Depois de quase cinco dias em águas cristalinas junto da ilhota de Gosier, voltámos às águas turvas do porto de Pointe-à-Pitre para preparar a partida dos nossos amigos de Vila Nova de Gaia. Foram dias de muita praia, mar e conversa animada, que deu para meter em dia a coscuvilhice que vem já dos tempos de universidade e se vai mantendo passados quase vinte anos.
Carlos, Brigitte e Núria voltaram a Portugal com uma tez mais escura e a pele a cair. Cansados, mas tristes de voltarem para o frio, e para o dia-a-dia de casa-trabalho-casa. A pequena Núria vai voltar para a pré-escola, depois de ter passado os dias a brincar, de manhã à noite, com a Maria. Foi um prazer ver as crianças brincar – ainda se lembravam do encontro do ano passado – mesmo não dominando bem a língua uma da outra. A Maria fala, predominantemente, Inglês, e a Núria, Português. Mas não foi isso que as impediu de partilharem brinquedos, ensinarem brincadeiras uma à outra e estudarem juntas.
Com a partida destes amigos é chegado o momento de rumarmos às Antilhas Holandesas, mais precisamente para a ilha de Curaçao, onde iremos ficar umas semanas. Aqui em Guadalupe pouco mais temos a fazer do que comprar alimentos, água e gasóleo. O veleiro está quase pronto para zarpar. Falta apenas limpar o casco e mudar o vedante da base do mastro, dado que em dias de muita chuva deixa infiltrar mais do que o normal. Não é um problema de monta mas incomoda, pois molha a mesa que está dentro do barco.
Quando chegarmos às Antilhas Holandesas teremos de decidir como iremos fazer para renovar o passaporte da pequena Maria. Infelizmente, Portugal não tem representações diplomáticas nas Caraíbas. A embaixada mais próxima está na Venezuela, sendo que a situação actual naquele país não é propício a viagens. Mesmo os naturais da Venezuela estão a aconselhar os estrangeiros a não visitarem o País. Há também uma representação de Portugal na Colômbia, em Bogotá, mas também é arriscado. A embaixada no Panamá não tem secção consular, não estando habilitada a renovar passaportes. Pelo que consegui apurar, a delegação da Colômbia vai, uma vez por ano, ao Panamá para realizar trabalho consular, mas a última deslocação ocorreu no mês passado.
Como o passaporte de criança é válido por apenas por dois anos, apesar de custar tanto como o de cinco ou dez anos, temos de encontrar uma solução. Contactei a embaixada em Bogotá, via e-mail, explicando que não temos condições para viajar para o País, mas não se mostraram muito preocupados e nem sequer deram uma alternativa para colmatar o facto de um nacional (ainda por cima menor) estar prestes a ficar sem documento de viagem num país estrangeiro.
Há dois anos, quando estávamos em Santa Lúcia, fomos obrigados a voar (de propósito) para Nova Iorque, a fim de renovarmos o meu o passaporte e o da Maria. Este ano, por razões económicas e geográficas, para além de não podermos deixar o cachorro em terra, não estamos em condições de voar para os Estados Unidos.
Relativamente ao nosso veleiro, o problema que havia com a vela já está resolvido. Demorei dois dias a coser o remendo. À vinda de Gosier abrimos a vela para ver como reagia e correu tudo bem. Receava que na zona do remendo, com cerca de meio metro quadrado, o formato da curvatura da vela não estivesse perfeito, mas felizmente a vela manteve a curvatura normal. Durante a curta viagem fizemos cerca de seis a sete nós de velocidade. Espero que se aguente por algum tempo, pois não vai haver possibilidade de comprar outra nos próximos meses.
Comprei uns cabos longos para utilizar com o pau de balão que adquirimos na feira da ladra em Marigot, na parte francesa da ilha de Saint Martin. Há muito que planeávamos comprar o pau de balão para ajudar a manter a vela grande aberta com ventos de popa, o que irá provavelmente acontecer nas viagens para as Antilhas Holandesas, para o Panamá e, certamente, na travessia do Pacífico.
O ideal seria ter um balão mas, até ao momento, não encontrámos nenhum em segunda-mão dentro do nosso orçamento. Se houver alguma empresa de Macau que nos queira patrocinar, podemos colocar o logótipo e içaremos o balão com todo o gosto. É só contactarem-nos que daremos todos os pormenores.
Vamos começar a olhar seriamente para os ventos e esperar por uma janela de quatro ou cinco dias que nos permita chegar às Antilhas Holandesas em segurança. Pelo que tenho acompanhado nos últimos dias, os ventos no mar entre as Antilhas Holandesas e a Colômbia têm andado a rondar ventos de tempestade. Para evitar surpresas desagradáveis só sairemos quando os ventos acalmarem e as marés estiverem em níveis aceitáveis.
JOÃO SANTOS GOMES