PADRE JOJO FUNG, JESUÍTA E ANTROPÓLOGO

PADRE JOJO FUNG, JESUÍTA E ANTROPÓLOGO

Cooperação e solidariedade na base do sonho chinês mundial

A iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” é o mecanismo de ajuda ao desenvolvimento que mais se aproxima dos valores defendidos pelo Papa Francisco nas Encíclicas Laudato si e Fratelli tutti. A posição é defendida pelo padre Jojo Fung, Bernard Lee e Veronika Sintha Saraswati, investigadores que na quarta-feira participaram no fórum virtual que o Instituto Ricci de Macau dedicou à ecologia integral, ao desenvolvimento e ao futuro do planeta. Ainda assim, os académicos avisam que a China deve procurar escapar ao domínio do capitalismo global e procurar o predomínio de um antropocentrismo excessivo. O jesuíta Jojo Fung – que fala também em nome dos colegas – em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM– Como se verificou durante a COP26, é necessária uma mudança de paradigma em relação a aspectos como as alterações climáticas e o aquecimento global. Pode a China ser sinónimo dessa mudança?

PADRE JOJO FUNG– Através da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, que tem por objectivo promover projectos sustentáveis de alta qualidade, mais limpos e mais verdes, a China assumiu o compromisso de agir contra as alterações climáticas e o aquecimento global, tanto a nível nacional como internacional. A China está disponível para trabalhar com as Nações Unidas, com os Estados Unidos e com a União Europeia. Na Assembleia Geral das Nações Unidas, a 21 de Setembro, o Presidente Xi Jinping anunciou as políticas ambientais da China e elencou os vinte países onde a China investiu cinquenta mil milhões na produção de carvão. A China comprometeu-se a deixar de financiar estes projectos no estrangeiro, sem ter anunciado a redução da produção doméstica de carvão ou o uso de carvão na China. A reunião de 31 de Outubro, em Roma, entre o ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, e Anthony Blinken, deixaram – esperamos nós – as duas nações mais empenhadas numa colaboração mais ampla, visando a luta contra as alterações climáticas, o aquecimento global e o abastecimento de energia. A inexistência de uma parceria a esse nível não impediu a China de prometer que vai procurar reduzir em 1,8 por cento o valor médio do carvão utilizado em centrais termo-eléctricas até 2025, juntando-se assim a mais de 190 países e organizações que se comprometeram a deixar de recorrer ao carvão nos próximos vinte anos. A China já não está ostensivamente ausente do lote de quarenta países que prometeram deixar de usar carvão, o mais poluente dos combustíveis fósseis, num acordo anunciado na quinta-feira, 4 de Novembro, na Conferência sobre o Clima das Nações Unidas. O acordo levou Alok Sharma, o presidente da conferência, a proclamar que o fim do carvão está à vista…

CL– E o que a Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” traz de novo em termos de desenvolvimento sustentável? Como é que a China difere das restantes potências económicas?

P.J.F.– Basta olhar para os projectos que integram a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” na ASEAN e em África. Mas a melhor perspectiva para compreender a “Faixa e Rota” deve ser a explicação do professor Dennis Etler, um analista político que possui um doutoramento em antropologia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e que defende que a China promove o desenvolvimento sustentável, tanto dentro como fora da China, a ponto de as elites governativas ocidentais e os meios de comunicação que lhes servem de porta-voz não quererem reconhecer o facto de que a China eliminou a pobreza extrema, ao passo que cada vez mais pessoas no Ocidente se enredam nas malhas da pobreza. Eles não querem admitir que a China construiu uma rede de infraestruturas moderna, ao passo que eles estão a ficar para trás. Eles não querem confrontar o acto de que o povo chinês apoia de forma esmagadora o seu Governo, enquanto que no Ocidente as pessoas perderam confiança em quem as governa. Não querem aceitar que a China derrotou o COVID-19, ao passo que eles não o conseguiram fazer. Finalmente, têm dificuldade em aceitar o facto de que uma nação não-branca os superou e vai continuar a superar no futuro. Sem a China, a ASEAN e África entram em colapso económico. A China continua a ser a mais valiosa cadeia global para a ASEAN, para África e para a América Latina.

CL– De que forma é que a noção de Ecologia Integral desafia os aspectos tecnocráticas da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”? O que pode e deve a China fazer para corrigir esta abordagem ao desenvolvimento?

P.J.F.– A China está a mostrar ao mundo de que forma a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” incorpora a antiga sabedoria civilizacional de eruditos bem conhecidos como Confúcio e Lao Tze. Por exemplo, a inestimável sabedoria confucionista enuncia que o nosso mundo é o único lugar em comum de que a Humanidade dispõe e perspectiva a construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a Humanidade e, como tal, pugna pela melhoria das condições de vida dos mais pobres nas nações em vias de desenvolvimento do Sul Global, em oposição à mentalidade que é popularmente defendida pelos ocidentais e que se traduz por um jogo em que ninguém lucra, onde eu sou o vencedor e tu o derrotado. Desde Junho de 2016, num processo acelerado pela pandemia de Covid-19 em 2020 e 2021, a China implementou a “Rota da Seda da Saúde”, como um dos esteios da iniciativa “Uma Faixa, uma Rota”. Tal enfatiza a criação de infraestruturas de saúde nas nações associadas à “Faixa e Rota” e o trabalho de resposta a crises de saúde pública, de forma a zelar pela segurança e pela estabilidade social, tanto na China como nos países da “Faixa e Rota” , em particular as populações mais pobres da ASEAN, da região do Mekong e dos países do Sudeste Asiático.

CL– De que forma a Laudato si se pode afirmar como uma alternativa às políticas que as Nações Unidas têm vindo a tentar promover ao longo dos últimos trinta anos? As soluções apadrinhadas pela ONU estão demasiado orientadas para os negócios?

P.J.F.– As Nações Unidas fizeram muito em prol da comunidade global através dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas. A Laudato si é um contributo inspirado que o Papa Francisco oferece à Organização das Nações Unidas. Ao longo das últimas décadas, a ONU aprendeu a absorver aquilo que o académico e activista Vandana Shiva, da Índia, reconheceu como sendo o contributo de comunidades contra-culturais de pequena dimensão. Michael Northcott acredita que estas comunidades são a fonte de resistência ao poder corporativo e recuperação do sentido de lugar, e que a tradição religiosa é, potencialmente, uma poderosa fonte dessa resistência. Valores como a cooperação e a solidariedade estão na base da filosofia das Nações Unidas, da Laudato si e do sonho chinês mundial. Estas comunidades envolvem-se em actividades políticas, que oscilam entre a reconciliação de diferenças, a construção de alianças e de resistência contra a violência centralizada e estrutural da bio-pirataria, esta perpetrada por corporações globalizadas através do patenteamento de sementes, da água, dos óleos essenciais, da biodiversidade e da industrialização da actividade agricultura.

Marco Carvalho

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