Quantos “mundos” tem o mundo?

VATICANO E O MUNDO

Quantos “mundos” tem o mundo?

Quantos “mundos” tem o mundo, quantos? Que pergunta é essa, meu caro cronista? Então não vês que o mundo é o mundo… e ponto final!?

Não, tu é que não estás a ver bem, meu alter ego… Pois não te apercebeste ainda de que o mundo é só falsamente um? E que analisar os diversos mundos que há nele é exercício de pura inteligência? Identificando diferenças, contrastes, ausência enfim de real comunidade na nossa casa comum?

Se contarmos pelos dedos quantos mundos há no mundo, talvez dez dedos não cheguem!…

O homem contemporâneo, e obrigatoriamente o cristão, se não vive em lugarejos completamente separados da “civilização” (melhor, das diferentes civilizações…) vê-se banhado por um caldo omnipresente de notícias do mundo – que o perseguem do despertar ao deitar – desde que tenha o telemóvel ligado à Internet e lhe dê (ao dito aparelho) a liberdade que o mesmo “reclama”.

UMA JANELA PARA O MUNDO

Só por esse facto, o de o telemóvel servir de janela para o vasto mundo, foi-se operando uma revolução silenciosa de que vamos lentamente conhecendo os efeitos. E o mais óbvio é um (muito) melhor conhecimento do mundo, do mais longínquo e deste aqui – este de que fazemos parte.

Mais: tornou-se próximo o que era distante. Os grandes dramas dos outros tornaram-se os grandes dramas de todos. E o conceito de vizinho ampliou-se, para abarcar aquele a quem estamos unidos por qualquer circunstância especial, apesar de a milhares de quilómetros de distância.

Entram-nos assim, pela intimidade das nossas casas, ou do sítio onde estivermos, as imagens mais díspares dos outros. De outras pessoas e de outros lugares. Que vão da vítima inocente do ataque terrorista à vítima alvejada pela brutalidade policial, num contexto de racismo sistémico. Que vão dos museus recheados de peças de arte, às ruas esventradas de cidades recentemente bombardeadas. Das requintadas salas de concerto, onde orquestras executam peças clássicas, à destruição cega do último bombardeamento aéreo. Das mansões reais, onde se janta em baixela de valor incalculável, aos hospitais sobrelotados, com penúria de médicos e de medicamentos.

(Quando chego a este ponto das minhas reflexões, Macau e a China surgem-me sempre como os bons exemplos – e assim o menciono com sinceridade, por elementar dever de justiça).

AS MUITAS “VERDADES”… DELES!

Mas não convindo a muitos a objectividade do conhecimento do mundo em geral (o “porquê?” dos curiosos ou dos inquietos é sempre incómodo), todos temos mais ou menos consciência da luta a que se assiste, no plano internacional, para fixar a “verdade” segundo a versão que a cada um (países, ideologias radicais, forças económicas, correntes religiosas, etc.) mais convém.

E daí a indústria florescente da falsa informação, as “fake news”, indústria que recruta, com impunidade, incautos inocentes para as diversas causas, disponíveis no mercado dúbio das ideias, até alguém descobrir antídotos para a mentira; ou, para usar analogia obrigatória hoje, até alguém descobrir vacinas para tal pandemia desinformativa!

MAS A REALIDADE É… REAL

Todavia, a menos que se escamoteie totalmente a verdade, as imagens contrastantes do mundo são-nos servidas a todas as horas, minutos… segundos.

E lá vemos o universo dos muito pobres e o dos muito ricos; o do quotidiano miserável dos bairros de lata, favelas ou lá como se chamem, e o mundo glamoroso dos vários Hollywoods; a correria desenfreada para os transportes no centro das cidades e a privacidade repousante dos bairros chiques dos arredores; os comboios suburbanos atulhados de gente até ao tecto e as limusines compridíssimas dos novos gurus da economia; os que nem água potável têm e os que a desperdiçam em piscinas de tamanho olímpico; os que vivem com toda a família num só quarto, e os que têm palácios de mil aposentos, como o do actual sultão turco…

… enfim, tudo aquilo que se vê, que se sabe… e eventualmente o que não se vê nem se sabe, na generalidade dos países.

Diz-se que os muito ricos, por via de regra, são muito discretos. Compreende-se porquê.

O SUPER IATE E TUDO O RESTO

O homem mais rico do mundo mandou construir um super iate, que será o maior de todos. Para quê, não sei… para além, claro, da puerilidade evidente de vir a ser o maior, que assim comparam as crianças os seus melhores brinquedos!

O tal iate vai ser tão grande, tão grande que vai precisar de um outro iate mais pequeno… de apoio! E esse mais pequeno não precisará também de outro ainda mais pequeno… e assim sucessivamente? Enfim, perceberam a ironia…

De um outro personagem, também muito, muito rico, a divorciar-se agora, e da sua ex-mulher, só se ouve falar dos biliões que dividem entre ambos, das acções na bolsa para aqui, das participações para ali, e tudo com muitos cifrões, que tudo o que os muito ricos fazem é diferente, excepto no nascer e no morrer. Que maçada! Aí não são originais!

Claro que a igualdade ao nascer é logo corrigida quanto aos que se dizem pertencer à velha aristocracia. Tiveram berço! – dizem entre eles. E com a menção do berço vem todo o enxoval… até à conta bancária!

Li há algum tempo, ao “ter” que me familiarizar com o mundo de um certo Donald J., que se discutia entre os muito afortunados o que melhor definia o respectivo status. E era unânime a conclusão: é preciso ter iate e avião privado.

Foi aqui que cheguei à conclusão que não pertenço ao clube! Não tenho – o que perfeitamente indesculpável – nem uma coisa nem outra!

Solução: um poço de petróleo. Terei eu no meu quintal, sem saber, um poço de petróleo? Seria a panaceia para todas as minhas vulnerabilidades bolseiras!

Mas não, não sei nem mando analisar. Assim procede quem lamentou sempre nunca ter ganho a lotaria, mas sem se decidir a jogar alguma vez!

ANDAR A PÉ PELO MUNDO…

Olho para trás e pergunto-me o que vi, eu pessoalmente, desse mundo de contrastes. E saltitam-me irreverentes as recordações que vão do palácio do sultão do Brunei – cujas alcatifas pisei com indiferença de infiel – às estradas esburacadas da amada terra africana. Das cerimónias da Casa Azul de Seul (a Casa Branca daquele sítio, que ali mudou de cor) às sanzalas (bairros pobres) da minha Benguela natal. Das ruas limpíssimas de Tóquio às artérias descuidadas (para não dizer pior) de certa capital francófona da África Ocidental.

Das lindas catedrais francesas às humildes capelas de qualquer lugarejo perdido. Por muitos lugares andei. E em todos me senti igual. Graças a Deus!

ENSAIO SOBRE A POBREZA

Cristo disse que pobres sempre haverá. Não o disse resignado, mas porque conhecia como ninguém a natureza humana.

Pois reflectindo sobre esta, não sei o que é mais chocante: se a pobreza extrema e degradante, se a riqueza absurdamente opulenta. Claro que os planos de análise são naturalmente diferentes. A pobreza extrema, além de privar milhões do essencial, priva o mundo de talentos que poderiam fazer avançar a Humanidade.

O excesso de riqueza é um puro absurdo, mas de outro tipo, se destituído de qualquer dimensão filantrópica. E quantas fortunas não houve e não há, todavia, ligadas a notáveis legados sociais e humanitários!

Carlos Frota

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