REFLEXÃO PARA AS FÉRIAS

REFLEXÃO PARA AS FÉRIAS

A vida sem disfarces

Habituados, sem dar por isso, a que a distância, a partir da Ásia, sirva de muralha invisível a muito do que vai acontecendo em solo luso, no quotidiano concreto das pessoas a quem estamos ligados, o reatar de laços mais próximos pode constituir surpresa, ao retornarmos narrativas interrompidas das suas vidas.

A morte colheu uns e não sabíamos. A doença incurável atingiu outros e a nossa impotência é absoluta perante o irremediável.

A velhice e suas mazelas domina agora a vida de gente amiga que nos habituáramos a considerar “eternas”, porque sempre presentes no nosso horizonte, e de que agora antevemos o fim para breve.

E por tudo isso, e pela necessária (re)leitura da vida a que tudo isso nos impele, aqui partilho hoje um pouco das coisas sobre que converso comigo.

O DIÁLOGO ENTRE OS NOVOS E OS VELHOS

Bem sei que entre novos e… menos novos, há uma espécie de distribuição natural de tarefas. Os primeiros vivem intensamente todas as descobertas, nessa (feliz) ilusão de imortalidade, tão necessária (mas tão enganadora) para que viver seja possível. Os segundos, os menos jovens e os muito menos jovens, procuram pelo seu lado inserir tudo o que viveram nas lógicas (tantas vezes indecifráveis) do tempo e do espaço…

Qual o sentido de tudo isso, de tudo o que se viveu? Ah, essa é a verdadeira, a única questão, a decisiva… “que sentido para tudo isso?”.

Neste Verão que continua, por entre as multidões nas praias da moda e dos clubes nocturnos até de madrugada, a vida reclama os seus direitos e fala mais alto. É que, na sua aparente normalidade, na fluidez ininterrupta dos dias, inscrevem-se todas as histórias AUTÊNTICAS, bonitas ou tristes, felizes ou penosas, da existência de cada um de nós.

E o reencontro com os Amigos, no Verão que prossegue, é também uma forma incontornável de completar narrativas de vidas reais de que conhecemos os capítulos anteriores.

E à medida que os anos avançam, mais consciência se tem de que nós e os outros, os outros e nós – não somos telas de uma exposição que se vejam de longe, para ser melhor apreciadas, mas uma realidade em carne viva…

…que tem emoções, tem sonhos, tem sentimentos, tem ilusões, sofre de solidão… e que é de toda essa complexa argamassa que se faz o ser humano.

 

A QUESTÃO DECISIVA

 

E repito a questão primeira: e o sentido de tudo isso? Pois essa é a verdadeira, a única questão, a decisiva.

À visão do homem acorrentado nas suas dúvidas preferi, na vida como na literatura e na cultura em geral, a visão do homem guiado por uma força, por uma luz (por uma energia se se preferir) nessa grande aventura de me continuar a maravilhar. Maravilhar como uma criança, teimando em ter o monopólio das perguntas e não necessariamente o das respostas. Aceitando perguntar sempre, para poder responder às vezes.

E digo “preferi” porque sempre pensei que, no modo de o homem se interrogar – e interrogar o que não vê mas pressente – estão muitos princípios de resposta. Quer dizer: considerei como óbvio que, se o ser humano é o único ser vivo que se interroga sobre o sentido da sua existência é porque, de uma forma ou de outra, a resposta lhe é acessível. E, como se trata com a aragem que me acaricia a pele, não esperei ver o vento para acreditar nele. Senti-o!

Ao cepticismo reticente, hesitante, mas também desafiante, preferi pois o mergulho fundo nesse mar amniótico de procura da satisfação dos desejos mais recônditos, de auto-superação e de realização. E foi nesse mergulho profundo que percebi ser afinal aí que cresciam asas para os muitos voos, nos firmamentos que coroam a aventura humana.

E desde então digo para mim mesmo: o desespero está-te vedado, está-te proibido!

ENTRE CONHECIMENTO E SABEDORIA

E também percebi que o cepticismo é uma ferida do intelecto não facilmente curável, porque o vamos gangrenando com o conformismo social na descrença – crer é ser fraco, rezar é de beatas, ajoelhar-se é estar derrotado…

…referindo a tudo isso a intuição incompleta de alguma filosofia, de alguma cultura, de alguma ciência, sempre incompletas… mas que passam por CONHECIMENTO.

(O que o homem conhece leva-o a duvidar. Só que sabe pouco até para duvidar totalmente – tenho-me dito eu).

E decidi então que a Arte não tem para mim um fim em si mesmo; a filosofia tem que ser um caminho em direcção a uma meta; e que a ciência e a cultura são companheiras da mesma jornada de procura da verdade… OU NÃO PRESTAM!

É assim, creio eu, que o homem domina a cultura, a filosofia, a ciência e a arte – e não é dominado por nenhuma delas. E a isto poderei chamar SABEDORIA.

(O que me interessa ver muitos quadros, se não consigo ver para além das telas? O que me interessa ler muitos livros, se nada me fica de definitivo que transcenda cada livro lido? E o que me interessa cada ideia em filosofia que morre com o autor ou que, como nefasto legado, continua como ele, e depois dele, a semear ódios em vez de harmonia?

No fundo, é a sabedoria que nos dá o sentido, a direcção. Porque tendo dúvidas, a sabedoria caminha confiadamente pela estrada humilde das certezas que tem. A sabedoria é uma criança que anda pela mão de Alguém…

E a inimiga da sabedoria qual é? Para um certo estrato, ou a partir dele, é a Auto-suficiência intelectual… que para mim, desconhecendo os nossos limites, é afinal um “pecado” contra a inteligência.

Se é pouco inteligente, ao corredor de meia-maratona, correr a maratona inteira sem preparação extra. Ou pretender a criança encher um copo de água com toda a água do mar…, diria que do mesmo modo é pouco inteligente olhar o infinito com óculos de ver ao perto. É preciso pois outros “óculos” para ver o Infinito de Deus.

O rosto da Sabedoria? A Sabedoria tem um rosto humano. Um rosto humano que, segundo a minha Fé, é também o rosto humano do Divino. Chama-se Jesus.

NUMA MORADA CONHECIDA

Fui visitar Sua Mãe, um dia destes, ao lugar conhecido onde ela habita em Portugal. É uma casinha modesta, ladeada por duas igrejas magníficas, unidas por uma vastíssima esplanada onde cabem milhares de pessoas.

Apesar da grandiosidade do lugar, a modéstia da capelinha (assim lhe chamam) permite conservar a delicadeza da presença da Senhora. Ali conversei com ela, por longos minutos, sobre a aventura extraordinária que a une a nós há dois mil anos.

Carlos Frota

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