Stephan Rothlin, novo Director do Instituto Ricci de Macau, sobre a ética de negócios no território

«Mentalidades têm de mudar».

Recentemente empossado como novo director do Instituto Ricci de Macau, o padre jesuíta Stephan Rothlin abre o livro sobre as transformações que tem observado no país mais populoso do mundo, onde reside há mais de uma década. A’O CLARIM falou sobre o desejo do Papa Francisco visitar a China e elogiou a campanha anti-corrupção implementada por Xi Jinping. Quanto à RAEM, não poupou a indústria do Jogo e sustentou que as mentalidades têm de mudar. Sejam oligarcas, empresariais ou governamentais!

O CLARIMÉ fluente em Alemão (língua nativa), Inglês, Espanhol, Italiano, Mandarim e Francês. Já cruzou vários continentes. Que percepção tem do mundo?

PE. STEPHAN ROTHLIN – Há muitos desafios e, obviamente, estou agora focado na Ásia. Na Europa o tema actual é sobre os refugiados, porém, o meu foco é claramente Macau e a China. Há variados aspectos que me atraem, tais como a cultura e a economia que estão a prosperar na China.

CLSente que o Poder Central está a tentar encontrar formas de implementar um sistema político mais fidedigno do que a Democracia existente no mundo ocidental?

P.S.R. – É extremamente interessante que, mesmo em 17 anos, o nível de desenvolvimento na China seja surpreendente, quando comparado com Portugal ou a Suíça, onde o progresso também foi considerável, embora aquém [do gigante asiático]. Na China tem havido um progresso considerável em termos de sociedade civil, mas é uma notícia que por vezes não se vê nos jornais. O que me leva a Ricci, para entrarmos em diálogo com a China.

CLO jesuíta Matteo Ricci teve uma abordagem muito peculiar sobre o Catolicismo no Império do Meio. Será que o Papa Francisco também deverá ter este tipo de abordagem no diálogo com Pequim?

P.S.R. – De certeza que o Papa Francisco tem uma grande simpatia pela China. Acredito nele quando disse que iria amanhã à China se fosse convidado. Estou certo que fará tudo o que estiver ao seu alcance para melhorar o diálogo com Pequim. Lembro que Matteo Ricci teve uma abordagem totalmente nova em termos de missão, que incluía a profunda valorização da cultura e língua local. Ele e os seus companheiros partilharam conhecimentos de matemática, geografia e geometria, entre outros, para grande benefício do povo chinês. O Papa Francisco, como jesuíta, está a discutir muito para que haja uma abordagem missionária que respeite profundamente a cultura e a moral, que são a base para um sincero diálogo com a China. CLO Papa Francisco será uma coisa e o clero outra…

P.S.R. – É verdade! Estou satisfeito pelo impacto que o Papa está a ter no relacionamento com as pessoas. Por exemplo, o seu trabalho parece muito convincente quando demonstra preocupação com os refugiados e os pobres. Mas também é verdade que há um árduo trabalho pela frente. Eu, como jesuíta, sou dos que tende a ver o lado positivo das coisas. Nos conflitos, vejo o Papa a encorajar-nos para irmos em frente, em vez de estarmos preocupados com os obstáculos e andarmos para trás.

CLÉ formado em ética de negócios. Sente que o combate à corrupção implementado pelo Presidente Xi Jinping é uma forma de fazer da China uma nação mais íntegra?

P.S.R. – É um passo importante! Há dez anos consideravam-me absolutamente louco por argumentar contra a corrupção porque estávamos na China e quem não quisesse alinhar nos subornos era melhor regressar ao seu país de origem. É agora muito importante que todas as pessoas estejam preocupadas e que, por exemplo, a entrega de envelopes com dinheiro, outrora tão usual, tenha acabado. Obviamente, há sempre a componente do Poder, razão pela qual vejo o combate à corrupção como uma importantíssima medida também para a reputação da China.

CLEstará Macau de alguma forma a beneficiar com essa política anti-corrupção?

P.S.R. – Julgo que em Macau estão todos cientes que tem diminuído o número de visitantes da China continental que jogam nos casinos do território. Ou seja, poderá indiciar que anteriormente havia quem jogasse com dinheiro que não era seu, mas sim proveniente da corrupção. Sinto muito que assim seja, mas esta é a realidade: as receitas dos casinos diminuíram por causa do combate à corrupção na China.

