Que futuro para a Europa?
Mais uma noite eleitoral! O que estava em causa é óbvio: Portugal, como cada Estado-membro da União Europeia, estava e está profundamente implicado neste processo eleitoral, por razões que se conhecem.
Ora eu, como a maioria, não concebo Portugal fora da Europa. Pela cultura e civilização, mas também… pelo realismo. Realismo económico (o mercado europeu, o turismo), realismo social (desde logo a nossa diáspora), realismo da cooperação científica e técnica, etc., etc…
PORQUE GOSTO DA EUROPA
Depois porque gosto da Europa, do projecto europeu. Não sou um adepto do federalismo “tout court”, não quero que Bruxelas se intrometa no que não é chamada (o novo Parlamento Europeu, na sua nova composição, forçará fatalmente esse debate) – mas quero uma melhor Europa, mais social, mais humana, menos economicista.
Esta diversidade de objectivos se calhar irmana-me a tantos europeus que querem tudo e o seu contrário. Mas compete aos políticos oferecerem-nos o leque mais amplo de opções, lendo correctamente, em Bruxelas e Estrasburgo, as reivindicações que vêm da base.
De qualquer modo, não há nada de novo debaixo do Sol. Políticos e deputados, governantes e legisladores, não fazem senão isso: um exercício de permanente tentativa de compromisso entre interesses e expectativas divergentes.
TENTAR COMPREENDER…
E finalmente porque gosto da observação política, como os meus modestos escritos têm provado.
Tenho dito também que a observação política é um pretexto para conversar, chamando a atenção sobre as questões mais relevantes, e não uma oportunidade para exibir dotes de adivinho ou de cientista político encartado, facetas que por vezes coexistem nas mesmas pessoas e me inspiram dupla e igual reticência.
O meu cepticismo vem do aforismo para mim cheio de sabedoria: “É o homem que faz a História, mas não sabe a História que faz…”. Ou dito doutra maneira: o futuro está sempre em aberto.
Não vale a pena pois antecipar auroras paradisíacas como fazem os demagogos, nem antecipar cenários apocalípticos, de que se alimentam os profetas da desgraça.
QUE RESULTADOS?
Fazendo a ronda contínua das televisões, rádios e “websites” das principais agências de notícias, e ouvindo as diferentes intervenções dos líderes mais notórios neste pleito eleitoral, o que constatei na noite das eleições?
Que há os que, como sempre, cantam vitória justificadamente (Verdes, na Alemanha; Nigel Farage, no Reino Unido; e Matteo Salvini, na Itália ) e os que exploram o significado real de tal vitória (Marine Le Pen, maximizando a sua vantagem mínima sobre Macron).
Há ainda os que lambem as feridas, mas não as cicatrizarão tão cedo, como é o caso dos conservadores e trabalhistas no Reino Unido, e os socialistas e republicanos em França.
Pois é verdade, a Europa não é politicamente a mesma desde há uns dias. Mas sem a retumbante vitória da extrema-direita, que uns esperavam e outros temiam. Nem a derrota humilhante do centro que muitos outros previam.
ONDE ESTAMOS ENTÃO?
Estamos numa Europa mais fragmentada, o que já sabíamos. Estamos numa Europa mais perplexa, perante os vários cenários possíveis para o seu futuro, tal como decorre das escolhas expressas nas urnas.
E, o que é muito mais preocupante, estamos numa Europa mais vulnerável à demagogia do discurso fácil, de quem pensa ter chegado a sua hora para reinar. Refiro-me naturalmente ao populismo demagogo, expresso nesta nova vaga nacionalista do século XXI europeu.
Mas o que resulta concretamente dos resultados eleitorais? Nestes últimos dias temos sido bombardeados com análises e estimativas que apontam em todas as direcções, excepto duas: que tudo fica como estava, porque não fica. E que o populismo ocupa totalmente o poder no coração das instituições europeias, o que não é verdade, ou não é toda a verdade.
O CENTRO PERDEU
O centro esquerda e o centro direita perderam, liberais democratas, social-democratas, populares, mas na eventualidade de uma coligação mais alargada, para fazer frente à extrema-direita, a vitória dos Verdes é extremamente significativa. E até com este suplemento de verdade e oportunidade no debate político actual: chegou a hora de se levar a sério as questões ambientais, razão mesma da existência do movimento ambientalista a nível europeu e global.
O centro perdeu mas a extrema direita, graças a resistência do bom senso, ainda não ganhou. Como chegámos aqui?
Da crise financeira internacional de há uma década às vagas de imigrantes, preparou-se na Europa uma receita de medo e ansiedade que geraram ressentimento e xenofobia. As extremas direita e esquerda viram o seu momento chegar.
“Mais uma crise do capitalismo”, tal como foi vista pela esquerda a crise financeira de 2008. E este o seu cortejo de horrores: as onerosas operações de resgate a bancos, com o pretexto real ou falacioso de que a sua falência contaminaria todo o sistema; e a sombra do FMI e seus programas de austeridade que empobreceram uma classe média já debilitada, para não falar nos mais pobres dos pobres.
O caso português, com a solução à esquerda, foi interessante porque socialistas e parceiros no Parlamento conseguiram dar à generalidade da população a ideia de que o pior passara e se abria um capítulo novo daí para o futuro.
Mas em países europeus já duramente afectados pela crise financeira, outro drama entretanto começou: as vagas sucessivas de refugiados. E perante a inabilidade da cooperação intra-europeia para gerir mais esta crise, as reacções nacionais não se fizeram esperar. E recrudesceu o sentimento xenófobo, exacerbado pelo oportunismo da extrema-direita, até aqui residual na adesão, mas à espera de um palco para reiniciar a velha peça teatral da salvação messiânica das nações.
E AGORA?
Agora as forças democráticas europeias não têm outro remédio senão unir-se, para fazer frente à extrema-direita, no novo Parlamento da UE. Pensando e bem que os Salvini, Le Pen e companheiros não descansarão enquanto não corroerem as instituições comunitárias.
Essas mesmas forças coligadas elegerão a nova equipa da Comissão. Mas os próximos cinco anos, tantos quantos os do mandato dos eurodeputados e da própria Comissão, serão anos de rude luta política e de desgaste, tudo podendo ser ainda agravado pela evolução da situação interna de países-chave da UE.
E que olhar, finalmente, do Vaticano sobre esta “nova” Europa? Uma Europa no fundo voltada de costas para a Igreja… a começar por uma Roma (a de Salvini) de costas para Roma (a do Vaticano).
A Igreja sobreviveu ao nazi-fascismo. Sabe até, por experiência histórica, que uma certa “retórica cristã” pode ser utilizada pelo poder político no afã de usurpar à Igreja o ministério das consciências.
Mas enquanto os fascismos têm vistas curtas, a Igreja vê longe…
…pois o seu reino não é deste mundo….