Síria, a verdadeira história (6)

Vivendo com tiros durante quatro anos

Havia grupos que se opunham ao regime. Havia uma minoria que estava diluída entre esses grupos fundamentalistas. Não existia uma “oposição moderada”, a menos que se possa considerar como “moderado” esquartejar um cristão em pedaços. Se isso é ser-se moderado, então existia uma “oposição moderada”.

O Papa diz que estas guerras não são reais, mas apenas pretextos para a venda de armas. Quão fácil seria acabar com esta guerra, se o apoio financeiro fosse cortado, se parassem de lhes comprar petróleo, por exemplo. Seria uma forma verdadeiramente pacífica de se acabar com a guerra – assim que as balas se esgotassem, a guerra estaria acabada. Mas “eles” não o querem fazer.

É por isso que a Igreja, como último recurso – mas apenas como último recurso – não rejeita uma intervenção militar, com o objectivo de parar esses grupos; porque a caridade não se opõe à defesa pessoal legítima. Perdoar não significa que eu não me deva defender.

Nesse sentido, a posição da Santa Sé é muito clara. Ela diz que a única maneira de acabar com o que se passa é forjar uma coligação no seio das Nações Unidas, mas com o acordo dos Governos vigentes na Síria e no Iraque. É uma completa loucura tentar fazer coligações que ignorem a Síria e o Iraque. E mesmo o Irão. As intervenções unilaterais existentes não são apenas infrutíferas, como ainda aumentam a confusão e o desastre nos lugares afectados.

É por isso que unicamente a voz da Igreja é clara e convincente neste assunto. Se quiserem estar informados, recolham informação nos meios de comunicação católicos e nas agências noticiosas católicas. Só assim ficarão a saber o que realmente está a acontecer.

Aqui (diz mostrando uma fotografia) é o centro da cidade que costumava ser muito pitoresco. Vejam as crianças a andar por cima dos destroços. Este facto quase que se tornou um acto normal.

Eu lembro-me quando tudo isto começou, foi de um dia para o outro, com os tanques nas ruas, com o som dos canhões e do tiroteio. O prédio estremecia, uma bala podia entrar pela janela… As duas primeiras semanas foram terríveis. Estávamos fechadas em casa, não saíamos, e era muito difícil dormir.

Paulatinamente as semanas tornaram-se meses, e os meses em anos, sempre com a mesma realidade: guerra no centro da cidade. Então as pessoas começaram a sair de casa, mas não para passearem. Ninguém podia passear em Aleppo. Tinham que sair de casa para comer, para trabalhar. As crianças voltaram para a escola e os jovens para a universidade… E assim se transformou a nossa vida diária, que obviamente era bastante “especial”.

Quando se andava pelas ruas tinha que se ter cuidado. Normalmente calçávamos sapatos de desporto, porque assim podíamos correr. Tínhamos que ter atenção aos diferentes ruídos, explosões, tiros, ver mais ou menos a direcção de onde vinham e assim podermos calcular a distância a que se encontravam.

Pensem no que esta situação devia representar para as crianças, que conviviam com esta realidade há quatro anos. (Imaginem) alguém que passe a infância desta forma. (Eram crianças que) tinham que tomar medicamentos para dormir, porque não conseguiam adormecer com o medo; crianças que coleccionavam balas (cada uma tinha a sua pequena caixa de cartão – com balas – que traziam até à casa paroquial) e as trocavam entre elas como se fossem brinquedos.

(As balas) podiam-se encontrar em toda a parte: nas ruas, nos terraços, nas varandas… Não era raro, quando se caminhava pelas ruas, que uma bala caísse perto de nós e a apanhássemos do chão ainda quentes.

Era esta a nossa vida diária, principalmente para os cristãos.

Irmã Maria da Guadalupe Rodrigo

(Tradução: Pe. José Mario Mandía e António R. Martins)

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