Papa pede aos cristãos que não se deixem vencer pela arrogância e mediocridade

Livres da Corrupção

O Papa Francisco pediu aos cristãos para se livrarem da corrupção durante a festividade do Corpo de Cristo. Um problema que vem afectando o Vaticano e contra o qual o Santo Padre tem encetado esforços, com a substituição de altos responsáveis da Cúria Romana. Do outro lado do mundo, o mesmo discurso e as mesmas acções vêm sendo tomadas pelo Presidente chinês Xi Jinping. É a igualdade na diferença.

Logo após ocupar a Cadeira de Pedro o Papa Francisco elegeu o combate à corrupção como uma das prioridades do seu pontificado. Disciplinador e rigoroso em todas as coisas, como é apanágio dos jesuítas, o Sumo Pontífice procedeu a uma profunda reforma na Cúria Romana e nas instituições mais carismáticas do Vaticano. A título de exemplo, a nomeação de Ernst von Freyberg para presidente do Instituto para as Obras de Religião – mais conhecido como Banco do Vaticano – foi o culminar de um processo doloroso para a Santa Sé, cujo resultado foi o afastamento de inúmeras personalidades de lugares-chaves da administração da cidade-Estado.

No passado dia 4 de Junho, durante a homilia da festividade do Corpo de Cristo, o Papa lançou «uma severa admoestação contra a corrupção». Segundo o L’Osservatore Romano, Francisco afirmou: «Jesus derramou o seu Sangue como preço e lavacro, para que nós fôssemos purificados de todos os nossos pecados: para não nos aviltarmos, fixemos o nosso olhar nele, saciemo-nos na sua fonte, a fim de sermos preservados do risco da corrupção. E então experimentaremos a graça de uma transformação: seremos sempre pobres pecadores, mas o Sangue de Cristo libertar-nos-á dos nossos pecados, restituir-nos-á a nossa dignidade. Livrar-nos-á da corrupção. Sem o nosso mérito, com humildade sincera, conseguiremos levar aos irmãos o amor de nosso Senhor e Salvador».

O Santo Padre aproveitou para explicar o conceito de “aviltar”: «Significa deixar-nos contaminar pelas idolatrias do nosso tempo: o aparecer, o consumir, o eu no centro de tudo; mas também o ser competitivo, a arrogância como atitude vencedora, o nunca termos que admitir que erramos, que temos necessidade. É tudo isto que nos avilta, que nos torna cristãos medíocres, tíbios, insípidos, pagãos».

Para Francisco há o perigo de nos “desagregarmos”: «Nós desagregamo-nos quando não somos dóceis à Palavra do Senhor, quando não vivemos a fraternidade entre nós, quando competimos para ocupar os primeiros lugares — os arrivistas — quando não encontramos a coragem de dar testemunho da caridade, quando não somos capazes de oferecer esperança. É assim que nos desagregamos».

Posto isto, qual a solução? O Papa dá a receita: «A Eucaristia impede que nos desagreguemos, porque é vínculo de comunhão, cumprimento da Aliança e sinal vivo do amor de Cristo, que se humilhou e se aniquilou para que nós permanecêssemos unidos. Participando na Eucaristia e alimentando-nos dela, somos inseridos num caminho que não admite divisões. Cristo presente no meio de nós, no sinal do pão e do vinho, exige que a força do amor ultrapasse todas as dilacerações e, ao mesmo tempo, que se torne comunhão inclusive com o mais pobre, sustentáculo para quem é frágil, atenção fraterna a quantos têm dificuldade de carregar o peso da vida quotidiana, e correm o perigo de perder a própria fé».

Na mesma homilia, o Papa lembrou ainda os que sofrem pela fé: «sintamo-nos unidos em comunhão com muitos dos nossos irmãos e irmãs que não têm a liberdade de manifestar a sua fé no Senhor Jesus. Sintamo-nos unidos a eles: entoemos cânticos com eles, louvemos juntamente com eles, adoremos com eles. E veneremos no nosso coração aqueles irmãos e irmãs aos quais foi pedido o sacrifício da própria vida em fidelidade a Cristo: o seu sangue, unido ao Sangue do Senhor, seja penhor de paz e de reconciliação para o mundo inteiro».

 

CHINA: DIFERENTE REALIDADE?

Com as devidas ressalvas, o combate travado pelo Papa Francisco encontra semelhanças na luta anti-corrupção levada a cabo pelo Presidente chinês Xi Jinping.

Embora seja difícil fazer coincidir o modus operandi dos dois líderes, os resultados estão à vista: moralização das instituições, redução do despesismo e julgamento dos prevaricadores, independentemente da sua posição hierárquica.

Eleitos para as respectivas funções com um dia de diferença, Francisco e Xi Jinping herdaram dois Estados mergulhados na lama da corrupção, sendo que os seus antecessores muito fizeram para travar os infractores, independentemente dos cargos que ocupavam nos aparelhos de Estado e do grau de promiscuidade entre a política e os negócios.

O tamanho exíguo do Vaticano e o número reduzido de funcionários que nele trabalham, incluindo leigos e sacerdotes, leva os menos familiarizados a pensarem que o Papa tem a tarefa mais facilitada, em comparação ao homólogo chinês. Esquecem, no entanto, que a Igreja Católica está espalhada pelos quatro cantos do mundo, sendo frequentes os escândalos de corrupção e de índole social. Recorde-se, por exemplo, os casos de pedofilia que abalaram a Igreja Católica nos Estados Unidos e resultaram no afastamento de altas figuras do Clero.

Se anteriormente os tentáculos do Poder Central da RPC estendiam-se pelas províncias do País, concentrando em si as decisões políticas tomadas de Norte a Sul, e de Leste a Oeste, hoje as diferentes realidades administrativas criadas nas últimas décadas – entre as quais Hong Kong e Macau – levaram a um aumento da autonomia dos Governos locais, com consequências nefastas para a vida das populações, fruto da entrada de capitais em catadupa nos cofres dos municípios, sem a devida fiscalização por parte das autoridades nacionais.

Em época de globalização, quando se vão intensificando os esforços a nível mundial para o combate à corrupção, à invasão fiscal e a outras formas de empobrecimento dos países, não deixa de ser curioso que Estados tão diferentes como são a China comunista e o Vaticano tenham encetado uma luta contra a corrupção capaz de auto-reformular a própria organização política.

José Miguel Encarnação 

com L’Osservatore Romano

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