, perto da Bairrada, as Caves Primavera produzem há décadas vinho de missa, especificamente preparado para o altar. Não é um vinho qualquer, pois não recebe quaisquer aditivos químicos durante a sua fermentação ou estágio. «Em primeiro lugar, temos de escolher as uvas bem maduras. Quanto mais maduras melhor, pois temos de fazer uma pequena adição de aguardente vínica, quando a densidade chegar aos 1050, para pararmos a fermentação, de maneira a que se fique com cerca de 100 g de açúcar residual e 16.ºC de álcool, porque o álcool é o único conservante. O vinho de missa é licoroso, não tão doce, com menos grau de álcool… É uma situação de compromisso entre o açúcar e o álcool, para termos um produto agradável, não excessivamente alcoólico, mas estável», explica-nos Antero Silvano, enólogo das Caves Primavera.
O processo de recolha da uva e de fermentação da mesma é acompanhado por um sacerdote indicado pela diocese de Aveiro, que certifica que todo o processo é natural. Não pode haver químicos que deturpem a natureza do vinho, razão pela qual o vinho leva «apenas uma ligeira desinfecção inicial das uvas para garantir uma fermentação sã, e nada mais», explica o enólogo.
O processo aqui dura algumas semanas, dependendo do tempo que dure toda a vindima, e depois o vinho fica cerca de três a quatro anos em estágio em “cascos”, pipas de carvalho, enquanto uma parte é adicionada ao vinho que já está em “cascos” e engarrafada de imediato. «Isto permite manter uma coerência no sabor», garante-nos Antero Silvano.
A história aqui surge da parte de um irmão de um dos fundadores, que era padre e sentiu essa necessidade de produção de vinho de missa. «Apesar de ser pouco significativa em termos de produção global da empresa, as vendas tem aumentado e, acima de tudo, é um produto muito significativo do ponto de vista do nome e da imagem da empresa, aumenta a nossa notoriedade e identificamo-nos com ele», refere Lucénio Saraiva, gerente da empresa.
As normas para a confecção do vinho e do pão de mesa estão indicadas na “Redemptionis Sacramentum”, um documento da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos da Santa Sé. Lá é referido que “o pão que se utiliza no santo Sacrifício da Eucaristia deve ser ázimo, só unicamente de trigo, feito recentemente, para que não haja nenhum perigo de que se estrague por ultrapassar o prazo de validade”. Sobre o vinho, as indicações de que “o vinho que se utiliza na celebração do santo Sacrifício eucarístico deve ser natural, do fruto da videira, puro e dentro da validade, sem mistura de substâncias estranhas”. Ambos devem conservar-se bastante tempo, a fim de que não percam qualidade. Luís Gonzaga Dinis garante que as hóstias duram «seis meses», mas que está a trabalhar para perceber se é possível aumentar o prazo de validade, «considerando que enviamos muitas hóstias para fora do País», diz. Já o vinho, garante Antero Silvano, aguenta «seis meses sem problema» com a garrafa aberta, excepto se for apenas um resto no fundo, pois aí «a oxidação é maior e pode haver precipitação da matéria corante», explica.
No que diz respeito às hóstias, o IMA produz também hóstias “sem glúten”, uma especialidade da casa, aprovada pelo Vaticano. «Fazemos hóstias “sem glúten” a partir de uma receita da Dra. Henedina Antunes, médica aqui no hospital [de Braga]. Ela desenvolveu connosco esta possibilidade de fazermos estas hóstias “sem glúten”. São hóstias que cumprem com a legislação canónica de mais de uma parte por milhão de glúten na sua composição, e com a legislação europeia, que diz que se tiver menos de dez partes por milhão pode ser considerada “sem glúten”. É uma quantidade tão pequena que é inofensiva para os celíacos», garante Luís Gonzaga Dinis, que explica que a fórmula foi aceite pelo Vaticano e que agora exportam para todo o mundo, muitas de forma gratuita. «As hóstias “sem glúten” não são vendidas, são fornecidas gratuitamente para toda a gente, porque achamos que é um serviço que prestamos. Como é uma produção muito diminuta, se fossemos a levar dinheiro, sairia extremamente cara, é muito mais cara que as partículas normais. Para quantidades inferiores a quarenta por encomenda não cobramos nada. Enviamos para os párocos, ou para doentes que nos contactam», em Portugal ou no estrangeiro. Mesmo não cobrando, há quem envie donativo, em jeito de agradecimento pelo gesto. «Sem nós pedirmos um ou outro que tem mais possibilidades envia um donativo para auxiliar na produção, e a coisa vai-se equilibrando e Deus nosso Senhor vai cuidando da gente [risos]», explica.
Sejam os cacos d’hóstia, seja o próprio vinho licoroso de missa, são produtos que, antes de serem consagrados, podem ser adquiridos e consumidos como produtos de mesa normais, até porque são naturais e sem químicos.
RICARDO PERNA
Família Cristã