O “Pai Nosso”: o pão nosso de cada dia nos dai hoje

REFLEXÃO

O “Pai Nosso”: o pão nosso de cada dia nos dai hoje

Diariamente, rezamos o Pai Nosso: a oração. Há duas versões nos Evangelhos: a versão de São Mateus (cf. Mt., 6, 9-15) e a versão de São Lucas (cf. Lc., 11, 1-4). A versão de São Mateus é a que todos os cristãos rezam.

A versão de Lucas do “Paternoster” é mais curta do que a de Mateus, que é a nossa oração quotidiana. No entanto, abrange também toda a nossa vida: leva-nos primeiro a Deus, Nosso Pai; depois, a nós próprios – às nossas necessidades e às dos nossos vizinhos. Para as nossas necessidades actuais: dá-nos o pão nosso de cada dia. Aos nossos pecados passados: perdoai-nos os nossos pecados. E às nossas provações futuras: não nos deixes cair em tentação, ou seja, ajuda-nos a vencê-las (cf. W. Barclay, In Lc., 11, 1-4).

Nesta coluna, gostaria de reflectir, em primeiro lugar, sobre as duas primeiras palavras: “Pai nosso”. Em segundo lugar, sobre a petição: o pão nosso de cada dia nos dai hoje.

O PAI NOSSO

Dizem-nos que “no Antigo Testamento Deus é chamado Pai por onze vezes, enquanto no Novo, 261 vezes; destas, 167 pelo seu Filho Unigénito” (J. M. Cabodevilla, “El hijo pródigo”).

Santo Agostinho afirma: “Se quisermos rezar com razão e conveniência, não devemos dizer outra coisa senão o que está contido nesta oração do Senhor”. O bispo de Hipona acrescenta: “No Pai Nosso, Jesus reza por nós como nosso sacerdote; reza em nós como nossa cabeça; é invocado por nós como nosso Deus”.

A característica mais incrível da oração é chamar ao nosso Deus, Pai, nosso Pai em quem – como seus filhos – confiamos, de quem dependemos e a quem obedecemos. São Cipriano fala maravilhosamente de Deus como nosso Pai, e sublinha que Deus não é apenas o meu Pai, não é apenas o teu Pai, mas o nosso Pai. Somos uma família, uma estreita família espiritual de irmãos e irmãs: a Família Cristã.

Uma graça maravilhosa: Deus é nosso Pai! Jesus ensina-nos: A ninguém na terra chameis vosso pai, porque só tendes um Pai, que está nos céus (Mt., 23, 9). O Senhor ressuscitado disse a Maria Madalena: “Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: ‘Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus’” (cf. Jo., 20, 17).

Certamente, escreve Cabodevilla, “seria a mesma coisa chamar-lhe Mãe do que Pai, dizer que Deus é Pai ou dizer que Deus é Mãe”. Santa Teresa escreve na sua “História da Alma”: “Deus é mais terno que uma mãe”. Em rigor, Deus não é nem pai nem mãe, nem masculino nem feminino: “Ele está para além da nossa linguagem; Deus é sempre ‘o Outro’” (Sebastian Fuster, OP, “Padre mío y Padre vuestro”), o “totalmente Outro”. O Pai Nosso aponta para duas palavras essenciais na nossa vida cristã: Filiação e Fraternidade. Pela mão de São Tomás de Aquino, expliquemos estas duas palavras-chave.

(1) Deus é nosso Pai. Porquê? Responde São Tomás: Criou-nos de um modo especial, isto é, à sua imagem e semelhança; governa-nos como “senhores de nós mesmos”; adoptou-nos como seus filhos, e assim partilha connosco a sua herança – a sua graça e o seu amor nesta vida e o céu na outra vida.

