Relações Históricas entre Macau e as Filipinas

Um estranho mútuo desconhecimento

Bernardita Reys Churchill, presidente da Sociedade de História Nacional das Filipinas e da Associação de Estudos Filipinos, por assim dizer a autoridade máxima no que se refere à história do arquipélago, mencionou em tempos (numa conferência a que assisti) o facto de nunca ter sido prestada muita atenção, por parte dos historiadores filipinos, ao período marcado pela chegada dos primeiros europeus, realçando que para além da viagem do conhecido Fernão de Magalhães, o evento mais recordado é o bloqueio a Cebu levado a cabo pelo capitão português Gonçalo Pereira Marramaque no contexto da rivalidade luso-espanhola pela hegemonia do comércio na região em meados do século XVI.

O ténue realce dado à presença portuguesa nas Filipinas explica-se, não propriamente pela falta de material de investigação, já que nos arquivos desse país há muitos documentos que se referem à presença portuguesa – já para não falarmos dos variados escritos portugueses refereciando o arquipélago que António Galvão, cronista do século XVI, registou no papel com o nome de ilhas de São Lázaro, designação dada, aliás, pelo próprio Magalhães – mas sim pela concentração, por parte dos historiadores locais, no período colonial espanhol que teve uma duração de três séculos. Um trabalho que se tem baseado, ainda por cima, na errónea ideia de que durante o domínio espanhol os estrangeiros, à excepção dos chineses, não estavam oficialmente autorizados a permanecer no País. Tem sido provado o contrário. Sabe-se agora que diversos estrangeiros, entre eles os portugueses, comerciavam e residiam, embora ilegalmente, no arquipélago. Era desejável que o futuro intercâmbio de académicos contribua para que a imagem portuguesa fique focada, de uma vez por todas, no panorama da história das Filipinas. Para que tal se concretize trabalham investigadoras como Maria Eloisia P. de Castro e Cynthia Luz P. Rivera, ambas professoras assistentes da Universidade de Santo Tomas em Manila. A Macau trouxeram, em tempos, comunicações relativas a documentos que dizem respeito a portugueses e a Macau e que se encontram nos arquivos dominicanos nas Filipinas. Estão todos microfilmados e constituem uma parte significativa dos arquivos da Universidade de Santo Tomas. O trabalho de Cyntia Luz P. Rivera, por exemplo, centra-se no exame das fontes secundárias das Filipinas (inclusive manuais escolares) das últimas cinco décadas de forma a tentar reconstruir uma imagem coerente de Macau e do Império Português no imaginário colectivo dos filipinos.

Também a leccionar em Santo Tomas, o dominicano Lucio Gutierrez estuda as tentativas de evangelização na China nos finais do século XVI, que teve em Domingo de Salazar, primeiro bispo das Filipinas, um acérrimo propulsor. Macau revelar-se-ia como porta ideal de entrada dos religiosos dessa congregação no Império do Meio, cuja estratégia, porém, se revelou bem menos eficiente que a dos jesuítas. Foram várias as tentativas de incursões, via Macau, de missionários da colónia espanhola filipina nos territórios do Sudeste Asiático, que de uma forma directa ou indirecta, económica-político ou militarmente falando eram fortemente influenciados pelos portugueses.

Recorde-se a figura de Alonso Sanchez, um dos primeiros jesuítas a chegar às Filipinas, em 1581, e que mais tarde, via Macau, atingiria Cantão, conseguindo a confiança dos mandarins locais.

Docente da universidade Ateneo de Manila, Francis A. Gealogo tem investigado o papel dos “macanistas” ou “macaus” de Manila, grupo que pugnava por uma identidade própria e se recusava a ser confundido com os “chinos”.

Embora tenha sido mediada por Portugal, Espanha e a China, a relação entre Macau e Manila proporcionou imensas oportunidades para contactos pessoais e trocas comerciais fora da esfera das políticas de Estado. Durante a proibição do comércio Macau-Manila, após a Restauração, os mercadores recorreram a outros portos do Sudeste Asiático de modo a perpetuar o trato.

A Santa Casa da Misericórdia fundada em Manila, em 1594, deve-se à iniciativa de alguns portugueses ali residentes.

As duas cidades portuárias transformaram-se em dois importantes pontos estratégicos das actividades ibéricas no Mar do Sul da China. Numa primeira fase como rivais, e numa segunda fase, pós-União ibérica em 1581, sob a égide de Filipe II, como uma espécie de aliados à força. Macau e Manila eram importantes portos de comércio e diplomacia, mas também pontos de difusão missionária.

A chegada dos holandeses na região foi bem sucedida na Indonésia, onde a presença portuguesa era escassa. Porém, a norte, apesar de estabelecerem centros de operação no Japão e na Formosa, nunca se conseguiriam impor. Essa rivalidade espanhola-holandesa e a função estratégica da Formosa está bem demonstrada no mapa de Pedro Barreto (1636) patente no Livro do Estado da Índia Oriental.

O mercador macaense Salvador Dias, aprisionado pelos holandeses em 1622 quando viajava para Manila, após vários meses em Taiwan conseguiu escapar para Macau levando consigo preciosa informação acerca dos rivais calvinistas. Convém salientar que seriam mal sucedidas todas as tentativas de união de esforços entre Manila e Macau para lutar contra os holandeses durante o período de União ibérica. Destaque-se, nessa época e nessa região, o papel de Duarte Gomes Solis, mercador português de origem judia, cujas propostas pragmáticas de mercantilismo contrastavam contra a situação de decadência anunciada do Império Português.

Joaquim Magalhães de Castro

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