O Dom do Espírito e o Nascimento do Povo Santo de Deus
A comunidade dos discípulos, juntamente com os Apóstolos e a Virgem Maria, reuniu-se em expectativa. O seu Senhor, Jesus, tinha regressado à Sua glória com o Pai, completando a Sua “Páscoa” – a transição da morte para a vida e o cumprimento da Sua missão redentora. A Sua ressurreição não foi apenas um triunfo sobre a morte, mas uma revelação da glória eterna que Ele possuía desde o início, da qual desfrutou plenamente com o Seu regresso ao Pai.
Antes de partir, Ele tranquilizou os Seus seguidores, dizendo: «Todavia, Eu vos asseguro que é para o vosso bem que Eu parta. Se Eu não for, o Consolador não poderá vir para vós; mas se Eu for, Eu o enviarei» (Jo., 16, 7). A princípio, tal parecia um paradoxo. Como a Sua partida poderia ser boa? O seu Mestre e Salvador não seria mais valioso para eles na Sua presença visível?
Este mistério intrigou-me durante muito tempo, mas compreender a ligação entre as festas judaicas da Páscoa e do Pentecostes permitiu-me ter uma compreensão mais profunda do plano de salvação de Deus.
DA PÁSCOA AO PENTECOSTES: LIBERTAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO – Na tradição judaica, a Páscoa era a Festa que comemorava a libertação de Israel da escravidão no Egipto. Ela marcava a sua jornada desde a opressão até à libertação do povo de Deus. Da mesma forma, a Páscoa de Cristo – o seu sofrimento, morte e ressurreição – libertou os seus seguidores do pecado, do engano e das trevas da morte.
No entanto, a libertação por si só não é suficiente. Assim como Israel atravessou o Mar Vermelho antes de receber a Lei no Monte Sinai, a Humanidade, redimida por Cristo, precisava de orientação, propósito e da presença transformadora de Deus. A Lei, dada a Moisés, celebrada na “Festa das Semanas (Shavuot)”, moldou o povo judeu como uma “nação santa”, “um povo escolhido” para levar as bênçãos de Deus a todos. Paralelamente, o Pentecostes – o cumprimento cristão de Shavuot – marca o nascimento da Igreja, formada pelo derramamento do Espírito Santo.
O Espírito não é apenas uma força externa, mas uma “presença viva” que permite aos crentes conhecer Cristo a partir de dentro. Através Dele, assimilamos o Evangelho de Cristo em cada fibra do nosso ser e tornamo-nos verdadeiros filhos de Deus. Jesus disse aos Seus discípulos: «Assim como o Pai me amou, Eu da mesma forma vos amei» (Jo., 15, 9). Este amor, que tem origem na Santíssima Trindade, flui do Pai para o Filho e, através do Espírito, habita em cada um de nós como um templo vivo (cf. 1 Pe., 2, 5-7).
PENTECOSTES: A REVERSÃO DE BABEL E A FORMAÇÃO DE UM ÚNICO POVO – No Pentecostes, línguas de fogo desceram sobre os discípulos e pessoas de diversas nações ouviram-nos falar nas suas próprias línguas. Este evento milagroso restaurou a unidade, contrastando fortemente com Babel, onde o orgulho humano levou à divisão e à confusão (cf. Gn., 11, 5-9).
Em Babel, a autoconfiança e a arrogância fragmentaram a Humanidade. O Pentecostes, por outro lado, unificou as pessoas através da graça divina. O Espírito Santo não apagou as diferenças, mas entrelaçou-as na comunhão com a vontade de Deus, formando a Igreja – o novo Povo de Deus – a quem foi confiada a responsabilidade de levar a Sua salvação ao mundo.
Esta era – o tempo da Igreja e do Espírito Santo – é o nosso campo missionário. Guiados pelo Espírito, somos chamados a continuar a obra salvadora de Cristo, espalhando o Evangelho até aos confins da terra (cf. Mt., 28, 19-20).
A IGREJA DOMÉSTICA: A FAMÍLIA CRISTÃ COMO PRIMEIRA COMUNIDADE DE FÉ – O Pentecostes revela que o crescimento e a maturidade individuais florescem dentro de uma comunidade cheia de amor e obediência ao Espírito. A Família Cristã é o fundamento desta vida comunitária. Ela é construída sobre o amor sacramental dos cônjuges, que, guiados pelo Espírito Santo, tornam-se uma só carne e participam da obra criadora de Deus, acolhendo filhos no mundo.
Através do Baptismo, estas crianças tornam-se membros do povo santo de Deus, a Igreja, e são chamadas a viver como filhos e filhas de Deus, nosso Pai. No ambiente familiar, aprendemos primeiro a reconhecer os impulsos do Espírito Santo, a discernir a vontade de Deus e a caminhar com a Igreja maior como peregrinos da esperança.
A verdadeira liberdade encontra-se na obediência a Deus, que nos liberta de:
– A tirania do egoísmo, abrindo os nossos corações para uma vida de generosidade e comunhão.
– O engano de Satanás, que oferece falsos ídolos e ideologias enganosas que distorcem a verdade.
– A cultura da morte, que desconsidera a dignidade dos nascituros, dos idosos e dos vulneráveis.
Ao nos rendermos ao Espírito Santo, abraçamos a vontade de Deus, permitindo que o Seu amor nos transforme e guie os nossos passos em direcção ao autêntico discipulado.
UMA COMUNIDADE PAROQUIAL PENTECOSTAL: UNIDA NA FÉ E NA MISSÃO – Aprecio a minha comunidade paroquial, um grupo vibrante de pessoas de diversas nações e culturas, unidas por uma língua comum – o Português. É uma “comunidade pentecostal”, moldada pelo Espírito, onde as famílias se reúnem todos os Domingos na Missa para renovar a sua comunhão com Cristo e com a Igreja universal.
Nesta celebração sagrada, oferecemo-nos a Cristo como um sacrifício agradável a Deus, promovendo a unidade e aprofundando o nosso compromisso com a construção da família de Deus. O fruto do Espírito Santo dentro de nós leva naturalmente à missão, inspirando a nossa paróquia a envolver-se na oração, evangelização e actos de caridade.
Uma expressão tangível desta missão é a preparação e o envio de jovens para Cabo Verde, em África, um projecto apoiado pelo nosso pároco, o padre Domingos Un, e pelas orações e contribuições de toda a Paróquia. Através de tais iniciativas, o Espírito leva-nos a estender o amor de Deus a todas as nações, cumprindo o apelo da Igreja à evangelização.
Ao caminharmos na fé, que a Bem-aventurada Maria, Mãe da Igreja, interceda por nós, oferecendo a sua orientação e encorajamento. Presente com os Apóstolos no Pentecostes, ela continua a ser um farol de inspiração, levando a Igreja a abraçar a plenitude da graça no Espírito Santo.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