Ponto de viragem
A maioria dos Pais da Igreja que mencionámos até agora morreram como mártires durante a perseguição desencadeada por vários imperadores. A situação começou a mudar a favor do Cristianismo quando o Imperador Galério emitiu o Édito de Tolerância (também chamado de Édito de Serdica) em 311. Este édito encerrou oficialmente a perseguição de Diocleciano, no Império Romano Oriental.
Em Fevereiro de 313 d.C., os imperadores Constantino e Licínio emitiram o Édito de Milão, concedendo aos cristãos liberdade de culto. Eventualmente, o Imperador Teodósio (347-395) faria do Cristianismo a religião oficial.
A liberdade religiosa trouxe muitos desenvolvimentos positivos na ciência teológica, na liturgia e na arte.
“O desenvolvimento da ciência eclesiástica é a característica distintiva desta época. Livre de opressão externa, a Igreja dedica-se à preservação da sua doutrina, contra a heresia, e define os seus principais dogmas. É a época dos grandes concílios ecuménicos, e a sua característica saliente, efeito das disputas cristológicas, é uma intensa actividade teológica” (Quasten III, pág 1).
A literatura cristã foi ainda mais enriquecida porque os escritores abraçaram a aprendizagem secular. “Assim, os autores clássicos da Igreja da Grécia, como Basílio o Grande, Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo, combinam uma excelente formação teológica de cultura helénica, com uma eloquência brilhante e um domínio de estilo aprendido nas antigas escolas e academias. Nasceu o humanismo cristão em que a literatura eclesiástica atingiu a sua perfeição” (Quasten III, pág. 1).
A literatura cristã também beneficiou da numerosa correspondência emanada dos escritores cristãos deste período. “Como a maior parte foi composta com vista à sua publicação, mesmo as missivas privadas seguiam as regras estabelecidas pelos estilistas gregos” (Quasten III, págs. 3 e 4). Estas cartas são uma valiosa fonte de informações sobre o período em questão.
Já discutimos anteriormente os primórdios da Escola de Alexandria (cf. PADRES DA IGREJA n.º 14), Antioquia e Cesareia (cf. PADRES DA IGREJA n.º 17). Continuaram o trabalho de interpretação da Sagrada Escritura e de promoção do debate teológico. Na verdade, foi em Alexandria que nasceu a maior heresia cristã daquele período. Esta heresia foi promovida por Ário (256-336), um sacerdote que começou a pregar que Jesus não poderia ter sido Deus, mas sim o primeiro entre as criaturas de Deus. Falaremos mais sobre este assunto na próxima vez.
Com o advento da paz, tornou-se possível compilar uma história abrangente da Igreja. Este trabalho foi iniciado por Eusébio de Cesareia, com a sua “História Eclesiástica”. Tornar-se-ia bispo de Cesareia Marítima apenas um ano após o Edito de Milão. Tal valeu-lhe o acesso à biblioteca teológica da Escola de Cesareia, onde teve acesso a muitos documentos da Igreja, actos dos mártires, cartas, escritos cristãos anteriores e listas de bispos. Viria a citar, de forma extensiva, as obras originais, o que se revelou de grande valor depois que os originais foram perdidos. Eusébio pode ser justamente chamado de “Pai da História da Igreja”.
A liturgia também se desenvolveu com o advento da liberdade de culto. Anteriormente, em tempos de perseguição, a Eucaristia só podia ser celebrada em casas particulares. Com o aumento do número de cristãos, as primeiras igrejas começaram a ser construídas. Surgiram os primeiros sacramentários (missais).
O fim da perseguição trouxe grande progresso, mas porque tornar-se cristão já não era uma coisa perigosa, muitos cristãos tornaram-se negligentes quanto à sua vida espiritual. Isto ocasionou o surgimento do Monaquismo (Grego antigo “monakhós” – “solitário”), sendo que as pessoas renunciavam aos interesses mundanos e se dedicavam aos trabalhos espirituais. A ideia de que alguém pode tornar-se santo enquanto está envolvido em assuntos seculares foi de alguma forma esquecida. Inicialmente, o Monaquismo rejeitou a influência da cultura secular, mas os próprios mosteiros acabaram por se tornar centros de aprendizagem.
Pe. José Mario Mandía