PERDÃO, CRUZ, COMPAIXÃO E ORAÇÃO

PERDÃO, CRUZ, COMPAIXÃO E ORAÇÃO

Quatro Vitaminas para a Viagem da Vida

Há alguns dias, estava a meditar sobre o meu percurso de vida. Surgiram quatro palavras importantes: Perdão, Cruz, Compaixão e Oração. Convenci-me que estas quatro palavras são excelentes vitaminas de outro tipo para a viagem da vida. Partilho agora a minha reflexão com os queridos leitores.

1. PERDÃO

PERDÃO, uma qualidade do amor ao próximo, significa apagar do nosso coração as ofensas que os outros cometem contra nós. A pessoa que não é capaz de perdoar a quem a ofendeu carrega uma ferida no coração que continuará a escorrer, a menos que seja capaz de perdoar, ou pelo menos esteja no processo dinâmico de perdoar a quem a ofendeu. Perdoar implica curar a ferida, enterrar a ofensa, esquecê-la. “Tenho uma boa memória”, dir-me-ão, “lembro-me bem da ofensa”. Tudo bem, lembras-te da ofensa, mas como uma ferida curada. Resta uma pequena e fina cicatriz sangrenta, mas a ferida já não dói!

De facto, o perdão é uma característica do verdadeiro amor (caridade) ao próximo, que é a outra face do amor e a sua expressão e manifestação, isto é, do amor de Deus no nosso coração. Lembrai-vos: Jesus amou-nos primeiro (cf. 1 Jo., 4, 19).

Rezamos frequentemente a oração que Jesus nos ensinou, ou seja, o Pai Nosso, em que pedimos a Deus Pai: “Perdoai-nos os nossos pecados, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido (a quem peca contra nós)”. Assim, o Deus misericordioso perdoa-nos na medida em que nós perdoamos àqueles que nos ofendem. Estas palavras interpelam-nos constantemente e chamam-nos a pedir ao Senhor a graça do perdão. Jesus cravou estas palavras no nosso coração: Se perdoardes aos outros as suas ofensas, o vosso Pai celestial também vos perdoará; mas se não perdoardes aos outros, também o vosso Pai celestial não vos perdoará as vossas ofensas (cf. Mt., 6, 14-15).

Para resolver os conflitos, para ajudar a acabar com as guerras, é preciso justiça e perdão. A justiça por si só tende a ser uma justiça fria: olho por olho e dente por dente. Esta retribuição implacável deixa o mundo mais sombrio e a serpente do ódio continua a envenenar a vida, e assim a raça de Caim continua! Na verdade, “a prática do perdão é a nossa contribuição mais importante para a cura do mundo” (Marianne Williamson).

2. A CRUZ

A CRUZ, símbolo do sofrimento, é o cajado da nossa jornada de vida que a todos sobrecarrega. Como é importante – essencial – carregar a nossa cruz com uma certa dignidade e uma paciência esperançosa. Para os discípulos de Jesus, carregar a cruz de forma digna e esperançosa tem sempre uma relevância singular. É uma responsabilidade ou obrigação primordial: Se alguém quer ser meu seguidor, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me (cf. Lc., 9, 23). A nossa cruz é – pode ser, se bem levada – o nosso instrumento de salvação.

É importante sublinhar que a cruz não é a palavra principal da nossa fé e da nossa vida cristã. A palavra-chave é o Amor: A caridade, ou o amor de Deus nos nossos corações, alivia o peso da nossa cruz e faz da nossa cruz o instrumento da nossa salvação. Para nós, que seguimos o Senhor Crucificado, morto e ressuscitado da morte, a Cruz de Cristo não nos salva por si mesma, mas fá-lo pelo amor incondicional de Cristo, que carregou a sua Cruz com paciência e perseverança para nos resgatar do pecado e para nos mostrar o caminho do amor que devemos seguir sempre. A Cruz salva-nos? A cruz, em si mesma, é um instrumento horrível de repressão irracional, de sofrimentos inimagináveis – e de uma morte humilhante. “A cruz não salva ninguém, mas Ele [Cristo] fez da cruz o lugar do maior amor, sem eliminar a sua condição de vítima, nem negar o mal que lhe foi feito… Devemos fazer da cruz um instrumento de salvação para o mundo” (Edrien Candiard, “Esperanza para náufragos”, 2024).

