Em nome de um direito próprio
Está comprovado que na península que hoje é Macau, em termos de estabelecimento humano, nada existia até à chegada dos portugueses. Em Coloane, pelo contrário, como o confirmaram escavações arqueológicas, há vestígios que nos conduzem ao período neolítico. O que trouxe os portugueses a esta parte do mundo foram os chamados “negócios da China”, expressão que perdurou até à actualidade. Conquistada Malaca, a China era o grande mundo a descobrir, daí a sucessiva vaga de mercadores, em busca de oportunidade, que ao longo de cinquenta anos buscaram poiso pelos portos e ancoradouros da costa chinesa e nas ilhotas do mar do sul da China. Na província de Fujian, em Cantão e em Liampó, identificado hoje como o arquipélago de Chu San. Há diversas teorias que explicam o sucesso do estabelecimento definitivo em Macau: expulsão de piratas, colaboração militar com os mandarins e o fornecimento do âmbar cinzento, produto muito apetecido na corte imperial. Mas provavelmente a razão principal está na preocupação das autoridades chineses em controlar tudo que era estrangeiro, preferindo que os bárbaros ocidentais estivessem concentrados num só local do que espalhados pela costa e mar da China.
A Formosa e a ilha dos Pescadores, como as designações indicam, foram avistadas inicialmente, de facto, pelos portugueses, que não viram nelas interesse comercial já que a sua economia era de cariz agrícola e piscatório. As notícias que temos da Formosa baseiam-se sobretudo em relatos de naufrágios e cartas enviadas pelos jesuítas, que por ali transitavam nas suas idas entre Macau e o Japão.
Macau surge, portanto, da iniciativa pessoal de alguns portugueses no século XVI, gente que actuava à revelia da Coroa e cuja teimosia permitiu a realidade com que hoje todos nos confrontamos e que, agora mais do que nunca, corre o risco de se desvanecer. A verdade é que passados mais de quatrocentos anos difícil se torna traçar um paralelo entre os portugueses de então e os de agora.
As estruturas portuguesas ainda existentes em Macau são notoriamente poucas e têm vindo a fragilizar-se. Há um IPOR, um Consulado, uma Escola Portuguesa e pouco mais. Excepção digna de realce é o Instituto Internacional de Macau, de longe a entidade que mais tem feito pela continuidade do legado lusitano nesta parte do mundo.
Em Portugal o alheamento em relação ao território traduz-se na debilidade financeira do Centro Científico e Cultural de Macau, um centro de estudos de investigação governamental que pertence ao Ministério da Ciência e Ensino Superior. Apesar de dispor de instalações magníficas, de um museu fabuloso e da melhor biblioteca de estudos asiáticos do País, não tem as devidas verbas para um funcionamento exemplar. O seu orçamento, ao que consta, dá apenas para o pessoal e para a gestão corrente do instituto. Trata-se de um claro erro estratégico. Já temos o instituto, eventualmente teremos até pessoas capazes para desenvolver trabalho não só na área da investigação mas também na divulgação através da Internet, com sites, museu virtual etc., só que não há dinheiro para fazer tudo isso. O tal dinheiro que se esbanjou em estádios de futebol. Após o “Erro 2004” (como alguém lhe chamou) ainda houve alguma esperança numa abertura a esse tipo de iniciativas. E já que se fala no dito… Na organização do Euro houve uma certa ideia de promover internacionalmente a imagem de Portugal. Mas talvez houvesse outras maneiras mais interessantes, mais inteligentes do que as utilizadas. Recorrendo à história, por exemplo. E a Ásia, onde as pessoas têm uma verdadeira paixão pelo futebol e tudo que conhecem do nosso país são os nomes dos nossos mais famosos jogadores, era terreno ideal para essa campanha. Creio que se perdeu uma óptima oportunidade de dar conhecer o nosso passado, e por conseguinte o nosso presente, e ainda, mais importante, desmistificar uma série de imagens negativas em relação aos portugueses que persistem em diversos países desta região.
Mas regressemos à actualidade. Quais são as nossas responsabilidade, aqui e agora?
Os portugueses é que terão de decidir isso. É certo que há uma série de pessoas que se têm esforçado por manter viva a chama. Nalgumas publicações surgem regularmente excelentes artigos sobre a presença e herança portuguesa, sobre os contactos que estabelecemos nesta zona. E é preciso ter em conta que são revistas com impacto, que circulam internacionalmente. Pode ser um dos caminhos a seguir. Através da imprensa, da Comunicação Social.
Embora os portugueses estejam em Macau por direito próprio, há quem se sinta órfão após a transferência de soberania. Mas, essa orfandade será um sentir legítimo ou um estar-se mal habituado?
Muitos sentem-se órfãos provavelmente porque perderam o chapéu, a protecção governamental. Mal habituados!? Não podemos classificar o passado, fazer juízos, decidir se foi mau ou se foi bom. Houve um determinado percurso histórico, a determinado momento sobrevieram mudanças políticas, pois a conjuntura internacional a isso obrigou, e a transferência de soberania aconteceu naturalmente. Agora temos de aprender a viver com a situação actual e tirar o melhor partido dela. A nossa presença de vários séculos deixou aqui uma marca fortíssima, isso é indiscutível. É nossa obrigação recordar a quem de direito esse facto.
Joaquim Magalhães de Castro