«A Igreja ainda pertence aos pobres e aos que são discriminados»
Nasceu nas Filipinas, estudou e foi ordenado sacerdote em Taiwan, e viu a sua vocação cumprir-se plenamente em Macau, onde hoje ensina Doutrina Social da Igreja na Faculdade de Estudos Religiosos e Filosofia da Universidade de São José. Vice-director do Instituto Ricci de Macau, o padre Felipe Bacalso, SJ, fala a’O CLARIM sobre as razões que o conduziram ao Sacerdócio. O serviço aos mais pobres, descriminados e injustiçados, continua a ser a sua principal missão, até porque a Igreja, garante, é a eles que pertence.
O CLARIM – Quando é que soube que queria ser padre? Quando é que o chamamento de Deus se fez ouvir em si?
PADRE FELIPE BACALSO – Estudei numa escola jesuíta e através dessa escola inteirei-me do trabalho conduzido pela Comunidade Juvenil para a Vida Cristã. Nesta organização, os alunos da escola eram expostos a diferentes tipos de apostolado. Um deles pressuponha a participação em visitas semanais a antigos leprosos. Visitávamos a comunidade de leprosos todos os sábados para brincar com as crianças. Os filhos dos leprosos eram perfeitamente saudáveis e, para além de tomar conta deles, também os ensinávamos a rezar. Ensinávamos-lhes orações bastantes simples, o Sinal da Cruz, histórias sobre a Bíblia… Esse apostolado, esses momentos ao serviço do outro, deixaram a semente para algo mais. Comecei desde muito cedo a perguntar a mim mesmo de que forma é que podia ajudar os pobres nas Filipinas. Essa era, na altura, a minha grande preocupação. Eventualmente, chegou um momento em que me comecei a questionar sobre o futuro, a interrogar-me sobre o que poderia fazer depois de concluir o Ensino Secundário. Um dia, funcionários de outras escolas vieram à escola onde eu estudava e conduziram entrevistas. Entre elas estava o representante de um Seminário. Os professores perguntaram se havia alguém interessado em tentar a carreira religiosa, mas ninguém se pronunciou. E foi então que um dos professores apontou para mim e me perguntou se eu não queria, pelo menos, submeter-me ao exame de admissão. À época, o meu interesse não era exactamente o de me juntar à Companhia de Jesus. Era, sobretudo, representar a escola. Submeti-me a exames, passei com bom aproveitamento e foi-me dito que seria aceite no Seminário, caso fosse do meu interesse. Nem sequer contei aos meus pais que tinha feito os exames.
CL – Como é que eles reagiram quando lhes contou?
P.F.B. – Para ser sincero, estava tão assustado que nem sabia o que lhes dizer. Quando lhes disse que tinha feito exames de admissão ao Seminário, ficaram surpresos. Perguntaram-me se era mesmo isso que queria e eu disse-lhes que sim, que sentia que esse era o caminho certo para mim. Sem surpresas, disseram-me para ponderar essa possibilidade. No seu entender, estudar no Seminário e formar um sacerdote era um processo dispendioso. A família teria que gastar muito dinheiro na minha educação. Disse-lhes que talvez conseguisse encontrar alguém que patrocinasse os meus estudos. Se eu conseguisse arranjar um patrocinador – disseram-me os meus pais –, não haveria problema.
CL – Foi exactamente isso que fez, presumimos…
P.F.B. – Sim., foi o que fiz. E isso trouxe-me algum alívio. Pelo menos não estava a agir contra a vontade dos meus pais. A única coisa que necessitava de fazer era encontrar alguém ou alguma instituição que quisesse custear os meus estudos. Acabei por encontrar um mecenas, ainda que as condições não fossem tão clarividentes como estava à espera. Foi-me dito que me podia inscrever no pré-noviciado, mas tinha de me mudar para o Sul das Filipinas, para perceber se o Sacerdócio era mesmo a minha vocação. O processo de formação estava no seu início e era tudo ainda muito pouco claro. Foi-nos dado algum tempo para o necessário discernimento, ao mesmo tempo que prosseguíamos os estudos. Os anos foram passando, concluí os estudos e pensei que o passo seguinte seria o Noviciado, mas foi-me dito que não. Perguntei o que se seguia para mim e foi-me dito que iria para Taiwan, aprender Chinês, sem quaisquer custos. Porque não? E fui para Taiwan estudar Chinês, inicialmente por um período de dois anos, com o objectivo de perceber se a Companhia de Jesus viria a ser ou não a minha família espiritual.
CL – E é em Taiwan que é ordenado! Posteriormente, ruma a Boston, aos Estados Unidos, para estudar Sociologia. De que forma é que o domínio do Mandarim e o Doutoramento em Sociologia ajudaram a fazer de si um melhor sacerdote?
P.F.B. – Para mim, o mais importante foi sempre estar ao serviço dos outros. A educação seria uma das formas de atingir esse objectivo. Como é que poderia ajudar os outros? Através da educação. Apercebi-me que queria ser um educador e seguir o exemplo de muitos dos meus professores. Assumi como missão o trabalho em prol da educação dos mais pobres, dos menos privilegiados. No meu âmago, esperava que a minha vocação se cumprisse através do serviço aos pobres no meu país natal, nas Filipinas, mas foi-me dito que teria que continuar em Taiwan. Percebi que Deus não queria que eu trabalhasse nas Filipinas, pelo menos na altura. Perguntei, então, se podia prosseguir os estudos. O que eu queria mesmo era estudar Teologia pastoral, mas foi-me dito que já havia muita gente a prosseguir estudos nesse campo. E acabei por estudar Sociologia. Ao fim de algum tempo, compreendi que podia usar esse conhecimento para ir ao encontro dos mais pobres em Taiwan, até porque a Sociologia ajudou-me, de certo modo, a formular interrogações de uma forma mais assertiva.
CL – Para além de ser actualmente vice-director do Instituto Ricci de Macau, lecciona Doutrina Social da Igreja na Faculdade de Estudos Religiosos e Filosofia da USJ, cadeira na qual aborda a posição da Igreja face à guerra e às revoluções. A Igreja ainda é uma força revolucionária?
P.F.B. – Partindo da minha experiência como educador, o que lhe posso dizer é que a Igreja ainda pertence aos pobres e aos que são discriminados. E são muitos os que são discriminados dia-após-dia. A Igreja pode não ser forte e influente no que toca a questões políticas, como é o caso em Macau, mas aquilo que podemos e devemos fazer é prestar atenção a quem está na base da pirâmide social, aos que são discriminados e aos que são injustiçados. Em Macau, por exemplo, o que podemos fazer para ajudar as trabalhadoras domésticas? Os imigrantes não estão em igualdade de circunstâncias com os residentes locais. O salário que auferem é muito mais baixo, não estão de todo no mesmo patamar. O que podemos fazer, então, para os ajudar? Não é fácil, mas temos de tentar. Do mesmo modo que temos de tentar ajudar as famílias em crise ou os mais jovens. Em Macau, há tantos jovens que se tentam suicidar. Como é que os podemos ajudar? Se as escolas não os conseguem ajudar, a Igreja deve tentar fazê-lo. Encontrar uma forma de os ajudar pode ser algo revolucionário. Como dizia, talvez a educação, numa perspectiva holística, possa ser a resposta.
Marco Carvalho