(2) Somos filhos de Deus, filhos adoptivos. Por isso, devemos honra ao nosso Pai: honramo-lo dando-lhe louvores, purificando o nosso corpo e julgando o nosso próximo com justiça. Devemos ao nosso Pai a imitação, que consiste em amá-lo, em usar de misericórdia e em sermos perfeitos como Ele é perfeito e santo. Devemos ao nosso Pai a obediência, porque Ele é o nosso Senhor, e devemos imitar o seu Filho que lhe obedeceu até à morte na cruz: a obediência faz-nos bem e, como o Rei David, devemos dançar com grande alegria: “Dançarei diante do Senhor, porque ele me escolheu” (cf. 2 Sam., 6, 21-22). Devemos ao nosso Pai divino a paciência, quando o sofrimento nos visita.

(3) Deus é também o Pai do nosso próximo. O que é que devemos ao nosso próximo? Devemos ao nosso próximo – ao nosso irmão ou irmã – (a) amor: quem não ama o seu irmão ou irmã, como pode amar a Deus? (cf. 1 Jo., 4, 20-21). Devemos ao nosso próximo (b) a reverência, porque – como nós – ele é “imagem”, criatura e filho de Deus.

Palavras para nos maravilharmos: “Fico admirada quando vejo que em tão poucas palavras estão contidas toda a contemplação e perfeição, de tal modo que não precisamos de outro livro, mas de estudar este [o Pai Nosso]” (Santa Teresa de Ávila, “Caminho de Perfeição”, 37, 1). A mística acrescenta: “A oração leva ao perdão. Conhecendo as nossas fraquezas, continuamos a rezar uns pelos outros”.

DAI-NOS O PÃO NOSSO DE CADA DIA

Reflectimos agora sobre a petição do Pai-Nosso “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Espiritualmente, pão significa o Pão sacramental e o Pão da Palavra de Deus. Ambos, a Eucaristia e a Palavra, são para nós essenciais e conduzem, em particular, à partilha do pão material de que todos precisam. Dá-nos o pão nosso de cada dia recorda-nos que “tudo o que temos vem de Deus”. Dá-nos diariamente – a ti, a mim e a todos – o pão de que o nosso corpo necessita. Somos instrumentos de Deus para dar a Sagrada Eucaristia e a Palavra de Deus, e para partilhar o nosso pão com aqueles que não têm pão.

No final, seremos interrogados sobre o nosso amor – ou a falta dele – pelos “pequeninos”, ou seja, os pobres, os doentes, os abandonados. Jesus está verdadeiramente presente neles, e é-nos pedido que o vejamos neles. De facto, “o primado pertence à nossa relação com Deus, mas não podemos esquecer que o critério último com que a nossa vida será julgada é o que fizemos pelos outros”, sobretudo pelos “pequeninos”. Palavras de Jesus: “Tive fome e destes-me de comer”; “O que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos, é a mim que o fazeis” (Mt., 25, 40.45). Neste contexto, o Papa Francisco convida-nos a viver “uma vida simples e austera” e a partilhar com os mais necessitados (Gaudete et Exsultate, ou Alegrai-vos e exultai, 70, 104, 105).

Jesus está presente nos pobres e também – que consolação – naqueles que estão próximos dos pobres. São Vicente de Paulo: “Como Deus ama os pobres, ama também os amantes dos pobres”. Nós, que não somos pobres, tentamos, com paciente perseverança, ser amantes e amigos dos pobres e marginalizados.

A história da menina pobre e do padre. Um padre viu uma menina a passear na rua: era muito pobre – malvestida, claramente esfomeada e suja, muito magra; uma visão lamentável, de facto. Todas as noites, o padre perguntava a Deus: Por que não fazes nada? Durante muitas noites, o Bom Deus manteve-se em silêncio. Finalmente, uma noite, Deus respondeu-lhe: “Sim, eu fiz alguma coisa: criei-te”. Deus, nosso Pai, criou-nos para sermos instrumentos do seu amor universal, principalmente pelos necessitados e pelos pobres.

Pai nosso, que estais no céu, dai-nos hoje o pão nosso de cada dia, e ajudai-nos a partilhar um pouco de pão com aqueles que não têm pão, e o pão da vossa Palavra e o Pão da Vida.

Pe. Fausto Gomez, OP

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