COVID-19: INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL IMPROVISAM DORMITÓRIOS PARA TRABALHADORES DO CONTINENTE
O surto epidémico que se disseminou, primeiro pela República Popular da China e depois por mais de duas dezenas e meia de países e territórios, obrigou organizações como a Cáritas e a Santa Casa da Misericórdia a um esforço financeiro suplementar para alojar cerca de quatro centenas de trabalhadores que residiam do outro lado das Portas do Cerco.
A propagação do novo coronavírus – esta semana baptizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) com o nome de Covid-19 – e as medidas excepcionais de contingência decretadas pelo Governo de Macau, levaram as duas instituições de solidariedade social a diligenciar, a contra-relógio, dormitórios para acolher os funcionários apanhados num limbo pela crise epidémica, explicaram a’O CLARIM os responsáveis por ambas as organizações.
«Temos 21 trabalhadores que não residem em Macau. Não residindo em Macau estes funcionários estavam eventualmente sujeitos a um maior risco por causa das deslocações que faziam a Zhuhai. São trabalhadores que tinham todos os dias de passar a fronteira», ilustra António José de Freitas. «No dia 4 de Fevereiro, tivemos que apetrechar duas moradias e comprar mobiliário e artigos de primeira necessidade para que tenham algumas condições de vida. Isto quer dizer que desde o dia quatro, estes trabalhadores não residentes deixaram de ir a Zhuhai. Vivem e dormem em Macau», acrescentou o provedor da Santa Casa da Misericórdia.
O esforço a que a Cáritas de Macau teve de se sujeitar é ainda mais substancial. A organização liderada por Paul Pun providencia desde o início do mês cama, mesa, Internet e roupa lavada a 380 funcionários que, de outro modo, teriam que cruzar a fronteira todos os dias. «Temos quatrocentos trabalhadores da China continental e conseguimos convencer 380 a permanecerem em Macau. Para além de abrigo, fornecemos a estes funcionários refeições gratuitas, mesmo quando não estão a trabalhar», refere o secretário-geral da Cáritas de Macau, em declarações a’O CLARIM. «Procuramos fazer com que percebam que esta solução é uma solução de emergência. Temos esperança que esta situação não se prolongue por demasiado tempo. Estes funcionários estão a sacrificar-se pelo bem das pessoas que servem. Enquanto o surto durar, eles estão privados da possibilidade de se reunir com os seus familiares», lembra Paul Pun.
O esforço, reconhece o dirigente, permitiu que a organização mantenha, quase sem restrições, 23 dos 26 serviços que detém. À excepção das escolas, da creche e do centro de dia, nenhum dos demais serviços prestados pela organização sofreu interrupções e a Cáritas reforçou mesmo a acção desenvolvida no campo da segurança alimentar, com a distribuição gratuita de cerca de meio milhar de cabazes por pessoas em situação de maior vulnerabilidade. «Quando lhes oferecemos os cabazes, não lhes estamos apenas a dar comida. Também lhes dizemos que, no caso de precisarem de outro tipo de ajuda, também nos podem contactar», adianta Paul Pun. «A principal prioridade passa por continuar a assegurar os nossos serviços a mais de mil e 300 pessoas, que já estão entre as mais vulneráveis do território. São elas, os idosos, as pessoas com deficiência e com doença mental», conclui.
Em linha com as recomendações emitidas pelo Governo, a Santa Casa da Misericórdia encerrou a creche e o Centro de Reabilitação de Cegos, e reforçou os cuidados e a cautela a que estão sujeitos os pacientes do Lar de Nossa Senhora da Misericórdia, refere o provedor António José de Freitas. «Tivemos a sensibilidade de, logo no dia 1 de Fevereiro, dar ordens no sentido de suspender as visitas dos familiares. A partir de dia 1 foram suspensas as visitas aos utentes, temporariamente. Os familiares responderam muito bem a esta medida. Todos são compreensivos e sabem que é para o bem geral», explica, acrescentando: «Também pedimos que alguns utentes não saíssem do lar. Até então havia utentes que, gozando de condições físicas melhores ou gozando de aptidão física, saiam diariamente. Havia alguns que saiam, com a anuência dos médicos e da família. Dadas as circunstâncias, tivemos de pedir a estes utentes que reconsiderassem estas saídas».
Igreja atenta às dificuldades da Comunidade Filipina
O Centro Pastoral para a Comunidade Filipina está a acompanhar o caso dos mais de cem turistas, oriundos das Filipinas, que ficaram retidos em Macau depois do Governo de Manila ter decretado medidas que levaram ao cancelamento das ligações aéreas entre o território e o arquipélago vizinho. A informação foi avançada a’O CLARIMpelo padre Ryan June Real, que revelou também que, para além dos 131 visitantes afectados, há outros cidadãos filipinos que querem regressar ao País depois de terem perdido o emprego na sequência das medidas especiais de contingência emanadas do Governo de Macau. «Não há casos suspeitos entre a comunidade filipina, mas há turistas e trabalhadores que foram despedidos, e turistas que estão a tentar diligenciar com o Consulado das Filipinas em Macau uma forma de regressar a casa. Não há muito que possamos fazer para ajudar a este desígnio, mas estamos atentos a este processo», explicou o sacerdote, um missionário da Sociedade de Nossa Senhora da Santíssima Trindade.
Com a economia do território paralisada, as medidas impostas pelo Governo local têm afectado com particular intensidade os trabalhadores não-residentes das Pequenas e Médias empresas da RAEM. Sem grandes alternativas, alguns procuram ajuda junto de organizações como a Cáritas. «Na terça-feira, três raparigas e um rapaz deslocaram-se à sede da Cáritas porque foram forçados a tirar uma licença sem vencimento. Estavam preocupados porque estavam a ficar sem dinheiro e vieram ter connosco à procura de trabalho. Oferecemos-lhes alguma comida para que não tenham que gastar o dinheiro que têm», contou o secretário-geral da Cáritas de Macau, Paul Pun.
Em linha com as medidas decretadas pela diocese de Macau, as instalações do Centro Pastoral para a Comunidade Filipina encontram-se encerradas, mas o organismo continua a tentar dar resposta às necessidades espirituais dos cidadãos filipinos radicados em Macau, através da transmissão diária da Eucaristia através da Internet. «Neste momento, com o coronavírus, continuamos a dar resposta às necessidades espirituais da comunidade, ao transmitirmos a missa pela Internet», sublinhou o padre Ryan Real. «Há uma hiperligação para a Missa no nosso portal da Internet», rematou o sacerdote.
Marco Carvalho