Tradição Fotográfica na Família Real Tailandesa

A paixão siamesa pela celuloide

Habituamo-nos a ver o recém-falecido rei tailandês, Bhumibol Adulyadej, de máquina fotográfica ao pescoço ou a tiracolo, pois a fotografia era uma das suas muitas paixões. De resto, o entusiasmo pela dita oitava arte é característica da família real tailandesa, tradição que remonta à época do rei Chulalongkorn (1893-1910), “o grande reformador”, responsável pela introdução do caminho-de-ferro naquele país. Chulalongkorn fazia questão de aparecer em público empunhando uma máquina fotográfica e tinha ao seu serviço um fotógrafo oficial, um tal Joaquim António, cuja nacionalidade constituiu um mistério até há bem pouco tempo, sabendo-se agora que Joaquim António era natural de Macau.

Com o passar dos tempos também o mundo da sétima arte cativou membros da família real, como é o caso do príncipe Chatrichalerm Yukol, mais conhecido como Than Mui, reputado realizador tailandês. Os pais, Anusornmongkolkarn Yukol e Ubol Yukol Na Ayudhya, também eles cineastas, fundaram a produtora Lavo Pappayon Company, e o seu tio, o príncipe Bhanubandhu Yugala (ou Bhanu Yukol), foi pioneiro no ramo.

Viveu no exterior durante uma parte da sua adolescência (Inglaterra e Estados Unidos) e aos vinte anos regressou à Tailândia para se alistar na divisão de cavalaria do Exército Real da Tailândia. Foi aí, nos tempos livres, que começou a estudar cinema.

Em 1936, o seu irmão mais novo, Anusorn Mongkolkarn, fundou a Lavoe Motion Pictures e produziu o primeiro filme do irmão, Naam Yok Ok (Uma pedra no sapato). Dois anos mais tarde seria a vez de Bhanubandhu criar a sua própria empresa, a Sociedade de Cinema Thai, que produziria os seguintes filmes: Tharn Fai Kao (A velha chama), Wan Phen, Mae Sue Sao (A casamenteira), Pid Thong Lang Phru e Look Thung (As pessoas). A empresa seria dissolvida durante a Segunda Guerra Mundial e os seus activos vendidos à Real Força Aérea Tailandesa. Acredita-se que os mencionados filmes foram destruídos durante a guerra.

Terminado o conflito, Bhanubandhu constituiu uma nova empresa de produção, a Assawin Pictures. Do seu catálogo consta a película Phantay Norasingh (Oarsman Norasingh) baseado numa peça de teatro que o realizador escrevera em 1942. Para a versão cinematográfica contratou o seu amigo, e já então promissor director de fotografia, Rattana Pestonji, que viria a ser, anos mais tarde, o mais reputado realizador do País, havendo até quem o apelide de “pai do cinema contemporâneo tailandês”. Rattana tudo fez para internacionalizar os filmes produzidos no seu país e mitigar a perniciosa influência de Hollywood. Outro dos trabalhos de Bhanubandhu baseia-se na lenda do rei Naresuan, “o Grande”.

Bhanubandhu mostrou-se incansável para as inovações na indústria do filme tailandês, muitas vezes gastando a fortuna da sua família para comprar equipamentos para os realizadores com menos ou sem recursos. Foi ele que encorajou o uso da película de 35 milímetros em detrimento dos filmes de 16 milímetros, o padrão da indústria cinematográfica tailandesa de então, e foi responsável pela produção do primeiro filme tailandês em CinemaScope, Ruen Phae (Raft Home), uma co-produção com a famosa Shaw Brothers Studio.

Bhanubandhu (no seguimento de uma outra tradição da realeza tailandesa, a música) também compunha a banda sonora dos seus filmes. Uma das canções incluídas no filme Tharn Fai Kao, de 1938, foi seleccionada em 1979 pela UNESCO como “Canção da Ásia”.

«O cinema começou como uma espécie de passatempo que se foi transformando numa actividade profissional», disse o príncipe numa entrevista concedida à revista Di-Chan. «Sabia que podia fazer o trabalho melhor do que um profissional. E por isso fi-lo, todo o trabalho, sozinho. Escrevi o roteiro, rodei o filme e editei tudo. Foi um trabalho cansativo, mas sou do tipo de pessoas determinadas a fazer as coisas até que estejam concluídas. E no seu melhor».

Regressando ao seu sobrinho, Chatrichalerm Yukol, falta dizer que estudou em Los Angeles, tendo compartilhado aulas com Francis Ford Coppola e Roman Polanski, além de ter trabalhado com o assistente de realização e produtor Merian C. Cooper. (Já o avô de Chatrichalerm, Yugala Dighambara, tinha ajudado os produtores do celebérimo “King Kong”, Cooper e Ernest B. Schoedsack, com as filmagens do filme “Chang”, rodado em 1927.)

A Lenda de Suriyothai é talvez a mais conhecida obra de Chatrichalerm Yukol, que com ela pretendeu mostrar ao mundo a história da Tailândia numa perspectiva global, pois considerava importante saber como eram as relações do Sião com os outros países. Nesse contexto, o realizador fez questão de envolver diversos estrangeiros no projecto. Fosse a nível da realização, como nos aspectos técnicos respeitantes à iluminação e à banda sonora.

Numa entrevista concedida ao diário Bangkok Post, o príncipe receava que esse filme viesse a provocar controvérsia e até indignação junto do público tailandês. «Tudo que tenha a ver com a História está sujeito a criticismos e a interpretações diversas», dizia ele. «O meu filme aborda factos que ocorreram há quase 500 anos. Não há provas concretas que nos digam que as coisas se tenham passado exactamente como as tenho retratadas».

Pata o realizador tailandês o importante era despertar a curiosidade dos espectadores acerca da história do seu país. E contentava-se com pouco: «Se este meu filme levar a que uma ou duas pessoas que sejam voltem a olhar para o passado da Tailândia, considero que o meu objectivo foi conseguido».

Joaquim Magalhães de Castro

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