Um enorme e devastador incêndio no centro de Portugal, que irrompeu em Pedrogão Grande e alastrou para os concelhos limítrofes causou, até agora, 64 mortos (a maior parte dos quais carbonizados dentro e fora das viaturas, numa estrada regional encurralada pelas chamas), entre eles treze bombeiros e mais de 130 feridos, destruindo muitas habitações e fazendo com que muitos hectares de floresta passassem a cinza.
Embora (mal) habituados a assistir a centenas de incêndios em Portugal, durante o período estival, este fogo atingiu proporções nunca vistas na destruição de vidas humanas e bens materiais.
As rápidas explicações desta calamidade, dadas pelas autoridades policiais e pela Protecção Civil, colocam na origem deste incêndio diversos factores naturais, nomeadamente: trovoadas secas com múltiplas descargas eléctricas sobre uma vegetação aquecida por uma temperatura de mais de quarenta graus e sem humidade no ar; e ventos cruzados que dispersaram, entre montanhas e vales, rapidamente os incêndios, tornando impossível a acção rápida e pronta dos bombeiros em todas as frentes.
Esta explicação chega? Não!
Sabemos que, à hora que vos escrevo, existem ainda mais de quarenta fogos a extinguir pelos nossos valorosos bombeiros e o momento é para chorar os mortos, ajudar os familiares que perderam os seus entes queridos e todos os seu haveres, para além da tristeza que nos causa ver uma grande parte do nosso bonito Portugal verde reduzido a preto e branco.
Sabemos igualmente que catástrofes desta natureza acontecem em todos os países do mundo, mesmo naqueles que dispõem de maiores meios de combate a incêndios e que a natureza é, muitas vezes, mais forte do que o homem, submetendo-o à sua acção. Mas isto não explica tudo o que aconteceu!
Ao longo dos mais de quarenta anos de democracia temos assistido a sucessivas declarações governamentais que tentam tranquilizar-nos sobre a nossa capacidade em controlar os efeitos dos incêndios. E o País arde e as mortes sucedem-se!
Já foram escritos, nomeadamente depois destas tragédias, resmas de livros e relatórios sobre a prevenção dos incêndios em Portugal e a necessária reorganização das nossas florestas. E o País arde e as mortes sucedem-se!
Desde há muito que existe legislação sobre a limpeza e acessos das nossas florestas, assim como a retirada de mato junto às habitações, que poucos cumprem, porque ninguém faz cumprir. E o País arde e as mortes sucedem-se!
Tem-se consciência que associado a este tema existem interesses económicos de madeireiros e proprietários de florestas, na venda destes produtos às celuloses, mas ninguém intervém para disciplinar e limitar estes interesses instalados. E o País arde e as mortes sucedem-se!
Após os incêndios, assistimos invariavelmente à acusação de fogo posto por mãos criminosas e quando os incendiários são detidos as penas são leves ou os culpados são ilibados por insanidade mental. E o País arde e as mortes sucedem-se!
Antes de cada Verão, como foi o caso deste, somos convencidos de que Portugal dispõe de todos os meios técnicos e humanos para controlar eventuais incêndios e que os bombeiros estão mais e melhor equipados do que antes. E o País arde e as mortes sucedem-se!
As altas chefias da Protecção Civil e dos bombeiros digladiam-se e substituem-se todos os anos, em nome de uma prevista melhor competência para o cargo. E Portugal arde e as mortes sucedem-se!
Poderá pensar-se que tudo o que antes disse foi a revolta que o inspirou. É verdade!
É uma revolta que está para além da exploração da tragédia, feita por alguns canais televisivos para aumentar audiências, mas que se baseia num sentimento de dor, por ver tantas famílias destroçadas pela perda dos seus familiares e amigos e por terem sido despojadas dos haveres de uma vida.
Quero acreditar que esta horrível tragédia se deveu, principalmente, a um conjunto de factores naturais imprevisíveis e extremamente difíceis de controlar. Até acredito que dispomos de melhores meios técnicos e humanos, mas não posso deixar de duvidar, neste caso, da existência de algumas falhas do nosso sistema de combate aos incêndios, nomeadamente: a vigilância das florestas num momento de excepcional perigo; a deficiente previsão da dimensão dos fogos e, consequentemente, dos meios para o combater; a disfunção dos meios de comunicação e decisão entre as autoridades (o fecho tardio da “estrada da morte”, onde tanta gente morreu carbonizada) e, por fim, a falta de coragem política de diferentes Governos em obrigar, a bem ou a mal, os proprietários destas explorações rurais a reorganizar a floresta nacional.
Queixas que se repetem, vidas que se perdem e um país que fica mais pobre!
LUIS BARREIRA