SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA (DIVINA MISERICÓRDIA) – Ano A – 16 de Abril

SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA (DIVINA MISERICÓRDIA) – Ano A – 16 de Abril

O único caminho para encontrar o Ressuscitado são as Suas (e as nossas) chagas

No mês passado foi noticiado que a grande maioria (até noventa por cento) dos empregados domésticos estrangeiros em Macau enfrenta circunstâncias de vida potencialmente traumáticas e corre o risco de comportamentos pouco saudáveis. Muitos estão expostos a condições precárias de trabalho, longos períodos de separação da família e dificuldades para se sustentar. Estas circunstâncias têm um impacto adverso e duradoiro no seu bem-estar psicológico. Esperançosamente, o aumento da consciencialização deste problema ajudará a melhorar a sua situação e a oferecer uma melhor ajuda.

Enquanto lia o artigo, pensei em como podemos facilmente ignorar o efeito dos traumas nas nossas vidas e nas vidas dos outros. Enquanto na maioria das vezes conseguimos lidar com as dificuldades da vida e seguir em frente sem efeitos negativos duradoiros, outras vezes há eventos traumáticos que nos afectam profundamente por longos períodos de tempo, até mesmo para toda a vida. A maioria de nós – ou talvez até todos nós – temos feridas internas que precisam ser curadas.

Não há dúvida de que os discípulos viveram a morte de Jesus na cruz como uma experiência traumática. O primeiro encontro do Ressuscitado com os Seus discípulos, sobretudo com Tomé, que será proclamado no Evangelho deste Domingo (o Domingo da Divina Misericórdia), confirma esta impressão (cf. Jo., 20, 19-31). Jesus encontra os discípulos com medo, isolados, trancados com portas e janelas bem fechadas. Sentem-se envergonhados pela sua cobardia, pois abandonaram e até negaram Jesus. Encontram-se, literalmente, na escuridão, com os seus sonhos destruídos e incapazes de saber o que fazer a seguir. Quantas vezes passamos pelos mesmos sentimentos quando atingimos um ponto baixo?

Não é fácil lidar com traumas. Na maioria das vezes, tentamos enterrá-los no inconsciente para suprimir a dor que eles provocam. Há memórias nos nossos corações que preferimos não tocar, porque quando accionadas podem causar estragos nas nossas vidas. Embora ocultas, as nossas feridas internas ainda estão activas e influenciam os nossos humores e escolhas.

O Ressuscitado, ao ter aparecido aos discípulos traumatizados, não permitiu que estes accionassem mecanismos de evasão: “Jesus veio e pôs-se no meio deles […] depois mostrou-lhes as mãos e o lado. Então disse a Tomé: ‘Colocai o teu dedo aqui e vê as minhas mãos. Estendei a mão e colocai-a no meu lado. Não duvideis, mas acrediteis’” (versículos 20-27).

As feridas de Jesus, as marcas horríveis dos enormes eventos traumáticos da cruz, que Ele mesmo suportou, foram curadas pela Sua fé e confiança no Pai. No Seu corpo ressuscitado, aquelas feridas embora curadas ainda eram visíveis. Jesus não quis “esquecer” a dor da cruz. A Ressurreição não é simplesmente o desmoronar da cruz, como se a Sua morte fosse uma derrota e a Ressurreição a reversão dessa derrota. Tanto a cruz, quanto a Ressurreição, fazem parte de um acto de amor, misericórdia e redenção.

Olhando para as chagas de Jesus, além de reconhecer a realidade da Ressurreição, os Apóstolos foram forçados a gerir as suas próprias experiências traumáticas, mas não mais com vergonha e culpa. O dom da paz de Jesus e o sopro do Espírito Santo sobre eles permitiram que enfrentassem as suas fraquezas e falhas à luz da Misericórdia de Deus. Aqueles discípulos imperfeitos entenderam que Jesus os perdoou e que o Seu amor é mais poderoso do que os seus pecados, medos e cobardia.

Ao enviar estes apóstolos traumatizados ao mundo, Jesus convidou-os a “sair” da paralisia causada pelos seus traumas, confiando Nele como Ele confiava no Pai, mais do que confiando nos seus próprios mecanismos (ineficazes). Da mesma forma, ao reconhecermos humildemente a nossa fragilidade e necessidade de ajuda, podemos abrir as nossas feridas ao poder curador da Misericórdia de Cristo e tornarmo-nos instrumentos de cura e reconciliação num mundo ferido: «Recebei o Espírito Santo. Se perdoardes os pecados de alguns, sedes perdoados» (versículo 24) Pessoas feridas são as melhores curadoras pois elas mesmas passaram pela experiência traumática de um dia terem sido feridas. Os Apóstolos tornaram-se testemunhas da Ressurreição e verdadeiramente evangelizadores, não apenas pelas feridas impostas, mas pela graça daquelas feridas lhes terem permitido testemunhar a extensão da Misericórdia de Deus.

Recordo que há muitos anos o Papa Francisco dizia que «o caminho estreito para encontrar o Ressuscitado são as suas chagas». Não há outro. Nem o nosso conhecimento nem as nossas orações, nem mesmo os nossos esforços morais e ascéticos são, por si, suficientes para nos levar a experimentar a força da Ressurreição nas nossas vidas. Só quando vemos nas chagas de Jesus o reflexo das nossas próprias chagas interiores, e também das chagas dos nossos irmãos e irmãs que esperam ser tratados e curados com a Misericórdia que brota da cruz, então a cura é possível, e a vida pode ter um novo começo. Como afirma São Pedro, olhando para a sua própria experiência: «Pelas suas chagas fostes curados» (1Pd., 2, 24).

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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