Ressurreição e Vida Nova

A Páscoa está a chegar

A Páscoa está a chegar, o tempo da renovação e da redenção. De júbilo, é o símbolo da Ressurreição e da Vida Nova. É a principal festa da Igreja, a mais antiga entre os cristãos, o epicentro do ano litúrgico, a “festa das festas”, como referira o Papa Leão I (440-461). A Páscoa é a mola vital da espiritualidade cristã. O Cristianismo radica na pessoa de Jesus, como sabemos, no que Ele é em Si e no que Ele é para nós, enquanto motivação para sermos um “outro Cristo”, como já referira um grande sábio beneditino português, D. Geraldo Coelho Dias, OSB (1934- ). Por isso, a espiritualidade assumida pelos cristãos tenha que possuir uma autenticidade crística, fazer os crentes viverem o Mistério de Cristo, como o Acontecimento da Salvação, o qual tem o seu zénite na festa da Páscoa, o seu clímax sacramental e vivencial.

«Quem quiser ser meu discípulo tome a sua cruz todos os dias e siga-me (Lc 9,23; Mt 16,24)», assim disse Jesus, confirmado depois por São Paulo: «Para mim viver é Cristo (Fil 1,21)». Eixo vital da vida dos cristãos, pois sem ele nada se pode fazer, como refere João (Jo 15,5). «Vemos com os olhos, contemplamos com o espírito», como Plínio dizia dos grandes acontecimentos e paisagens que conhecera, assim também se pode perceber a Páscoa.

O termo “Páscoa” deriva, através do Latim Pascha e do Grego bíblico Πάσχα (Paskha), do Hebraico פֶּסַח (Pesaḥ, ou Pesach), a Páscoa judaica. A Páscoa, vínculo do Antigo com o Novo Testamento, vector fundamental da fé cristã, é pois a comemoração vivida e plena da Ressurreição do Cordeiro Imolado na Cruz, na vitória sobre o Mal, a vida nova, a consumação da obra redentora de Cristo, que disse as seus Apóstolos, «Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco antes de Padecer (Lc 22,15)».

Há uma continuidade histórica e religiosa entre a Páscoa judaica e a cristã, já que Cristo morreu no primeiro dia da festa da Páscoa dos judeus, na qual estes celebram a libertação, pela mão de Deus, do seu cativeiro no Egipto. Além desta continuidade, a morte de Jesus possui forte carga simbólica, pois cumpre a Antiga Lei, quando esta refere o cordeiro pascal que os judeus comem na noite de véspera do 14 do mês de Nisan, no seu ano lunar, guiado pela Lua Nova de Março-Abril. Esse é o dia da Páscoa judaica, dia da imolação de cordeiros no Templo de Jerusalém, o mesmo dia em que Jesus foi imolado na Cruz, na dimensão salvífica da libertação do pecado. A Páscoa cristã recorda também, como a judaica, além do Cordeiro Pascal, a passagem do Mar Vermelho pelo povo de Israel.

Mas como se determina a data da Páscoa cristã, que não é fixa, como o Natal, mas móvel e tão determinante que é das demais festas religiosas? A razão assenta na conexão entre a Páscoa judaica e a cristã. A Igreja determina a data da Páscoa, em cada ano, de acordo com o calendário lunar judaico, diferente do gregoriano (solar). É lunar, de facto, com 354 dias, baseado nas fases da Lua. A cada quatro anos, os judeus intercalam um mês no seu calendário, definido arbitrariamente por ordem do Sinédrio. Na véspera do 15 de Nisan – ou seja, no dia 14 à noite, como é tradição – os judeus comem o cordeiro pascal e o pão ázimo. Nisan é o primeiro mês, refira-se, do calendário judaico. Jesus celebrou a Páscoa – judaica, ou seja, o que designamos como Última Ceia – nesse dia 14 pela noite, morreu na cruz no dia seguinte, 15 de Nisan, ressuscitou a 17 do mesmo mês. Naquele ano da morte do Senhor, o 15 de Nisan caiu numa sexta-feira, logo o 17 no Domingo. Por isso, a Páscoa católica cai nestes dias da semana, embora em datas variáveis.

Mas não foi sempre assim tão claro. Os dois calendários são diferentes, a data da Páscoa acaba por ter sido alvo de controvérsia também. Os judeus cristãos continuaram a celebrar a Páscoa entre o 15 e o 17 de Nisan (fosse este ou não um Domingo), enquanto que no resto do Império Romano era o Domingo o dia em que se considerava que Jesus tinha ressuscitado, logo a Páscoa! O Domingo era a base da celebração, caísse ou não no 17 de Nisan judaico. Aliás, todos os Domingos são celebrativos da Ressurreição.

Mas que Domingo era então o da Páscoa? Pois no princípio nem todos os celebravam a Páscoa no mesmo dia, ou Domingo. No séc. III, por exemplo, considerava-se, segundo o calendário romano, que Jesus morreu a 25 de Março e ressuscitou a 27, com alguns bispos a seguirem este modelo. Mas a Igreja romana persistentemente celebrava a Páscoa no primeiro Domingo depois da primeira Lua Cheia (sempre entre 22 de Março e 25 de Abril) a seguir ao equinócio da Primavera (este sempre 21 de Março), modelo que acabou consagrado para toda a Igreja no primeiro concílio de Niceia (325). Tomando este Domingo pascal como referência, calculam-se as outras festas móveis do calendário litúrgico. Os cristãos ortodoxos celebram a Páscoa noutras datas.

Os cristãos ortodoxos coptas, através do seu Papa Tawadros II, já apelaram mesmo ao Papa Francisco para que se unifique doravante a data da Páscoa. Recorde-se que os cristãos orientais baseiam os seus cálculos da Páscoa no calendário juliano, cuja data de 21 de Março corresponde, no presente século, ao dia 3 de Abril no calendário gregoriano (Ocidente). Deste modo, a Páscoa no Oriente varia entre 4 de Abril e 8 de Maio, inclusive.

A Páscoa não se resume apenas à Semana Santa ou ao Tríduo Pascal, mas ao longo de cinquenta dias a partir do Domingo de Páscoa, até ao Pentecostes (“cinquenta”, em Grego). A Quaresma, preparação da Páscoa, termina na tarde da Quinta-Feira Santa, dando-se a Última Ceia e o início do Tríduo. Sexta-Feira e Sábado Santos são dias de “jejum pascal”, com Vigília Pascal na noite de Sábado para Domingo. Depois vem a Oitava, os “oito” primeiros dias depois da Páscoa, solenidades do Senhor. Aos quarenta dias da Páscoa celebra-se a Ascensão do Senhor e daí ao Pentecostes, dias de preparação para a vinda do Espírito Santo.

«Subiremos montanhas sagradas», até Jerusalém, como fez o Autor da Salvação, para se cumprir a Páscoa, a festa da Redenção onde o sacrifício se torna sacramento redentor. Festa de comunhão, fraternidade, de família, é também tempo de renovação, de caminhar para Jerusalém, de comer «não o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos [pão] da pureza e da verdade (São Paulo 1Cor 5,7-8)».

 Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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