Internet, a “morte” de uma utopia?

VATICANO E O MUNDO

Internet, a “morte” de uma utopia?

O século XVIII passou para a história como o Século das Luzes, na Europa, graças à emergência de um novo movimento de ideias, marcado pela influência da cultura e o desejo de conhecimento, como formas de superar as velhas superstições.

A democratização do saber foi erigida então em meio essencial para o crescimento total do Homem. Quanto mais se sabe, mais racional se é. Daí terem os filósofos do Iluminismo publicado a famosa Enciclopédia, repositório de “todo” o saber daquela época.

Parece que finalmente com a Internet (que contém milhões de livros e centenas de boas enciclopédias universais) se está hoje mais próximo do ideal do Iluminismo, com efeitos na Cultura e na História.

Estamos pois a caminho, graças à disponibilidade ilimitada do saber, de uma humanidade mais feliz e de um futuro isento das catástrofes do passado?

INFORMAÇÃO, UMA ROTINA DIÁRIA

Nunca estivemos tão bem informados. Hiper-informados, mesmo. Das primeiras coisas em que muitos pensarão, no início de cada dia, depois (ou mesmo antes!…) das prioridades imediatas do momento, é no estado do seu país e do mundo. Por esta ordem, naturalmente.

Como está o tempo? Se tudo corre normalmente nas estradas, no Governo, na Economia. Se os debates políticos do dia anterior ainda fazem sentido hoje. Se nenhuma peste bubónica cruzou as fronteiras sem passaporte. Se ao pé da porta ou em terra distante um avião de carreira não caiu por causas desconhecidas, liquidando duzentas ou trezentas pessoas que pensavam viver esse seu dia, como os dias anteriores.

E entre as abluções matinais e o rápido pequeno almoço, já quase ninguém dispensa esse gesto, tornado automático, de ligar o rádio, a televisão ou, cada vez mais, o telemóvel ou o “tablet”, para reiniciar a sua ligação ao mundo exterior, interrompida durante as breves horas de sono.

O que dizem os jornais? Quais os títulos das primeiras páginas? Sobre que reflecte hoje, particularmente, aquele/a comentador(a) de que gostamos, cujo estilo apreciamos, com cuja visão dos problemas nos identificamos?

Estar “conectado” (como hoje se diz) com o resto da Humanidade é a maneira imperiosa de viver o nosso tempo. Não nos podemos permitir outra. Porque estar enclausurados numa qualquer redoma simbólica equivale, quase, a suicídio!

CORRER PARA ONDE?

E assim nos tornamos os atletas forçados de uma corrida diária desenfreada, com o tempo e contra o tempo. Em que quase somos privados de momentos preciosos para compreender e assimilar as mudanças. Que, como se sabe, ocorrem em todos os domínios e que continuamente transformam o mundo – e nos transformam a nós.

Estar consciente da mudança, das mudanças, tornou-se imperativo para as compreender, as aceitar ou rejeitar, nesse esforço cada vez mais heroico de se escolher entre o essencial e o acessório; e entre o que é a favor ou contra a nossa humanidade.

Antes da ditadura dos robôs invadir os nossos espaços de decisão (e portanto de liberdade) individual, muitos tentam ainda demarcar as fronteiras da sua singularidade como seres humanos evitando, tanto quanto possível, ser engolidos pela grande máquina da sociedade orwelliana que muitos temem.

Quem nasceu já depois da Internet não pode compreender o que é viver sem ela.

Ora, com as janelas permanentemente abertas dos computadores sobre o mundo, compreendemos nós melhor a História que fazemos, todos dias?

Com a híper-abundância de informação que a Internet nos faculta, podemos compreender melhor o passado, avaliar as perspectivas do presente e preparar melhor o futuro? Nada menos certo!

Podemos perceber finalmente, com o acesso permanente a toda ou quase toda informação disponível, a estúpida crueldade dos conflitos, os seus custos humanos, os seus (quase sempre) provisórios ganhos políticos? Nada menos certo, repito!

Podemos entender, enfim, a inevitabilidade da reconciliação e o compromisso, como únicas vias abertas para um mundo onde todos caibam e tenham um lugar digno? Onde todos respeitem e sejam respeitados? A resposta continua a ser negativa, infelizmente. E a razão ou razões são conhecidas. Os mesmos canais de comunicação que veiculam tolerância e harmonia entre os povos podem ser manipulados, no momento seguinte, para transmitir mensagens de discriminação e ódio.

E, assim, morta fica a utopia deste novo saber pluri-enciclopédico, como fundamento possível e desejável de um tempo novo, tempo de redenção, reinício da História Humana, onde saber poderia significar finalmente saber ser melhor.

A MORTE DA UTOPIA?

Nesta era da Internet, como em todas as épocas passadas, o dilema é sempre o mesmo: Guerra, Paz ou assim assim?

As notícias de cada dia trazem os últimos capítulos de conflitos que se eternizam; ou novos, de crises que se inauguram. Se a paz universal foi sempre uma utopia, no nosso tempo parece ter sido ainda mais relegada para a gaveta das “improbabilidades”, no armário escondido da História.

Quais são os grandes motores dos conflitos de hoje?, pergunto-me, neste meu modo tão ingénuo de pretender agarrar a chave do mundo, numa só mão.

E as causas caiem a conta-gotas no meu ecrã interior, todas elas surgindo de uma fonte única dentro de mim: a certeza de que a miséria e a pobreza extremas geram a maioria esmagadora das crises que agitam, que sobressaltam o mundo.

São grupos que se apropriam dos recursos naturais que são de todos, políticos oportunistas que fabricam ideologias para justificar o roubo, travestido das roupagens de uma qualquer causa patriótica, e populações inteiras, inocentes, assim levadas, como gado, aos muitos matadouros da História, por gente “requintada”, telecomandando-lhes os destinos trágicos, a partir das muitas Suíças que há, espalhadas pelo mundo rico.

Formas de apropriação abusiva das religiões para, extraindo-lhes a essência da bondade e da abnegação aos outros que a todas irmana, as transformam em panfletos ou guiões de destruição e morte.

E onde está a Internet em tudo isto? A Internet que esclarece, que informa, que corrige? Está misturada com a Internet que mente, que calunia, que dirige ao erro e a novas escravidões.

A Internet, de bem quase absoluto, transforma-se então em mal também quase absoluto? Claro que não! A Internet é apenas um veículo do que se quiser colocar nela. O automóvel veloz, sofisticado, seguro, tanto pode conduzir ao hospital que salva ou ao desastre fatídico que mata. Tudo depende de quem conduz e que direcção toma.

E assim, com ou sem Iluminismo, voltamos às velhíssimas guerras interiores do espírito humano, entre o Bem e o Mal.

E constatamos de novo, com desagradável surpresa para uns, e com espírito de resignação (ou de triste confirmação) para os mais avisados, que afinal, agira como sempre, todas as escolhas essenciais se fazem dentro de nós.

Carlos Frota

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