Regatas de Grandes Veleiros – 3

Navio-escola Sagres, uma embaixada ambulante

Publicámos, no mês passado, duas reportagens sobre a participação do navio escola Sagres em dois importantes eventos náuticos a nível europeu, o Armada de Rouen, em França, e o Sail Den Helder, na Holanda. Esta semana, ainda enquadrado nesses eventos, salientaremos o papel diplomático do navio-escola que ainda recentemente, aquando os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, foi a casa de todos do portugueses na capital carioca.

Logo no dia da chegada a Rouen o comandante da Sagres, Nuno Sardinha Monteiro, teve que se desdobrar em entrevistas, fosse para a Rádio Figo, emissora local, a prestigiada Radio Alfa, de Paris, ou ainda a Radio France International, só para mencionar algumas, tendo a viagem deste ano suscitado também o interesse dos media nacionais, no caso, o programa matinal de José Candeias, na Antena 1, e o jornal I, que dedicou ao assunto umas centrais.

Dias depois, a 13 de Junho, seria a vez da France 3, uma das mais importantes estações televisivas de França, com estúdio montado no recinto, fazer um directo no seu jornal da noite, programa com grande audiência. Isto, a propósito da cerimónia da oficialização da Academia do Bacalhau de Rouen, que foi, sem dúvida, a par com a habitual recepção do 10 de Junho, com 250 convidados, a mais relevante actividade da Sagres nesse porto francês. O testemunho seria passado pelo presidente da Academia de Bacalhau de Joanesburgo, Mani Sampaio, e contou com a presença do embaixador português em Paris e centenas de pessoas dos mais diversos sectores da sociedade que puderam assim matar saudades de Portugal.

 

ACADEMIA DO BACALHAU E FESTA A BORDO

Na tarde e noite de Santo António não houve sardinhas, mas houve fiel amigo, em forma de bolinhos e num “à Brás” de comer e chorar por mais, e ainda o inevitável pastel de nata, que, desde logo, espicaçou a curiosidade gastronómica de muitos dos presentes reunidos em convívio no tombadilho e no poço sob um toldo providencial. Um total de quatrocentas pessoas, franceses e portugueses, naquela que terá sido, porventura, uma das maiores recepções a bordo do navio, e que seria abrilhantada pelo cantor português radicado em Paris, Toni do Porto, senhor de uma excelente voz e notável versatilidade na interpretação. A festa acabaria com bailarico na mais fiel tradição lusitana. Pode-se dizer que a quinta presença da Sagres em Rouen foi o concretizar de um sonho antigo de José Stuart, o sempre prestável cônsul honorário português nessa cidade.

Aberto a visitas, diariamente das dez da manhã à meia noite, à excepção de 10 e 13 de Junho, a Sagres foi um dos navios que mais oportunidades deu a quem o desejasse visitar. E a afluência acabaria por ser, como se esperava, bastante grande, tendo sido atingida no último dia a marca histórica de 19 mil visitas diárias.

Ao longo da semana foram muitas as manifestações de apreço pela barca (e até de carinho), não só da parte dos imigrantes lusos há muito radicados na região, como também dos franceses, que, frequentemente, pediam para serem fotografados junto aos membros da guarnição ou de alguns dos símbolos maiores da barca, como a roda do leme ou o sino. Entre os espontâneos que subiram a bordo, de destacar alguns entusiastas que ali tinham estado em edições anteriores e prometiam continuar a estar em edições futuras, elementos de ranchos folclóricos locais e populares anónimos que, em vez das costumeiras T-shirts da selecção nacional, como elo identificador da portugalidade, muniram-se da concertina e da pandeireta, transformando assim a visita numa festa com sabor popular.

Do programa oficial constou também um jogo de futebol amigável, entre as equipas da guarnição e da comunidade portuguesa de uma das freguesias de Roeun, uma corrida matinal com atletas de todos os navios e, por fim, o desfile-parada a preceito das guarnições pelo centro histórico da cidade, que contou com a presença de grupos de percussão locais, diversas confrarias e 130 crianças em idade escolar.

 

UM PATRIMÓNIO ASSUMIDO E ACARINHADO

Na etapa seguinte, no porto holandês de Den Helder, contrariamente ao que estava previsto no planeamento, a Sagres acabaria por ficar atracada na nova doca da base naval, não junto ao Santa Maria Manuela, antigo bacalhoeiro português, mas sim ao lado do Sedov, o maior veleiro do mundo, que viria a ser protagonista do primeiro e único incidente do evento, ao abalroar a nau alemã, Lisa von Lubeck, destroçando-lhe a popa e danificando seriamente o gurupés.

Mostravam também os seus atributos, nessa montra principal, o navio-escola brasileiro Cisne Branco, os “gigantes” Dar Mlodziezy e Mir, rotineiros vencedores de regatas, e o sempre exuberante e mui mexicano Cuathemoc, onde se ouvia em permanência música em alto som.

Digamos que esta era a linha da frente do festival. Para completar a visita, havia que atravessar duas pontes levadiças e percorrer novo molhe, onde, de um lote de vários veleiros, se destacavam os ilustres e muito visitáveis Gothenborg (réplica de um navio sueco naufragado em finais do século XVII), e os franceses Belem (que transportava cacau do Brasil para a Europa) e o Etoile du Roi, navio corsário vedeta de cinema já por diversas ocasiões.

Em toda a extensão do recinto deparávamos com barracas de comes e bebes onde, a troco de bilhetes pré-comprados, eram servidas salsichas, batatas fritas, pizzas e arenque cru, tudo com muita maionese, mostarda e ketchup. Raras eram as barracas com produtos alusivos ao festival, raros os artistas de rua e os vendedores ambulantes, como acontecera em Rouen. Havia a destacar a presença de plasmas gigantescos transmitindo vídeos promocionais da Marinha holandesa, que assim aproveitava para dar a conhecer as suas actividades, esperando certamente recrutar pessoal que engrossasse as suas fileiras.

Uma das características deste festival foi a total ausência de filas para a entrada nos navios. No melhor dos três dias, quando a intempérie deu algumas tréguas, a Sagres registou quatro mil visitas, embora em todo o recinto não chegasse sequer a haver uma aglomeração digna de registo. Mesmo assim, esse foi a único dia em que o local assumiu um aspecto festivo.

De quando em vez, entre os visitantes, alguém dava a conhecer a sua origem lusa e o nosso embaixador em Haia teve a cuidado de fazer uma visita de carácter privado, até porque não fora programada qualquer cerimónia ou recepção oficial a bordo que tivesse como destinatário a comunidade portuguesa.

Nos estaleiros navais de Willemsoord, exemplarmente requalificados, agora como zona de lazer e polo museológico, com cafés, restaurantes, museus, passadiços e espaço de sobra para caminhadas, encontravam-se alinhados os veleiros de classe inferior, caso do sueco Falken, do polaco Iskra, ou do francês Belle Poule, todos pertencentes à Marinha dos respectivos países. Mais adiante, ao longo de um dos canais que atravessam Den Helder, dava gosto ver o amontoado de embarcações, veleiros ou não, qual deles a mais bonita, a mais arranjada, prova provada do empenho com que este povo do norte preserva as suas tradições marítimas. Podemos apontar-lhes muitos defeitos, mas neste capítulo temos tudo a aprender com eles; e um longo caminho a percorrer se alguma vez optarmos por fazer algo do género.

Foi na doca de Willemsoord, numa área assinalada por uma gigantesca roda de parque de diversões e uma tenda gigante, que se desenrolaram algumas das actividades paralelas, como o teatro de rua, tendo sido anulada, devido ao meu tempo, a tão aguardada corrida de barcos dragão. A festa da guarnição decorreu num dos hangares ali próximos, na denominada Katedral, mesmo por detrás do café restaurante Kade 60, um dos poucos locais com WiFi gratuito. Apesar das prévias promessas da organização, que aos quatro ventos anunciou abundância de hotspots, a verdade é que raramente se conseguia aceder à Internet de uma forma aceitável.

Partiria da doca de Willemsoord a parada das guarnições que, ao longo de duas horas, percorreria as ruas dessa cidade de 58 mil habitantes, só que, desta vez, a habitual pompa dos marujos mexicanos foi totalmente ofuscada pelos batuques carnavalescos dos representantes do Cisne Branco, que cativaram a população local.

Com o cancelamento das corridas de barcos dragão, por mais estranho que pareça, primaram pela ausência as iniciativas de cariz desportivo no Sail Den Helder 2013.

Joaquim Magalhães de Castro

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