Missionárias combatem a mutilação genital feminina

PREFEITURA APOSTÓLICA DE ROBE, NA ETIÓPIA

Missionárias combatem a mutilação genital feminina

Criada por decreto do Papa Bento XVI em 2012, a Prefeitura Apostólica de Robe, na Etiópia, cuja padroeira é Santa Teresa de Calcutá, tem registado nos últimos tempos uma intensa actividade missionária.

Com uma área de 102 mil 769 quilómetros quadrados e uma população de cerca de quatro milhões de habitantes, distribuídos por dois grupos étnicos principais, os oromos e os somalis, a província de Robe é maioritariamente muçulmana, se bem que persistam bolsas de comunidades ortodoxas e protestantes, sobretudo nas zonas urbanas. Os poucos católicos aí existentes congregam-se sob a alçada do capuchinho frei Angelo Antolini, OFM Cap, o actual Prefeito Apostólico.

Pelo facto da Constituição da República Federal Democrática da Etiópia reconhecer um Estado laico – onde a liberdade religiosa é fundamental pilar da sociedade civil – há um clima de tolerância que permite que as conversões de uma religião para outra aconteçam sem consequências dramáticas. Contudo, as infiltrações fundamentalistas islâmicas são cada vez mais frequentes, especialmente na área da Prefeitura Apostólica de Robe, que assiste a Somália, uma das regiões mais instáveis do planeta. Os níveis de pobreza são particularmente elevados; realidade agravada pela falta de estradas, pelo isolamento das aldeias e pela dificuldade em obter água e outras necessidades básicas.

Particularmente activas, as irmãs da Comunidade Missionária de Villaregia têm-se mostrado incansáveis na assistência aos refugiados climáticos vindos da vizinha região de Bale, assolada por uma seca persistente.

A sua aventura começou em Março de 2023, quando visitaram algumas aldeias muçulmanas para ajudar a combater a fome, sendo recebidas de braços abertos. «Para nós», lembra a irmã Teresa Zulla, «isto foi um sinal de que estávamos no caminho certo: tornarmo-nos vizinhos e construirmos relações fraternas».

Junho de 2023 seria um ponto de viragem. A autoridade sanitária local pediu-lhes ajuda no combate a certos “contravalores culturais”, tais como a mutilação genital feminina (que infelizmente afecta mais de noventa por cento das mulheres da região) e o casamento precoce, que ocorre em aproximadamente sessenta por cento dos casos. De imediato, as religiosas da Comunidade Missionária de Villaregia meteram mãos-à-obra, recolhendo e compilando materiais, ilustrações e testemunhos, de modo a preparar um curso de formação na língua Oromo, inicialmente destinado aos líderes das aldeias.

Graças à experiência de alguns amigos e da Agência Etíope para o Desenvolvimento Muçulmano em Adis Abeba, puderam também aprofundar a sua compreensão da perspectiva islâmica sobre tais práticas e verificaram que elas não são mencionadas no Alcorão, nem noutra qualquer fonte islâmica. Antes pelo contrário, os textos sagrados muçulmanos pedem aos fiéis para que “não prejudiquem de modo alguma a criação de Deus”.

«Quando as nossas sessões de formação se tornaram públicas» – acrescenta a irmã Teresa – «mulheres e crianças de outras províncias começaram a entrar em contacto connosco: primeiro as de Laga Hidha, junto à fronteira com a Somália, depois as de Gololcha, perto de Robe».

A iniciativa prossegue agora na província de Dawe Serara, também junto à fronteira com a Somália. Aqui a situação é ainda mais complexa, e nem mesmo as ONG ou instituições públicas têm fácil acesso. No entanto, guiadas pelo desejo de conhecer as pessoas, as irmãs da Comunidade Missionária de Villaregia fizeram muitas amizades locais. Numa dessas aldeias, Hantutu, foram recebidas com grande carinho pelos habitantes locais, «que até nos prepararam uma refeição especial». Foi uma experiência «comovente que nos fez compreender melhor a complexidade da vida naquela região».

Recentemente, a província de Gololcha também solicitou a presença das missionárias em onze das suas aldeias, incluindo Warra Dubee, que faz fronteira com «a nossa prefeitura e onde tais práticas são comuns». Também a já visitada Laga Hidha as contactou novamente, pois querem mais formação e mais apoio material para as mulheres (cadernos de exercícios para os filhos, alimentos e, acima de tudo, apoio para pequenas actividades geradoras de rendimento).

Actualmente, as missionárias concentram as sua actividade em Dawe Serara, Gololcha e Laga Hidha. Mas são infindos os problemas que enfrentam: as longas distâncias, a falta de estradas, o custo do combustível e da manutenção dos veículos, as barreiras linguísticas, os recursos e verbas limitadas, etc. Porém, de cada vez que regressam de uma viagem, cresce dentro das religiosas «o desejo de construir pontes de fraternidade e solidariedade».

Teresa conclui enfatizando o significado especial da iniciativa: «As nossas viagens na região não se medem apenas por números ou estatísticas, mas sobretudo por relações: homens, mulheres e crianças que sentem que alguém está próximo deles, trazendo-lhes não só o necessário, mas também transmitindo valores como o respeito, a justiça e a paz. Quando vemos os sorrisos das raparigas e dos rapazes que aprendem a importância de proteger a sua integridade, quando ouvimos como os líderes das aldeias estão a trabalhar para mudar práticas prejudiciais para as raparigas, percebemos que este é o verdadeiro milagre: uma mudança que vem do coração, mesmo antes da organização».

Joaquim Magalhães de Castro

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