Como nos tornamos senhores da criação material?
Se o 6.º e 9.º Mandamentos nos orientam quanto ao modo de restaurar o real significado e dignidade do sexo, como era “no princípio” (Génesis 1, 1; cf. Mateus 19, 4-8), o 7.º e 10.º Mandamentos instruem-nos sobre o modo de restaurar o domínio do homem sobre o mundo material e libertá-lo da escravidão das posses, como era “no princípio”. O 7.º Mandamento diz respeito às acções externas, enquanto o 10.º se concentra nos actos internos.
Nosso Senhor advertiu os Seus seguidores não apenas quanto à luxúria, mas também sobra a possessividade nos pensamentos e desejos.«Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro, estes estão repletos de avareza e cobiça. Fariseu que não enxerga! Limpa, antes de tudo, o interior do copo e do prato, para que da mesma forma, o exterior fique limpo!» (Mateus 23, 25-26).
São João faz eco desta advertência: «Não ameis o mundo nem o que nele existe. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo: as paixões da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens não provém do Pai, mas do mundo» (1 João 2, 15-16).
O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (CCIC) explica, no ponto 531: “Este mandamento completa o precedente e exige uma atitude interior de respeito em relação à propriedade alheia. Proíbe a avidez, a cupidez desregrada dos bens dos outros e a inveja, que consiste na tristeza que se experimenta perante os bens alheios e o desejo imoderado de deles se apoderar”.
Nosso Senhor exige que esvaziemos os nossos corações dos apegos, para que Ele nos possa encher com a Sua alegria. “Jesus requer aos seus discípulos que O prefiram a tudo e a todos. O desprendimento das riquezas – segundo o espírito da pobreza evangélica – e o abandono à providência de Deus, que nos liberta da preocupação pelo amanhã, preparam-nos para a bem-aventurança dos «pobres em espírito, porque deles é já o reino dos céus» (Mt., 5, 3)” (CCIC nº 532).
O homem que vive o espírito da pobreza é sábio porque sabe onde investir a atenção, o esforço e o tempo. «Não acumuleis para vós outros tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde ladrões arrombam para roubar. Mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde a traça nem a ferrugem podem destruir, e onde os ladrões não arrombam e roubam. Porque, onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração. Um corpo iluminado» (Mateus 6, 19-21).
O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica faz eco desta ideia: “O maior desejo do homem é ver a Deus. Este é o grito de todo o seu ser: ‘Quero ver a Deus!’. De facto, o homem realiza a verdadeira e perfeita felicidade na visão e na bem-aventurança d’Aquele que o criou por amor e o atrai a Si no seu infinito amor. ‘Aquele que vê a Deus, obteve todos os bens que se podem imaginar’ (São Gregório de Nisa)” (CCIC n.º 533).
São Josemaría dá alguns conselhos práticos para não nos ocuparmos excessivamente com as preocupações materiais. Ele escreveu: “No que me diz respeito, um dos sinais de que estamos cientes de que somos os senhores da terra e os fiéis administradores de Deus é o cuidado que temos com as coisas que usamos: mantê-las em boas condições, fazendo-as durar. e aproveitá-los ao máximo para que cumpram o seu propósito o maior tempo possível e não se desperdicem” (São Josemaría, “Desapego”, Amigos de Deus 122).
Porque falamos em desperdício, o Papa Francisco popularizou um termo que descreve este fenómeno: a “cultura do descarte”. Em Junho de 2013, o Santo Padre afirmou: «Os nossos avós faziam questão de não deitar fora os restos de comida. O consumismo acostumou-nos a desperdiçar alimentos diariamente e não conseguimos aferir o seu real valor. Deitar comida fora é como roubar da mesa dos pobres e famintos».
São Josemaría deixa outra recomendação: “Se quereis atingir este espírito, aconselho-vos a serdes poupados convosco mesmos e muito generosos para com os outros. Evitai gastos desnecessários com luxos e confortos, seja por capricho, vaidade, etc. Não crieis necessidades para vós mesmos” (Amigos de Deus 122). E acrescenta: “Sendo que a pobreza de espírito não consiste em não ter coisas, mas em estar verdadeiramente desapegados daquilo que temos, devemos estar vigilantes para não nos deixarmos enganar pela nossa imaginação, pensando que não podemos sobreviver sem possuir certas coisas” (Amigos de Deus 125).
Libertemos os nossos corações, portanto, de fardos e preocupações desnecessárias. Mas esforcemo-nos todos os dias para trabalhar bem e com consciência, deixando tudo nas mãos do nosso amorosíssimo Deus Pai. «Por isso, não temais! Bem mais valeis vós do que muitos passarinhos» (Mateus 10, 31).
Pe. José Mario Mandía