CLCuriosamente, várias destacadas figuras de algumas operadoras de Jogo queixaram-se que a campanha anti-corrupção era responsável pela quebra de receitas no sector. Parece que não se importavam que o dinheiro fosse proveniente da corrupção…

P.S.R. – É um tópico de ética… Será que a ética é para levar a sério? Ou será algo que realmente não nos afecta? Olho para o lado positivo desta campanha anti-corrupção e também das instituições que precisam desesperadamente de dinheiro. Por exemplo, devemos preocupar-nos se recebermos dinheiro desta ou daquela companhia tabaqueira? Porque não, desde que seja para um bom propósito? Pode dar azo a um grande debate. Sendo de uma tabaqueira, que afecta a vida de um grande número de pessoas, devemos ser suficientemente corajosos para dizer não. Há, porém, opiniões diferentes…

CLDepreende-se pelas suas palavras que deve haver uma mudança de mentalidades, não só das operadoras do Jogo, mas também do sector empresarial e a nível governamental. Macau precisa desta mudança?

P.S.R. – A mudança de mentalidades é necessária. Para quem acompanhou a discussão na BBC sobre a campanha anti-corrupção na Nigéria terá ouvido a certa altura que o mais importante era que se o Presidente não reconhecesse o combate à corrupção, o melhor era esquecer tudo o que dissesse respeito à anti-corrupção. É preciso haver claros sinais de combate à corrupção.

CLEm Macau ainda há poderosas oligarquias cujos tentáculos se estendem a quase todos os sectores da sociedade. Invariavelmente põem os interesses pessoais acima do bem-comum. Como combater esta chaga?

P.S.R. – Penso que o movimento dos consumidores é cada vez mais forte, não só na China, como também em Macau e em Hong Kong. Espera-se que as pessoas tenham uma voz crítica sobre os produtos que consomem. E sempre que o Conselho dos Consumidores de Macau testa a fiabilidade dos produtos, e também dos serviços, deve ter sempre um grande impacto, pois não serão apenas as oligarquias a puxar os cordelinhos, porque a sociedade civil pode desempenhar um papel ainda mais relevante.

CLComo incutir valores éticos nos especuladores, se tivermos em conta que as receitas do Jogo baixaram, assim como a qualidade de vida, mas o preço de compra ou arrendamento de uma habitação ainda é bastante elevado?

P.S.R. – Um factor muito importante é haver o primado da lei. Em rigor não basta a ética, porque é preciso a lei para ser possível punir quem a viola. Por exemplo, lembro-me que em Hong Kong uma modesta cidadã conseguiu processar com sucesso uma companhia do continente que noutras situações sairia impune. Conseguiu processar essa companhia especuladora baseada no seu próprio direito e ganhou, embora não tivesse meios financeiros para tal. Entendo que o primado da lei é decisivo. Não vi ainda muito disto em Macau, mas há exemplos encorajadores em Hong Kong.

CLQue projectos para o Instituto Ricci de Macau?

P.S.R. – Pretendemos colaborar com uma universidade do território, ainda a designar, por exemplo, sobre o pensamento moderno chinês para a protecção ambiental e demais áreas onde se aplique a ética. A 5 de Novembro do corrente ano vamos organizar uma grande conferência sobre a liderança moral e o ensinamento social católico, etc.

 

Desbravar o mundo (Caixa)

O padre Stephan Rothlin, natural da Suíça, sentiu-se particularmente atraído pelos jesuítas durante as aulas de História leccionadas no Ensino Secundário por um monge beneditino. Tinha então 18 anos. Entrou na Companhia de Jesus com 22 anos, tendo estudado Filosofia e Música na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma. Tirou Sociologia, Ética Médica e Teologia no Centro Sevres e no Centro Laennec, ambos em Paris. Fez o doutoramento em Economia, Filosofia e Ética de Negócios na Universidade Estatal Leopold Franzens em Innsbruck (Áustria). Desempenhou cargos em instituições de ensino, ou centros sociais, na Suíça, em França e nos Estados Unidos. Esteve ligado a publicações, universidades ou associações da Áustria, da índia, das Filipinas, da RPC, de Taiwan e de Hong Kong, mantendo ainda o vínculo com algumas delas. Em 2002 fundou a MACASBE (Associação de Macau de Ética de Negócios) na RAEM, tendo desde então organizado conferências e seminários sobre o tema. Nos últimos treze anos trabalhou na Universidade de Negócios Internacionais e Economia (UNIE) em Pequim, essencialmente na área da ética de negócios. Em Junho último foi nomeado director do Instituto Ricci de Macau. É responsável pelo curso “online” da UNIE sobre responsabilidade empresarial.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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