Devemos carregar a nossa cruz pelo menos com uma paciência esperançosa e, se possível, com uma alegria amorosa, como os fiéis seguidores de Cristo – os santos canonizados e não canonizados – que disseram e continuam a dizer: Quando a cruz chega, é o Senhor que vem!

A caridade como amor ao próximo implica necessariamente ajudar os outros, principalmente aqueles que são feridos pela fome, pelo ódio, pela injustiça e pela violência, que sofrem cruelmente num mundo hedonista, consumista e belicoso. Durante a Quaresma, especialmente durante a Semana Santa, cantamos: Onde estavas tu quando crucificaram o Senhor? Pergunto-me a mim próprio: Onde é que eu estou quando continuam a crucificar o meu Senhor hoje, quando tantos irmãos e irmãs são perseguidos e crucificados pela razão irracional da sua diferente raça, ou religião, ou cultura, ou filiação política?

3. COMPAIXÃO

A COMPAIXÃO ou misericórdia é uma característica essencial – com a paz e a alegria – da caridade, a virtude teologal do amor. A caridade, como amor divino no nosso coração, é a virtude mais perfeita em geral, enquanto a compaixão – efeito e qualidade da caridade – é a virtude mais perfeita do amor ao próximo.

A compaixão significa simplesmente uma reacção amorosa à miséria do outro que nos inclina afectivamente e eficazmente a fazer algo para remediar a sua miséria, isto é, a sentir o sofrimento do outro e a ajudá-lo a suportá-lo de acordo com as nossas possibilidades limitadas.

A compaixão ou misericórdia é um elemento essencial da vida de Jesus e do seu Evangelho. Deus é compassivo. Jesus é o rosto da compaixão de Deus, e os discípulos de Jesus devem ser compassivos ou misericordiosos. De facto, no fim da vida, seremos examinados sobre o amor. No fim de cada dia, também. Este amor, que é universal e não selectivo, e que se dirige principalmente – como na vida e no ensinamento de Jesus – aos pobres e aos necessitados. É muito claro que a vida e os ensinamentos do Papa Francisco podem ser melhor descritos, talvez, por este texto bíblico: «Com toda a certeza vos asseguro que sempre que o deixastes de fazer para algum destes meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o deixastes de fazer» (Mt., 25, 45).

Estamos a falar, evidentemente, da verdadeira compaixão, porque há outro tipo de compaixão: a falsa compaixão. Um exemplo lamentável de falsa compaixão: pôr termo à vida de crianças ainda por nascer e/ou de doentes em grande sofrimento (aborto e eutanásia). “A compaixão autêntica leva-nos a partilhar o sofrimento do outro” (João Paulo II).

A parábola do Juízo Final não permite qualquer dúvida: “Tive fome e deste-me de comer…”. Senhor, quando é que te vimos com fome ou com sede? O que fizestes aos pobres, foi a mim que o fizestes. Eu sou o pobre! São Vicente de Paulo aconselha-nos: “Sê pobre, ou sê amigo dos pobres”. Assim, “dá aos pobres e darás a ti mesmo” (São Pedro Crisólogo).

4. ORAÇÃO

A ORAÇÃO é muito importante. Embora a coloquemos como a última vitamina do caminho, é de facto a primeira, porque permeia as outras três. Orar significa viver radicalmente e constantemente na presença de Deus e ver o mundo com a visão de Deus.

