Portugal e os Assuntos Asiáticos

Desinteresse e falta de estudo

Não encontro explicação para o contínuo estado de desinformação em Portugal quanto a matérias relacionadas com sua já ancestral presença no continente em que todos nós, residentes de Macau, escolhemos viver. Países como a Holanda, a França e a Inglaterra chegaram mais tarde à Ásia, e alguns deles, caso da Dinamarca, tiveram nela um impacto praticamente diminuto. Contudo, em todos esses países vemos grandes institutos de Estudos Asiáticos financeiramente suportados pelos próprios Governos.

O alheamento português deve-se com certeza a uma enorme e insistente cegueira política. É costume perdermos oportunidades e andarmos atrasados nestas coisas pelo menos uns vinte anos. Daqui a vinte anos, vão ver, surgirá em Portugal um inusitado interesse por Macau e pelo Oriente a ele ligado, mas será talvez um pouco tarde pois nessa altura estaremos, muito provavelmente, reduzidos a uma curiosidade de carta-postal, como acontece hoje com os kristang de Malaca.

Para além disso, os nossos investigadores produzem material em Português esquecendo-se das línguas estrangeiras. Temos o caso da Espanha e do quinto centenário da viagem de Colombo que foi coisa com repercussão em todo mundo. Produziram-se, inclusive, filmes em Hollywood, resultado de uma agressiva propaganda castelhana. Também é certo que Portugal investiu durante alguns anos, sobretudo através da Comissão Nacional para os Descobrimentos Portugueses, responsável pela colocação de investigadores portugueses nas universidades estrangeiras, pela publicação de materiais em línguas estrangeiras e pela vinda ao nosso país de muitos especialistas internacionais. Se Portugal começou a ter alguma presença científica na área da história das relações com a Ásia a nível mundial deve-se muito a essa comissão. No entanto, e lamentavelmente, foi extinta quando se deveria ter perseverado no tempo.

A propósito, recordo uma conversa tida aqui há anos com o professor investigador Rui Manuel Loureiro, um dos grandes especialistas da relações históricas entre Portugal e essa “Ásia Extrema” de que falava o jesuíta António Gouveia. Dizia-me ele que durante os dez anos de existência da Comissão dos Descobrimentos, de 1988 a 1999, e com o seu apoio, efectuou milhares de acções de formação junto das escolas em Portugal. Seria importante fazer acções de formação idênticas com os professores da Escola Portuguesa do território, que depois poderiam transmitir os conhecimentos adquiridos aos respectivos alunos. As aulas deveriam ser também complementados com palestras acompanhadas de slides, exibição de documentários, etc. Poder-se-ia ainda recorrer ao turismo histórico, com visitas de estudo aos locais por nós percorridos há séculos. E só no delta do Rio das Pérolas, para cingir a questão, há vários.

Do Portugal de hoje, melhor seria nem falar. Temos dez estádios de futebol novos, fantásticos, alguns deles à apodrecer por falta de uso, mas não temos um organismo que verdadeiramente promova a história e a cultura portuguesa no estrangeiro. E a gente deve perguntar-se porquê.

Frequentemente aponta-se o tamanho do País para justificar a nossa falta de projecção a nível mundial, o que é uma enorme falácia. Há países bem mais pequenos com muita maior projecção do que Portugal. A Holanda, por exemplo. Os portugueses, na verdade, pecam por estarem em quase constante crise de baixa auto-estima. Criticam-se muito a si próprios, quando provavelmente não teriam razões para isso. Vejam a histeria que por aí vai em torno da recente visita do Presidente português à ilha senegalesa da Goreia. Só porque Marcelo não fez ali acto de contrição, como a ditadura do politicamente correcto o exige, levou logo com um abaixo-assinado de veemente protesto.

Assim, enquanto continuamos com esse passatempo favorito, o da sistêmica e doentia culpabilização (se calhar faz parte do nossa natureza) os vizinhos, por exemplo, valorizam e promovem tudo que é deles. Os espanhóis são o nosso inverso.

Acho que o ser pequeno não é justificação para não se ser activo, conhecido, respeitado e, sobretudo, para desenvolver trabalho deixando os queixumes de lado. Portugal continua demasiado virado para si próprio e para a Europa quando poderia estar mais virado para África, Ásia, Américas, e tentar alimentar e cultivar esse tipo de sentimentos de ligação a Portugal. Mas isso é um trabalho de décadas. Que deveria começar a ser feito. Ontem já era tarde.

Em Macau, um dos sinais preocupantes é a habitual falta de alunos no mestrado em Estudos Portugueses. Compreende-se que as universidades não se mostrem dispostas a oferecer produtos que não sejam vendáveis, pois os estudantes de qualquer nível de ensino quando vão em busca de formação visam algo que depois possam aplicar na vida futura e profissional. Ninguém vai tirar um curso que não sirva para nada, a não ser que tenha já assegurado os meios de subsistência. Talvez a solução seja tentar integrar os Estudos Portugueses num âmbito mais geral, ou então fazendo estudos comparativos entre a Europa e Ásia incluindo neles uma fatia larga de Estudos Portugueses. Talvez um produto desse estilo chamasse de volta para os mestrados o público estudantil. Em contrapartida, o número de alunos de Português tem aumentado enormemente nos últimos anos, o que é óptimo. Fenómeno que se explica por alguma curiosidade em relação ao Português, e pelo facto da nossa língua representar entrada para a Europa ou para o mundo lusófono. Talvez seja possível fazer alguma propaganda em torno da lusofonia utilizando este tipo de argumentos.

Joaquim Magalhães de Castro

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