PAIS DA IGREJA (31)

PAIS DA IGREJA (31)

Hilário de Poitiers: “Atanásio do Ocidente” e “martelo dos arianos”

Hoje, o nosso estudo leva-nos para o Ocidente, para a cidade de Poitiers, na Gália (actual França). Foi aqui que Hilário nasceu, entre 310 e 315 d.C., no seio de uma família pagã abastada que o educou nos Clássicos. No entanto, não se contentou com o seu paganismo e defendeu que o homem devia ser feito para algo mais elevado. Era um homem em busca da verdade e, por isso, dedicou-se ao estudo.

Na sua notável obra “De Trinitate” (“Sobre a Trindade”), conta como encontrou o que procurava. “Enquanto a minha mente se debruçava sobre estes e muitos outros pensamentos semelhantes, deparei-me com os livros que, de acordo com a tradição da fé hebraica, foram escritos por Moisés e pelos profetas, e encontrei nestas palavras proferidas por Deus, o Criador, testemunhando de Si próprio: ‘Eu Sou Aquele que Sou’, e ainda: ‘Aquele que É enviou-me a vós’ (Êxodo 3, 14). Confesso que fiquei maravilhado ao encontrar nelas uma indicação tão exacta a respeito de Deus que expressava, nos termos mais adaptados à compreensão humana, uma visão inatingível do mistério da natureza divina. Com efeito, nenhuma propriedade de Deus que a mente possa apreender é mais caraterística d’Ele do que o ser, uma vez que o ser, no sentido absoluto, não pode ser dito de algo que tem um fim ou um princípio, e Aquele que agora junta a continuidade do ser com a posse da felicidade perfeita não poderia ser inexistente nem no passado nem no futuro” (De Trinitate I, 5). Esta descoberta conduziu Hilário ao baptismo, em 345. Torna-se um acérrimo defensor da Santíssima Trindade.

Os fiéis ficaram impressionados com a erudição de Hilário e escolheram-no como bispo em 353 (ou 354), apesar da sua relutância e enquanto a sua mulher ainda era viva. Tornou-se um defensor da divindade de Cristo, lutando contra o Arianismo que se estava a propagar também no Ocidente. Foi durante este período que escreveu a sua primeira obra, “Comentário ao Evangelho de São Mateus”. É o mais antigo comentário a Mateus existente em Latim.

O Imperador Constâncio era adepto do Arianismo, pelo que pediu a todos os bispos do Ocidente que condenassem Atanásio (ver PAIS DA IGREJA nº 24) que, no Oriente, defendia a divindade de Cristo. Hilário recusou-se a assinar a condenação de Atanásio e foi banido para a Frígia (na actual Turquia) em 356. A sua rejeição do Arianismo valeu-lhe assim o título de “Atanásio do Ocidente”.

O exílio de Hilário não foi infrutífero. Aproveitou o tempo para estudar e escrever. Foi aqui que produziu a sua maior obra, “De Trinitate”. Utilizou a sua educação clássica, o seu conhecimento de Grego e o seu amor pelas Escrituras para fazer uma defesa sólida do dogma da Trindade. O Papa Bento XVI sublinhou que, no “De Trinitate”, “a reflexão transforma-se em oração e a oração volta a ser reflexão. Todo o livro é um diálogo com Deus” (Papa Bento XVI, Audiência Geral de 10 de Outubro de 2007).

A presença de Hilário causou assim muitos problemas aos arianos da Frígia. Foi provavelmente por isso que lhe chamaram “martelo dos arianos”. Daí, os bispos arianos daquele lugar pediram ao Imperador que o mandasse de volta para Poitiers, onde foi bem recebido pela sua gente.

É preciso dizer que apesar de sua feroz adesão à doutrina o bispo Hilário fez tudo de acordo com a recomendação de São Pedro: «Reverenciai a Cristo como Senhor em vosso coração, estando sempre preparados para responder a qualquer pessoa que vos questionar quanto à esperança que há em vós» (1 Pedro 3, 15).

Aproveitou a sua própria conversão “para mostrar que não só no Novo Testamento, mas também em muitas passagens do Antigo Testamento, nas quais já aparece o mistério de Cristo, a Escritura testemunha claramente a divindade do Filho e a sua igualdade com o Pai”.

Perante os arianos, insistiu na verdade dos nomes do Pai e do Filho, e desenvolveu toda a sua teologia trinitária a partir da fórmula do Baptismo que nos foi dada pelo próprio Senhor: “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Audiência Geral de 10 de Outubro de 2007).

Compreendeu que “se alguns trechos do Novo Testamento poderiam fazer pensar que o Filho é inferior ao Pai, Hilário ofereceu regras claras para evitar interpretações desviantes: alguns textos da Escritura falam de Jesus como Deus, outros ao contrário põem em realce a sua humanidade” (Audiência Geral de 10 de Outubro de 2007).

Santo Hilário não se limitou a pregar e a escrever. Compunha também hinos, através dos quais podia comunicar a fé ao povo de Deus.

Este santo morreu em Poitiers, em 367, segundo São Jerónimo.

Pe. José Mario Mandía

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