João Crisóstomo: o pregador mais destacado do Antigo Oriente
Dos Pais da Igreja que estudámos até agora, três são considerados Grandes Padres (ou Pais) do Oriente: Atanásio, Basílio Magno e Gregório de Nazianzo. Hoje vamos conhecer o quarto Grande Padre do Oriente: São João Crisóstomo (349-407).
O seu verdadeiro nome é João de Antioquia (actual Antakya, no Sul da Turquia), mas a sua eloquência valeu-lhe a alcunha de “Crisóstomo”, que significa “boca de ouro”. João foi o escritor mais prolífico e o orador mais eloquente entre os Padres gregos – a maior parte das suas obras tem a forma de um sermão. A sua eloquência pode ser comparada à de Santo Agostinho, um dos grandes Padres do Ocidente.
Quando João era ainda criança, o seu pai morreu. A mãe, Antusa, deu-lhe uma formação humana primorosa e educou-o na fé cristã, embora só viesse a ser baptizado em 368. Estudou com Libânio, que era o mais notável retórico da época. Formou João, que se tornou um grande orador de cultura grega.
“Foi um ponto de viragem muito decisivo na vida de Crisóstomo quando, um dia (cerca de 367), conheceu o bispo Meletius. O carácter sincero, ameno e conquistador deste homem cativou Crisóstomo de tal forma que ele começou logo a afastar-se dos estudos clássicos e profanos e a dedicar-se a uma vida ascética e religiosa” (“St John Chrysostom”, “The Catholic Encyclopedia”. Pesquisar em http://www.newadvent.org/cathen/08452b.htm).
Apesar de todo o seu sucesso, João amava a solidão e viveu como eremita durante quatro anos, fazendo penitências rigorosas, a ponto de adoecer e ter de regressar à comunidade cristã de Antioquia.
“O Senhor, explica o seu biógrafo, interveio com a doença no momento certo para permitir a João seguir a sua verdadeira vocação. De facto, ele próprio escreverá mais tarde que, se tivesse de escolher entre os problemas do governo da Igreja e a tranquilidade da vida monástica, teria preferido mil vezes o serviço pastoral” (cf. Sobre o Sacerdócio, 6, 7): era precisamente a isto que Crisóstomo se sentia chamado.
“A intimidade com a Palavra de Deus, cultivada durante os anos do eremitério, tinha amadurecido nele a urgência irresistível de pregar o Evangelho, de doar aos outros o que tinha recebido nos anos da meditação. O ideal missionário lançou-o assim, alma de fogo, no cuidado pastoral” (Papa Bento XVI, Audiência Geral de 19 de Setembro de 2007).
Meletius, bispo de Antioquia, viu em João um potencial. Baptizou-o e, em 381, ordenou-o diácono. O bispo Flaviano ordenou-o sacerdote em 386. “Durante doze anos, de 386 a 397, [João] desempenhou o seu cargo com tanto zelo, habilidade e sucesso que estabeleceu para sempre o seu título como o maior dos oradores cristãos de púlpito. Foi durante esse tempo que ele proferiu as mais famosas das suas homilias” (Quasten, III, pág. 425). Estas homilias eram obras exegéticas sobre o Antigo e o Novo Testamento.
“Crisóstomo coloca-se entre os Padres mais fecundos: dele chegaram até nós 17 tratados, mais de 700 homilias autênticas, os comentários a Mateus e a Paulo (Cartas aos Romanos, aos Coríntios, aos Efésios e aos Hebreus), e 241 cartas” (Audiência Geral de 19 de Setembro de 2007).
“Ali [em Antioquia] desempenhou o ministério presbiteral durante onze anos, até 397, quando, nomeado Bispo de Constantinopla, exerceu na capital do Império o ministério episcopal antes dos dois exílios, que foram um a pouco tempo do outro, entre 403 e 407″ (Audiência Geral de 19 de Setembro de 2007).
João tinha sempre em conta as necessidades dos seus ouvintes. Para além de ser um Pastor exemplar, dava conselhos práticos, como por exemplo: “Desde a mais tenra idade, armai as crianças com armas espirituais e ensinai-lhes a fazer com a mão o sinal da cruz na testa” (Homilia, 12, 7 sobre I Coríntios).
“Depois da infância, vem o mar da adolescência, onde sopram ventos violentos…, pois a concupiscência… cresce dentro de nós” (Homilia 81, 5 sobre o Evangelho de Mateus).
João ensinou que o primeiro filho nascido numa família é “como uma ponte; os três tornam-se uma só carne, porque o filho une as duas partes” (Homilia 12, 5 sobre a Carta aos Colossenses), e formam “uma família, uma Igreja em miniatura” (Homilia 20, 6 sobre a Carta aos Efésios).
Crisóstomo também fez com que os fiéis leigos tomassem consciência da sua missão: “O baptismo fará de ti rei, sacerdote e profeta” (Homilia 3, 5 sobre II Coríntios).
João também reformou a ideia da “polis” grega e propôs uma nova ideia de sociedade que pode ser considerada o início da doutrina social cristã. No centro desta ideia está a ideia de que a pessoa individual é de importância primordial.
“A primazia da pessoa é também a consequência do facto que realmente partindo dela se constrói a cidade, enquanto que na ‘polis’ grega a pátria era superior ao indivíduo, o qual estava totalmente subordinado à cidade no seu conjunto. Assim com Crisóstomo tem início a visão de uma sociedade construída pela consciência cristã. E ele diz-nos que a nossa ‘polis’ é outra, «a nossa pátria está no céu» (Fl., 3, 20) e esta nossa pátria também nesta terra nos torna iguais, irmãos e irmãs, e obriga-nos à solidariedade” (Audiência Geral de 26 de Setembro de 2007).
Pe. José Mario Mandía