Líbano: quem ouvirá Francisco?
…E o Líbano, Senhor? Uma terra de tolerância e pluralismo, como lhe chamou o Papa Francisco, um oásis de fraternidade onde diferentes religiões e confissões se encontram? Ou a pátria das oportunidades perdidas?
A propósito daquele martirizado país, o Papa dedicou o dia 1 de Julho a uma jornada ecuménica de oração, na Basílica de São Pedro, que incluiu leituras e orações em Árabe, Siríaco, Caldeu e Arménio.
Mas o que foram fazer ao Vaticano os líderes religiosos cristãos libaneses? À procura de um santo milagreiro?
Vamos pois ao que motiva tal interrogação: líderes cristãos do Líbano, em torno do Papa, em oração pela nação, há dias leio em cacha de vários jornais “online”.
(Só para situar o meu leitor: o Líbano, como se sabe, é uma nação mediterrânea de cinco milhões de habitantes, tem a maior percentagem de cristãos no Médio Oriente e é o único país árabe com um chefe de Estado cristão. Os cristãos constituem um terço da população).
PARA ALÉM DO ABISMO
Percorro então, mais demoradamente, a imprensa internacional sobre a crise no Líbano – e as mensagens são pura e simplesmente alarmantes. Dois títulos me chocam particularmente. O primeiro dizia: “Crise económica, severa escassez de bens tornam o Líbano ‘inviável’”. E o segundo era ainda mais explícito: “Líbano: o agravamento da crise coloca as crianças em risco, pois a maioria das famílias não tem recursos para atender às necessidades básicas dos seus filhos, segundo fonte da UNICEF”.
«Cada vez mais famílias são forçadas a recorrer a estratagemas negativos, incluindo saltar refeições, mandar os seus filhos trabalhar em condições muitas vezes perigosas ou casar as filhas muito pequenas», explicou Yukie Mokuo, representante da UNICEF em Beirute.
PORQUÊ?
O último relatório do “Lebanon Economic Monitor” do Banco Mundial, divulgado em 21 de Junho, destaca os principais aspectos da dramática crise. O relatório refere que “a crise económica e financeira provavelmente situar-se-á entre as dez primeiras, possivelmente as três primeiras crises mais graves em todo o mundo, desde meados do Século XIX”.
“Diante de desafios colossais, a inacção contínua das políticas e a ausência de uma autoridade executiva em pleno funcionamento agravaram as já terríveis condições sócio-económicas e uma paz social frágil, sem um ponto de viragem claro no horizonte”, acrescenta o relatório.
Várias fontes relatam que mais de cinquenta por cento dos libaneses vivem na pobreza e mais de quarenta por cento estão desempregados. Há uma séria falta de eletricidade, gás, gasolina e de dinheiro devido aos controlos bancários e escassez de bens essenciais. Os salários estão congelados há dezoito meses, mas os preços aumentaram dez vezes. Todos os libaneses, muçulmanos, cristãos ou drusos estão a sofrer com esta situação potencialmente explosiva.
Além disso, há cerca de dois milhões de refugiados no País, principalmente do conflito na Síria, mas também muitos palestinianos de um período anterior. Muitos milhares de profissionais, incluindo médicos, engenheiros e professores, bem como jovens, emigraram, num êxodo contínuo.
O impacto da pandemia de Covid-19 na economia do Líbano, que já estava a desintegrar-se lentamente, levou-a à beira do colapso. Desde Outubro de 2019, os protestos populares têm pressionado no sentido de uma maior responsabilização da elite do País, que tendo-se multiplicado parece incapaz de instituir reformas cruciais.
O acumular de crises está a levar um número cada vez maior de libaneses à pobreza absoluta e novos protestos violentos podem mesmo prefigurar o colapso das instituições do Estado.
O QUE PRECISA AFINAL DE SER FEITO?
O Líbano precisa de assistência externa de emergência para evitar as piores consequências sociais da crise. Além disso, actores externos e doadores que buscam ajudar o País a sair da crise devem concentrar esforços para erradicar a corrupção e o clientelismo, mas contam com a resistência dos beneficiários internos do sistema. E todo o problema reside aqui, atravessando todo o espectro político libanês.
O Primeiro-Ministro designado, Hariri, viajou pelo Oriente Médio e pela Europa para ganhar apoios. A França apresentou mesmo um plano global de quase refundação do Estado libanês, mas as forças políticas em Beirute opuseram forte resistência, por sentirem com os respectivos interesses feridos. E aqui é que está o busílis…
A VISITA DE HARIRI AO PAPA
E a 22 de Abril Hariri bateu à porta do Santo Padre, para que a diplomacia vaticana fizesse – faça – o que lhe fosse possível para ajudar a criar um consenso nacional mínimo de saída da crise…
Hariri não foi capaz de formar um Gabinete seis meses depois de ter sido escolhido para o posto de Primeiro-Ministro a meio de profundas divergências entre ele e o Presidente Michel Aoun.
Um dos principais pontos de diferença inclui a rejeição de Aoun ao plano de Hariri de escolher alguns membros cristãos para o novo Governo. Aoun é católico maronita, enquanto Hariri é muçulmano sunita.
De acordo com o sistema de divisão de poder do Líbano, o Presidente deve ser maronita e o presidente do Parlamento, muçulmano xiita, enquanto o Primeiro-Ministro deve ser sunita. As cadeiras do Parlamento e do Gabinete são divididas igualmente entre muçulmanos e cristãos.
DIA DE ORAÇÃO E REFLEXÃO PELO LÍBANO
Uma dezena de líderes de várias Igrejas e comunidades cristãs do Líbano, juntamente com as suas delegações, foram pois ao Vaticano para um dia de oração e reflexão com o Papa Francisco. Muitos esperavam que o Pontífice convocasse uma conferência internacional para ajudar o País a ultrapassar o impasse, sob pressão do Patriarca Maronita. Mas a inquietação manifestada por outros líderes cristãos, em relação à ideia, fez Francisco decidir negativamente, quanto à conferência.
PALAVRAS DO PONTÍFICE
Falando na Basílica de São Pedro no final do dia de oração e reflexão pela paz no Líbano com os líderes das Igrejas e comunidades cristãs daquele país, o Papa Francisco afirmou: «O Líbano não pode ser deixado à mercê do curso dos acontecimentos ou daqueles que buscam os seus próprios interesses pouco ou nada escrupulosos. É um país pequeno, mas grande, e ainda mais, é uma mensagem universal de paz e fraternidade que vem do Médio Oriente».
Dirigindo-se aos líderes políticos do País, que não conseguiram formar um Governo por dez meses, Francisco notou: «É essencial que aqueles que estão no poder escolham, de forma definitiva e decisiva, trabalhar pela paz verdadeira e não pelos seus próprios interesses. Que acabem os poucos que lucram com o sofrimento de muitos! Chega de permitir que meias-verdades continuem a frustrar as aspirações das pessoas!».
O Santo Padre apelou a estes mesmos líderes a «encontrar soluções urgentes e duradouras para a atual crise económica, social e política, cientes de que não pode haver paz sem justiça». Pediu também que as mulheres libanesas fossem incluídas nos processos de tomada de decisão do País.
A crise no Líbano foi agravada pelos interesses políticos e financeiros e pela interferência de países da região e de fora dela, incluindo a Arábia Saudita, Irão, Síria, Turquia e Israel. O Papa pediu a esses actores que «parem de usar o Líbano e o Médio Oriente para interesses e lucros externos». Estas palavras foram ouvidas pelos embaixadores de muitos dos 181 países que mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé e que estiveram presentes na basílica enquanto falava.
Quem ouvirá Francisco?
Carlos Frota