O Senhor diz-nos, e São Paulo repete, que devemos rezar continuamente e que as nossas orações – de adoração, de louvor, de pedido de gratidão – são sempre ouvidas por Deus nosso Pai (cf. Catecismo da Igreja Católica, Capítulo IV).

A oração é um encontro amoroso com Deus. A nossa oração é vocal e mental, comunitária e pessoal: somos pessoas individuais e discípulos de Jesus, da sua comunidade: a Igreja. O coração da nossa oração – a melhor oração – é a Sagrada Eucaristia como Palavra e Sacramento, fonte e ponto culminante de toda a nossa vida cristã (cf. Vaticano II, SC 12 e LG 11). Os primeiros cristãos não podiam viver sem a fracção do pão, a Eucaristia.

Na oração, adoramos Deus, Uno e Trino. Na oração, recorremos aos santos e, sobretudo, a Maria Santíssima. Todas as nossas orações são feitas por Cristo Nosso Senhor: Ele é o mediador de todas as nossas orações: a Deus, por Cristo e no Espírito Santo.

A oração vocal – comunitária e pessoal – é boa desde que o fiel tenha consciência de quem reza, a quem reza e o que diz. Pode-se chegar à contemplação através da oração vocal atenta, devota, humilde e amorosa.

Precisamos sempre – e hoje mais ainda, talvez, com tanto barulho e pouco silêncio – da oração mental ou meditativa/contemplativa. A oração mental é um encontro especial e uma conversa cara-a-cara com Deus. Deus escuta a voz do silêncio, do silêncio humilde e amoroso.

Tendo em conta a nossa fraqueza, praticamos diariamente a oração de petição. Jesus encoraja-nos: Pedi e dar-se-vos-á… O Pai do Céu dá coisas boas a quem lhas pede (cf. Mt., 7, 7-11). Deus sabe melhor do que nós o que nos convém hoje ou amanhã – ou nunca. Temos de ter a certeza de que só lhe pedimos coisas boas para a nossa vida espiritual e corporal, e coisas boas para os nossos entes queridos e vizinhos. É muito bom e saudável terminar assim as nossas orações de petição: Seja feita a tua vontade. Certamente, a vontade de Deus é a nossa melhor vontade.

Jesus, Deus-Homem, costumava retirar-se frequentemente – mais de vinte vezes estão registadas nos Evangelhos – para rezar, para conversar com o Pai. A oração é – com compaixão – uma qualidade essencial da vida espiritual e moral de Jesus. Deve ser também a dos seus seguidores. A oração é um grande meio de aproximação e de encontro com Deus, que nos encoraja e fortalece para sermos capazes de perdoar sempre, de carregar pacientemente a nossa cruz pessoal e de sermos compassivos com todos, especialmente com os marginalizados nas estradas da vida. A oração, a verdadeira oração, que é humilde, ajuda-nos a ser humildes e a lutar contra o nosso inimigo número um: o orgulho, que costuma ser acompanhado pela sua irmã, a inveja. Santa Teresa de Ávila, a mestra da oração, diz-nos: “Nunca abandoneis a oração. Há sempre remédio para aqueles que rezam”. Madeleine Delbrêl, a mística leiga do Século XX, repetia muitas vezes nos seus escritos: “A oração é o maior bem que podemos dar ao mundo”.

De vez em quando, questiono-me: Continuo a tomar diariamente as minhas quatro vitaminas saudáveis, a saber, o PERDÃO, a CRUZ, a COMPAIXÃO e a ORAÇÃO? Recordo-me, aqui e ali, de perdoar, carregar a cruz, ter compaixão e rezar.

E, para terminar, um último ponto essencial a sublinhar: as quatro vitaminas para o caminho da vida são permeadas, vivificadas pelo amor, pela caridade. O amor perdoa. O amor é compassivo. O amor é orante. E o amor torna a nossa cruz suportável e até alegre. Sim, de facto, eu amo, por isso existo verdadeiramente!

Pe. Fausto Gomez, OP

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