PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 3

PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 3

Os debates religiosos em Fatehpur Sikri

Em 1575 o imperador Akbar organiza uma série de conferências religiosas em Fatehpur Sikri. Inicialmente limitadas a teólogos muçulmanos, depressa incluirão representantes do Hinduísmo, do Jainismo, do Zoroastrismo e, com a chegada dos nossos padres, vêem-se estes, em jeito de teste, envolvidos num acalorado confronto de ideias, coadjuvado pelo próprio Akbar, com um brâmane, um muçulmano, um parsi e um judeu, tendo-se os ditos destacado, há que dizê-lo, pela sua erudição.

Abdul Qadir Badayuni (1540-1615), o primeiro grande escolástico da Índia, tradutor e historiador na corte mogol, ciente do crescente afastamento do Islamismo por parte de Akbar, manifesta grande desânimo, argumentando que tais debates minavam a crença e eram mais nefastos do que as ancestrais quezílias entre sunitas e xiitas. Nem os cacizes se entendiam entre si, havendo-os mais ou menos ortodoxos, e outras “pessoas de opiniões inusitadas e caprichosas” que tinham por hábito adornar o falso com “o traje do verdadeiro”. Elenca, por exemplo, o facto de Akbar claramente favorecer os brâmanes e confirma a presença de “certos monges eruditos da Europa” a quem designa de “Padres” e cuja autoridade máxima, “o Papa”, tem poder para “mudar as ordenanças religiosas conforme julgar aconselhável no momento”, e a cuja autoridade se submetem até a gente coroada. Enfim, Abdul Qadir Badayuni ficou de tal modo deprimido que optaria por se ausentar do tribunal, sofrendo, nas suas próprias palavras, de “dores de parto pela falecida religião do Islão”.

Em contrapartida, o também reputado escolástico Abu’l-Fazl mostra-se desde o início favoravelmente impressionado com a atitude dos padres. Destaca, pela sua sapiência e simplicidade, o “Padri Radif” (Rodolfo Acquaviva), que manteve a serenidade e a compostura face às provocações de alguns dos fanáticos presentes. De resto, estes, sem argumentos válidos, acabariam por desistir “das suas mentiras e jogos sujos” concentrando-se, todavia, em tentar “perverter as palavras dos Evangelhos”. Edward Maclangan lembra-nos que a dita cena vem expressa no Akbarnama (relato épico da vida e obra de Akbar) em forma de ilustração: ali vemos “os Padres sentados numa atitude de grande seriedade, enquanto os seus oponentes se inclinam para a frente e gesticulam furiosamente”. Monserrate dá-nos uma clara ideia do tipo de argumentos empregados:

Rodolfo Acquaviva, que havia estudado o Alcorão, seguiu duas linhas principais de pensamento. Argumentava em primeiro lugar que pelo simples facto de ter sido pré-anunciado no Antigo Testamento o Evangelho se sobrepunha ao Alcorão. Depois, contradizia-se o profeta Maomé ao reconhecer a origem divina do Evangelho recusando simultaneamente a de Cristo.

Discussões posteriores, como nos lembra MacLangan, abordariam “as questões do paraíso na perspectiva de Maomé, testemunhos externos acerca da divindade de Cristo, o mistério da Encarnação e as duas naturezas de Cristo”, assim como a inconsistência do Alcorão quanto à Sua morte. As lermos o “Oriente Conquistado”, de Francisco de Sousa, inteiramo-nos de outros temas de discussão: “o absurdo, por exemplo, da imputação local de que os cristãos adulteraram o texto da Bíblia, a explicação (dada pelo próprio Abu’l-Fazl, para grande satisfação dos missionários) das doutrinas da Trindade e da Encarnação, e a vida pessoal e o pensamento do profeta Maomé”. Como é natural, mostraram-se satisfeitos os padres pela eficiência da sua retórica, porém o vigor do seu ataque criaria imensos anti-corpos na corte mogol, tendo Akbar o cuidado de os avisar para o perigo que corriam.Rodolfo Acquaviva escrevia ao Reitor em Goa, em Setembro de 1580, informando-o da “impossibilidade de evitar a omnipresença de Maomé” naquelas paragens. E, a propósito, contava a história de um muito badalado teste de Fé envolvendo um cristão e um muçulmano entrando numa fogueira cada um deles com o seu livro sagrado. Conta-nos Maclangan que tal provação, “proposta por um faquir chamado Qutb ud-Din”, foi prontamente recusada pelos padres, por a considerarem supersticiosa. Não obstante, informa-nos o insuspeito “aliado” Abu’l-Fazl que “o Padri” propusera o “teste de fogo” e que os muçulmanos, “sem fígado e de coração negro”, o recusaram. Segundo o relato “De Potentissimi Regis Mogor”, do italiano Giovanni Battista Peruschi, o teste fora sugerido a Acquaviva pelos muçulmanos e com o aval de Akbar. Temendo ser acusado de cobardia, o padre explicou ao imperador “que não podia esperar um milagre em seu favor”, até porque tais provações, demonstrava-o a história, eram inconclusivas e “contrárias à Lei de Cristo”. Replicou Akbar, que pretendia com o gesto livrar-se de um indesejável caciz, e contava com os padres para o ajudarem, que a eles nada aconteceria de danoso. O padre Rodolfo, no entanto, recusou-se a participar naquela maquinação, e nada mais se ouviria a esse respeito.

Joaquim Magalhães de Castro

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