Retidos pelo mau tempo

A vida nos barcos tem destas coisas. Como não se pode controlar os elementos somos obrigados a ser flexíveis. A nossa viagem para Martinica estava programada para o início desta semana mas, à última da hora, teve de ser alterada. Na noite anterior à nossa saída, e nós já com todos os procedimentos de imigração e alfândega tratados, uma das meninas do Gentileza adoeceu, tendo passado a noite com febre. Depois de uma breve conversa via rádio entre os dois barcos decidiu-se que até ela melhorar ficaríamos em St. Lucia.

Sem que nada o previsse, visto que para essa noite e para os dois dias seguintes estavam previstas boas condições para o mar, as condições atmosféricas alteraram-se de forma drástica. Por volta das duas da manhã registámos ventos na ordem dos 40 nós e chuva intensa. Uma noite a fazer lembrar os dois dias que vivemos quando estávamos na ilha de Carriacou há umas semanas e que preferíamos não ter voltado a viver. No dia seguinte, e ainda com a menina meia adoentada, passámos o dia todo no veleiro com chuva intensa e ventos fortes, resultado de várias frentes tropicais que nesta altura do ano afectam toda esta zona das Caraíbas.

Normalmente, e sabendo-se deste fenómeno, espera-se entre uma e outra onda tropical, que intervalam entre cinco e sete dias, para mudar de ancoradouro e de ilha. No entanto, as condições este ano estão um pouco confusas e as ondas estão mais chegadas. Inclusivamente, têm surgido algumas de um dia para o outro. Estas ondas tropicais, juntamente com a Zona de Convergência Inter-tropical, que este ano tem descido mais do que o habitual, têm gerado dias de muita chuva, ventos fortes e muita trovoada, complicando ainda mais as movimentações de barco entre as ilhas.

Neste momento aguardamos que em meados desta semana tenhamos dois ou três dias de condições aceitáveis para fazermos a travessia. Esperamos que tal seja possível porque os nossos planos e datas começam a ficar apertados. Os amigos do Gentileza têm viagem marcada para o Brasil a 10 de Dezembro, com partida no Panamá, pelo que temos de ir a 19 do mesmo mês ao aeroporto esperar pela nossa “almirante” (nome pelo qual as mulheres são conhecidas na comunidade que vive a bordo).

As chuvas e os ventos tiveram mais impacto na ilha e nos seus habitantes do que nos barcos. Os negócios fecharam, várias pontes caíram e as ruas ficaram intransitáveis. A ilha, por um dia, esteve completamente inoperacional. As águas que rodeiam a ilha estavam cobertas de lixo, arrastado das montanhas e das vilas.

Entre as chuvadas e os dias mais amenos foi possível levar o alternador e o motor de arranque ao mecânico, estando prontos para serem utilizados, caso seja necessário. Esta semana foi também possível ir à capital da ilha, Castries, para oficializar uns documentos que têm de ser enviados para Macau, nomeadamente, duas procurações para uns amigos ficarem avalizados a tratarem dos nossos assuntos junto das entidades da Região Administrativa Especial de Macau, e uma declaração para a minha mulher, a explicar a razão da minha tão prolongada ausência do território, que foi pedida pelos Serviços de Identificação. Sabe-se lá porquê!?

Entretanto, com toda esta chuva e a necessidade de manter a embarcação fechada na maioria do tempo, a nossa menina também se ressentiu da falta de ar fresco. Passados dois ou três dias das meninas do veleiro brasileiro aparecerem com sintomas gripais, a Maria começou também com o nariz a escorrer e alguma febre. Sintomas que foram de imediato medicados e acompanhados com toda a atenção. Dois dias mais tarde já estava completamente recuperada mas, como medida de precaução, mantive a toma do xarope por mais uns dias para evitar uma recaída. Por sorte, não perdeu o apetite nem ficou sem energia, o que é sempre bom sinal.

Continuamos, apesar de todos estes atrasos e adiamentos, com a mesma intenção de sair de Martinica, rumo às Antilhas Holandesas, a 15 deste mês. A passagem pelo território francês irá ser mais rápida do que inicialmente estava programado, para desespero de parte da tripulação do Gentileza. São umas baguetes e uns croissants a menos que iremos comer!

O tempo que iremos estar em Martinica será usado, essencialmente, para abastecer os veleiros, verificar se está tudo em ordem e consertar o que for necessário.

Iremos ver se será possível alugar uma viatura para visitar a cidade de Saint Pierre, no norte de Martinica, visto que os nossos companheiros de viagem fazem questão de conhecer a localidade. Nós já lá estivemos duas vezes, pelo que iremos servir de guias.

Saint Pierre foi a primeira capital da ilha, sendo completamente devastada pela erupção do vulcão (Monte Peleé) a 8 de Maio de 1902, causando a morte a mais de trinta mil pessoas. Foi depois desta tragédia que Fort-de-France passou a ser a capital.

No regresso a Saint Anne, no extremo sul de Martinica, deveremos parar na capital e “visitar” o maior supermercado (Carrefour-Dillon) para comprar o que não conseguimos encontrar nas sucursais mais pequenas espelhadas por Le Marin.

JOÃO SANTOS GOMES

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