Ecologia e Património. Seguem lado a lado e seria um erro colossal tentar dissociá-las. Tão perfeita é a sua simbiose que não pode ser classificado de Património algo que vai contra os ditames expressos na natureza.
É desejo de Macau, de há uns anos a esta parte, integrar a lista das quinhentas cidades mais ecológicas do planeta. Meta que deixa muitos descrentes com um sorriso sarcástico ao canto da boca. É aqui de tal forma acentuada a concentração de pessoas, edifícios e todo o tipo de veículos motorizados, que só mesmo recorrendo a medidas radicais se poderia transformar Macau numa cidade minimamente aceitável em termos ambientais. A eliminação total dos transportes poluentes no centro histórico é fundamental para concretizar esse desiderato. Não creio que a colocação de canteiros nos separadores das ruas e de potes com flores nos postes de iluminação pública seja suficiente para considerar verde esta urbe que não pára de engordar.
Ecologia tem muito a ver também com aquilo com que os nossos olhos se alimentam. Pouco ou nada se fala acerca da poluição visual, embora seja dos males mais perniciosos, geradora de efeitos colaterais nem sempre mesuráveis, a curto ou médio prazo. Despojar um edifício das suas entranhas poupando apenas a fachada, é, por exemplo, uma forma de poluir visualmente o território, subtraindo a alma que lhe resta.
Como bem sabemos, aos senhores dos jogos de fortuna e azar não os comove “miudezas” como a Ecologia ou o Património como o comprova esta prosa saída da pena da dupla Smith & Hinch: «Apesar de uma montanha ou uma orla costeira poderem ser consideradas mais-valias geográficas para um casino, de um ponto de vista meramente funcional podemos dizer que este é uma estrutura independente de qualquer base de carácter cultural ou natural. Assim que os jogadores se sentam nas mesas para fazerem as suas apostas, o cenário em seu redor torna-se completamente irrelevante».
Desde a atribuição do selo da UNESCO, em 2005, muito do Património continua por revelar ou está simplesmente camuflado. Em contrapartida, é cada vez mais evidente a transmutação da cidade num gigantesco parque-temático.
Outro aspecto a salientar é a inexplicável relutância em utilizar as palavras “Portugal” e “portugueses” por parte dos responsáveis dos assuntos culturais. Diz quem sabe, que no decorrer de todo o processo de candidatura não foi citado uma única vez o nome de Portugal ou desses portugueses que por volta de 1557 teimaram em fazer da península um entreposto comercial cosmopolita, por sinal o primeiro com carácter permanente em toda China.
Por mais que custe admitir a muita gente, Macau é, acima de tudo, uma criação de portugueses. Ou melhor, de uma certa casta de portugueses. E alguns de nós que aqui nos mantivemos sentimos que fazemos parte dessa casta, daí que não possamos admitir branqueamentos da história ou mutilações, mais ou menos cirúrgicas, a uma respeitável entidade com quase meio milénio de existência.
Joaquim Magalhães de Castro