O receio da União Soviética, que depois da II Guerra Mundial “anexou” vários países do Leste europeu, representou um cimento para a integração da Europa Ocidental. Com o colapso do comunismo e o fim da Guerra Fria, esse cimento desapareceu. Depois da queda do Muro de Berlim, a maioria dos países que haviam estado sob o poder soviético optou por aderir à União Europeia, além da NATO.
Esse grande alargamento da UE era necessário do ponto de vista geo-estratégico, mas complicou a tomada de decisões na Europa comunitária. E países como a Hungria e a Polónia, membros da UE, tomaram medidas pouco consentâneas com a democracia, como a interferência do poder político na justiça. O próprio Primeiro-Ministro húngaro classifica o regime vigente no seu país de “democracia iliberal”.
Ao mesmo tempo, verificou-se um forte crescimento do eurocepticismo, até em países fundadores da integração europeia, como a Holanda. Bruxelas era acusada de falta de democracia. A verdade é que os dirigentes europeus não se preocuparam muito com esse problema, o que foi um erro.
A mais clara manifestação de descontentamento com a UE foi dada pelo Reino Unido, que, tendo entrado na Comunidade Económica Europeia em 1973, no passado dia 29 de Março entregou o pedido formal de saída da UE – iniciando o chamado Brexit, após um referendo convocado pelo então Primeiro-Ministro David Cameron, convencido de que venceria a opção de permanecer na União. Perdeu.
Entretanto, cresciam os movimentos contra a UE, em boa parte por causa da entrada de refugiados muçulmanos na Europa e do terrorismo. Aqui a UE falhou, pois foi incapaz de dar uma resposta europeia à crise. Cada Estado-membro tem a sua resposta, a qual, em países da antiga órbita soviética, é a recusa de receber qualquer refugiado.
A onda anti-europeia parecia imparável até há pouco. Receou-se que Marine Le Pen se tornasse Presidente de França. Mas isso não aconteceu e hoje a Frente Nacional atravessa uma crise. Em França foi eleito Presidente um europeísta convicto e muito afirmativo, Emmanuel Macron. Antes, na Holanda, o partido contrário à UE e à imigração falhara também o primeiro lugar em eleições. Mais recentemente, o partido populista e anti-europeu de Beppe Grillo sofreu uma significativa derrota nas eleições autárquicas em Itália.
É provável que Merkel obtenha, em Setembro, o seu quarto mandato como chanceler da Alemanha. Merkel é uma europeísta e tem evoluído. Se encontrar em Macron um parceiro à sua altura, o eixo franco-alemão poderá, de novo, contribuir para o relançamento da integração europeia.
A saída do Reino Unido, sendo uma perda para a Europa comunitária, ao contrário do que se temia, não levou outros Estados-membros atrás. Pelo contrário, é patente agora uma maior unidade entre os 27 que se vão manter na UE.
Trump mostrou simpatia pelos políticos europeus contrários à UE. E não pareceu muito empenhado na NATO. Ou seja, os países da UE que, na sua maioria, viveram décadas sob protecção militar americana, perceberam finalmente que não poderiam já contar a cem por cento com essa protecção. O que os obriga a pensar a sério numa defesa europeia. É um outro impulso à integração.
Não significa isto que as perspectivas da integração europeia sejam optimistas. O Brexit implica uma negociação muito difícil. O euro ainda não foi alvo de reformas que garantam a sua estabilidade. O drama dos refugiados mantém-se. Mas o horizonte europeu parece hoje um pouco menos carregado do que estava ainda há escassos meses.
Francisco Sarsfield Cabral