Milagre ditou Tradição
A Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, ou Corpus Christi (“Corpo de Cristo”), antigamente chamada Corpus Domini (“Corpo do Senhor”), é uma Festa da Igreja Católica que tem por fim a celebração da Eucaristia. O objectivo principal é proclamar e dilatar a fé dos fiéis na Presença Real do Corpo e Sangue, Alma e Divindade de Jesus na Eucaristia, através de culto público (latria), na quinta-feira seguinte à Solenidade da Santíssima Trindade, sendo que esta última ocorre no Domingo seguinte ao Pentecostes. Dito de outra forma, o Corpus Christi é celebrado sessenta dias após o Domingo de Páscoa. De forma mais específica, o Corpus Christi é a quinta-feira seguinte ao nono Domingo após a primeira lua cheia da Primavera no Hemisfério Norte. Em alguns países, este feriado foi transferido para o Domingo seguinte para se adaptar ao calendário de trabalho. Ou seja, a Festa pode ser comemorada na quinta-feira, ou transferida para o Domingo seguinte.
A Solenidade do “Dia do Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus Cristo Senhor” (Dies Sanctissimi Corporis et Sanguinis Domini Iesu Christi) é observada pela Igreja latina, além de certas igrejas ortodoxas ocidentais, luteranas e anglicanas. A Festa de Corpus Christi foi proposta por Tomás de Aquino, Doutor da Igreja, ao Papa Urbano IV (1261-1264), a fim de criar uma Festa centrada unicamente na Santa Eucaristia. Noutra versão da história, São Tomás de Aquino foi antes encarregue pelo Papa de preparar os textos para o Ofício e a própria Missa do dia. Todavia, o santo dominicano pretendia enfatizar a alegria da Eucaristia enquanto Corpo e Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo. Tendo o Papa (que então residia em Orvieto) reconhecido em 1264 a autenticidade do Milagre Eucarístico de Bolsena, a pedido de Tomás de Aquino, foi então estabelecida (pela Bula Transiturus de hoc mundo, de 8 Setembro de 1264) a Festa de Corpus Christi como Solenidade, que se estenderia a toda a Igreja Católica Romana. Recorde-se que o Milagre Eucarístico de Bolsena terá ocorrido nesta localidade italiana em 1263, quando – diz-se – uma hóstia consagrada começou a sangrar durante a Missa sobre um corporal, um pequeno pano sobre o qual repousam a hóstia e o cálice. A aparição do sangue é considerada um milagre para afirmar a doutrina católica romana da transubstanciação, que afirma que o pão e o vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo no momento da consagração durante a Missa.
Mas antes de São Tomás e do Milagre Eucarístico de Bolsena, em 1208 uma monja, Juliana, da abadia de Cornillon, promovera a ideia de se celebrar uma Festa em honra ao Corpo e Sangue de Cristo presente na Eucaristia. Seria o bispo de Liège, D. Robert de Thourotte (1240-1246), que se valendo do seu poder em instituir Festas na sua diocese ordenou em 1246 que o Corpus Christi fosse celebrado a partir do ano seguinte, indicando para a sua celebração a quinta-feira seguinte à Oitava de Pentecostes. Assim, a mais antiga celebração desta Solenidade data de 1247, na diocese de Liège, na Bélgica. Mas a Festa não se disseminou facilmente fora da diocese de Liège, era pois necessário um estímulo maior. Esse incentivo adviria com o referido milagre de Bolsena. No Concílio de Viena, em 1311, Clemente V (1305-1314) definiu as regras para regular a procissão dentro dos templos e ainda indicou o local que as autoridades deveriam ocupar, caso quisessem juntar-se ao cortejo. No ano de 1316, o Papa João XXII (1316-1334) introduziu a Oitava com uma exposição do Santíssimo Sacramento. O maior incentivo virá do Papa Nicolau V (1447-1455), quando na Festa de Corpus Christi de 1447 saiu em procissão com o Santíssimo Sacramento pelas ruas de Roma. A partir deste exemplo, a procissão do Corpo de Deus tornou-se urbana, processional e unindo o povo e a Igreja, que tem nessa ocasião o momento de afirmação e inclusão na sociedade. O concurso do povo é grande, além da participação do clero e das instituições religiosas nas cerimónias, em particular a procissão, o zénite da Festa. O bispo diocesano, sob o pálio e levando uma custódia com o Santíssimo, seguido do clero, confrarias e instituições eclesiásticas e religiosas, abraça então a população por onde passa a procissão. Em Portugal, assim é, desde o reinado de D. Dinis (1279-1325), que instituiu a Festa em 1282, embora existam referências sobre a sua comemoração no reinado de D. Afonso III (1248-1279).
A celebração da Festa foi suprimida nas igrejas protestantes durante a Reforma por razões teológicas. Os protestantes negavam a presença real de Cristo na Eucaristia, a qual para eles é apenas uma presença meramente simbólica ou espiritual. Actualmente, a maioria das denominações protestantes não reconhece o dia da Festa, com excepção de algumas igrejas luteranas e da Igreja de Inglaterra, que a aboliu em 1548 durante Reforma Inglesa, mas viria mais tarde a reintroduzir, sob o nome de “Acção de Graças pela Sagrada Comunhão”.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa