Um balde de água fria
Nas últimas semanas, as notícias que chegavam da Rússia transbordavam de esperança. A aversão da Igreja Ortodoxa contra os católicos estava a dissipar-se, o Papa ia encontrar-se com o Patriarca de Moscovo, a guerra na Ucrânia podia acabar.
Tradicionalmente, os russos associam os dirigentes católicos a colaboradores dos magnatas norte-americanos que odeiam a Rússia, mas essa opinião está a mudar. Quando numerosos cristãos ortodoxos foram raptados pelo ISIS na Síria, o Papa foi a única voz internacional que não se calou até eles serem libertados. Esse gesto passou desapercebido no mundo ocidental, mas representou muito para os russos. Mais recentemente, quando os ortodoxos ucranianos se separaram de Moscovo, a Igreja Católica não aproveitou para negociar uma conversão colectiva ao Catolicismo e, mais uma vez, isso caiu bem entre os ortodoxos de ambos os lados. Finalmente, constataram que a Igreja deseja sinceramente a paz e não a aniquilação da Rússia. Todos estes factores faziam pensar que o VII Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais, de 14 a 15 de Setembro, no Cazaquistão, para promover a paz, seria uma excelente oportunidade de diálogo do Patriarca russo com o Papa. Apesar das dores agudas no joelho, Francisco garantiu que ia ao Cazaquistão e que queria falar com o Patriarca.
Do lado russo, as circunstâncias pareciam facilitar o encontro e o número dois da Igreja Ortodoxa deslocou-se ao Vaticano para acertar os pormenores.
No entanto, devido ao apoio do Patriarca à invasão da Ucrânia, a popularidade deste está tão baixa que quase prefere não sair de casa. Daí que no dia 24 de Agosto a esperança se tenha gorado. Um porta-voz anunciou que o Patriarca desistiu de ir ao Cazaquistão.
Entretanto a guerra prossegue, com milhões de refugiados e milhares de mortos. Uma guerra que, como afirmava a Santa Sé num comunicado há poucos dias, “é moralmente injusta, inaceitável, bárbara, sem sentido, repugnante e sacrílega”.
Terá o povo russo terá coragem de acabar com ela?
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa