Cartas de André Kim reeditadas em Seul
A Igreja Católica na Coreia do Sul celebra ao longo de 2021 os duzentos anos do nascimento do padroeiro do País. Santo André Kim estudou em Macau e deu a vida pela sua fé aos 25 anos. No âmbito da efeméride, os católicos sul-coreanos querem estender uma mão amiga aos mais desfavorecidos, de um e do outro lado do Paralelo 38. Em Macau, ainda não há planos para assinalar os duzentos anos do nascimento, mas a data não foi esquecida.
O percurso de vida do santo patrono da Coreia e dos católicos sul-coreanos está intimamente ligado a Macau. Para o padre James Ryu Jae Hyoung, actual responsável pela paróquia de São Lourenço, a possibilidade de repetir os passos de quem o inspirou a seguir a vocação sacerdotal é, nada mais, nada menos, do que um privilégio.
André Kim Tae-gon, o primeiro sul-coreano a ser ordenado sacerdote e a ser martirizado pela sua fé, nasceu faz em Agosto duzentos anos e a Igreja Católica na Coreia do Sul deu, no final de Novembro, o pontapé de saída nas celebrações da efeméride. No início do mês, o Instituto Coreano para a História da Igreja associou-se às comemorações com o lançamento de uma edição revista, corrigida e alargada, de uma obra que reúne as cartas escritas por Santo André Kim durante os anos que passou em Macau e na China. Escritas em Coreano, mas também em Latim e Francês, as cartas são elementos fundamentais para se compreender o pensamento do primeiro santo coreano em toda a sua amplitude e inspiraram e continuam a inspirar milhares de católicos na Coreia do Sul. O padre James Hyoung não é excepção. «É uma inspiração não só para mim, mas para todos os sacerdotes sul-coreanos. Santo André Kim é o santo patrono do clero coreano. Quando estamos nas nossas paróquias, quando rezamos, quando trabalhamos em prol dos fiéis, o exemplo de Santo André Kim está sempre presente. Ele ajudou a definir a nossa identidade, a esclarecer qual deve ser o nosso código de conduta, como nos devemos posicionar perante a injustiça», explica o sacerdote coreano a’O CLARIM. «As suas cartas e a forma como ele viveu continuam a ser para mim uma fonte de inspiração», assume.
Coordenada pelo padre Cho Han-geon, presidente do Instituto Coreano para a História da Igreja, a edição revista de “Cartas do Padre André Kim Tae-gon” reúne dezassete das dezanove missivas que o jovem sacerdote, martirizado em 1846, aos 25 anos, enviou ao pai (o também mártir Ignatius Kim), a um professor e a um funcionário do Governo coreano. A obra, com 392 páginas, reflecte a investigação que foi feita ao longo dos últimos 25 anos e reúne material que não foi incluído na monumental biografia de André Kim, lançada em 1996 por ocasião dos 150 anos do martírio do santo.
A reedição das cartas de Santo André Kim é um dos pontos altos do ano jubilar que a Igreja Católica no País começou a celebrar em 29 de Novembro, mas não é o único. A exemplo do que sucedeu na maior parte dos países um pouco por todo o mundo, a pandemia do Covid-19 agravou as desigualdades sociais na Península Coreana e os responsáveis pela Igreja Católica querem transformar as celebrações dos duzentos anos do nascimento de André Kim numa oportunidade para ajudar os mais necessitados, de um e do outro lado do paralelo 38. «A Igreja Católica e os católicos sul-coreanos querem fazer chegar ajuda às pessoas que foram mais afectadas pela pandemia. Há muitas pessoas que perderam o emprego e já não têm sequer dinheiro para colocar comida na mesa. O que me foi dito é que a Igreja e algumas organizações católicas estão a tentar entrar em contacto com os mais desfavorecidos, tanto na Coreia do Sul, como na Coreia do Norte. Parece-me que é uma muito boa iniciativa», considera o padre James Hyoung.
«Na Coreia do Norte não há católicos. Como se sabe, o regime comunista controla todos os aspectos da sociedade. A Igreja tem a perfeita noção de que não será fácil chegar aos mais necessitados, mas se o quisermos fazer, temos de o fazer da forma certa, através do expediente da caridade e dos recursos humanos. Os norte-coreanos e os sul-coreanos são irmãos. Pertencemos a uma única família, queremos ajudá-los e com um pouco de sorte talvez essa ajuda consiga chegar a quem mais dela necessita», acrescenta.
UMA MENSAGEM ACTUAL
Para o padre James Hyoung, a divisão do povo coreano e as provações a que está sujeito demonstram que a mensagem de Santo André Kim não só se mantém actual, como também necessária. «Quando lemos as cartas que nos deixou, não é difícil entender a sua fé, a sua linha de pensamento e as circunstâncias em que viveu. Na Coreia, a Igreja estava sob perseguição por parte do Governo porque o Governo não gostava da mensagem cristã. As autoridades estavam convencidas que a fé católica colocava em risco o primado da tradição e da lei», explica o pároco de São Lourenço. «Durante a dinastia Choson, as únicas influências aceites eram o neo-Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo. A religião católica propunha algo muito diferente e foi por isso que os católicos foram perseguidos e tantas pessoas foram sacrificados. Mas o padre André Kim, uma das coisas que escreveu nas suas cartas, foi a exortação aos católicos para que não tivessem medo, para que tivessem coragem, porque Deus os iria proteger. Estas palavras inspiraram-nos e continuam a ser, para muita gente, uma fonte de inspiração. Na Coreia do Sul, onze por cento da população é católica», recorda Ryu Jae Hyoung.
Em Macau, ainda não há planos concretos para assinalar os duzentos anos do nascimento de André Kim, mas a efeméride não está esquecida, garantiu a’O CLARIMfonte da diocese de Macau.
Nascido em 1821, André Kim Tae-gon foi o primeiro sacerdote católico nascido na Coreia. De acordo com os seus biógrafos, era filho de um casal que se converteu ao Cristianismo. Depois de receber o baptismo, aos quinze anos, o jovem Kim viajou para Macau, onde estudou Teologia e Filosofia.
Ordenado sacerdote em Xangai, André Kim regressou à Coreia em 1842, três anos depois do pai, Ignatius Kim, ter sido martirizado no âmbito das perseguições de 1839. De volta à terra natal, foi incumbido pelos padres da Sociedade para as Missões Estrangeiras de Paris de encontrar uma rota segura para a entrada de mais missionários no País. Em Setembro de 1846 foi detido, torturado e, por fim, decapitado nas margens do rio Han, nas imediações de Seul.
Marco Carvalho