PADRE EDUARDO AGUERO

PADRE EDUARDO AGUERO, MISSIONÁRIO DEHONIANO, AO SERVIÇO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO CARMO (TAIPA)

«A pandemia fez com que muitas pessoas se reaproximassem de Deus»

Nascido na Argentina, o padre Eduardo Aguero aprendeu Português, numa questão de meses, para assumir a liderança dos paroquianos de língua portuguesa da igreja de Nossa Senhora do Carmo. Desde então, tem vindo a operar um pequeno milagre: a igreja da Taipa, como é por muitos conhecida, voltou a encher aos Domingos, tendo os fiéis criado um coro e trazido mais amigos e familiares para os desígnios do Senhor. O mérito, assegura o missionário Dehoniano em entrevista a’O CLARIM, é da própria comunidade.

O CLARIM– Vivemos no passado fim-de-semana a maior festa da Liturgia Católica, a Páscoa. É um tempo de renovação, reflexão, e para a comunidade católica é também um tempo de transformação e introspecção, mesmo para os pastores da Igreja. O padre Eduardo orientou um retiro destinado aos sacerdotes da diocese de Macau. Que importância têm estes recolhimentos espirituais?

PADRE EDUARDO AGUERO– Têm o propósito de nos ajudar a reencontrar com Cristo Ressuscitado. É o que é anunciado no Angelus e tudo tem que partir de lá. É um encontro comunitário, mas também de natureza pessoal. Na quarta-feira abordei o Evangelho de São Marcos, quando as três mulheres foram ao Sepulcro e encontraram o Sepulcro vazio. A mensagem do Angelus, no entanto, estava lá e foi suficiente para elas. As três ficaram muito chocadas, muito surpresas, mas era uma surpresa que combinava alegria e medo. É uma experiência de Deus que elas não sabem como comunicar, uma vez que não falaram com ninguém.

CL– É necessário estarmos preparados para esse tipo de surpresa? É importante manter essa capacidade de nos surpreendermos com aquilo que Deus tem preparado para nós?

P.E.A.– É importante manter, sobretudo, uma capacidade de contemplação. Isso é exceder tudo aquilo que podemos esperar, porque Deus vai completar-nos para além do que é legítimo esperar d’Ele. Estas três mulheres iam encontrar-se com um cadáver, com um corpo, mas acabaram por não encontrar ninguém. Foi uma experiência que fugiu por completo às expectativas que elas tinham. A fé é um dom de Deus, mas nós temos que a aceitar. E temos que a aceitar livremente. Sem fé não se pode acreditar na Ressurreição, sem fé não se pode pregar.

CL– A forma como preparou o retiro desta semana foi diferente da forma como preparou o retiro destinado aos paroquianos da igreja de Nossa Senhora de Fátima, no final de Março?

P.E.A.– O que foi diferente foi a temática. O que fizemos no final de Março foi falar da Quaresma, foi preparar a festa da Ressurreição. Falámos do Cristo sofredor. Agora estamos na Ressurreição. O que importa dizer é que estas primeiras testemunhas não eram sacerdotes, não eram apóstolos, não eram homens. Eram mulheres. Elas interrogavam-se a caminho do Sepulcro sobre quem as ia ajudar a rodar uma pedra tão grande. Onde estavam os homens que as deviam ajudar? Estavam com medo. Mas tinham a força do amor. As primeiras missionárias de Cristo Ressuscitado são mulheres. Elas têm a força do amor e são elas que nos vão ensinar o caminho da fé, o caminho do amor. A fé actua pelo amor, diz São Paulo.

CL– É responsável, ainda que de forma provisória, pela comunidade de língua portuguesa da paróquia de Nossa Senhora do Carmo onde, diga-se, conseguiu operar um pequeno milagre…

P.E.A.– Eu estou lá por coincidência, porque devia estar na China, mas não consegui ir por causa da pandemia. Eu não falava bem Português e ainda estou a aprender. Mas a surpresa vem de Deus, não vem de mim. Pura e simplesmente, fui lá celebrar a Missa. Mas é pouco mais do que uma coincidência. Não acredito muito em coincidências, mas o Senhor é quem me mostra o caminho. A pandemia de Covid-19 fez com que muitas pessoas se reaproximassem de Deus e voltassem a cultivar a sua fé. E aos poucos as coisas foram acontecendo. Eles formaram um coro; é uma comunidade que promove muitas iniciativas. É uma comunidade de língua portuguesa, mas que engloba africanos, venezuelanos, colombianos e até chineses que falam Português. É uma comunidade muito viva e que é liderada pelas crianças e pelos jovens.

CL– Acredita, como dizia, que este desafio – que dá pelo nome de Covid-19 – teve a capacidade de fazer com que as pessoas olhassem para Deus de uma outra forma? Aproximou as pessoas de Deus?

P.E.A.– Acho que todas as crises nos convocam a avançar com uma resposta que tem por base a fé. Não podemos ser indiferentes. Estas pessoas são muito solidárias. Falei uma vez na homilia nas necessidades com que se deparam os migrantes e eles ajudaram muito e ainda continuam a ajudar. Não tínhamos actividades direccionadas para a comunidade de língua portuguesa durante o Tríduo Pascal. Só estava marcada a Missa da Ressurreição, no Domingo, mas eles decidiram que algo mais tinha de ser feito: foram eles que disseram, foram eles que planearam. Chamaram a essa iniciativa “o terço das famílias”. Foi uma iniciativa destes leigos, na qual eu me limitei a participar. Eu acredito que os leigos têm capacidade para olhar, para discernir as necessidades que eles têm como comunidade. E eu apoio-os. Estou lá para os apoiar. Foi muito bom. Muito bom!

CL– O que de certa forma está a dizer é que é mais importante o carisma da comunidade, do que propriamente o carisma do pastor que conduz o rebanho…

P.E.A.– O meu trabalho é acompanhar, rezar, meditar e partilhar a fé para que as pessoas se sintam motivadas. A pregação do Padre é a pregação da fé. E eles têm fé. Eu vejo muita fé neles e isso é algo que me motiva. Há na paróquia do Carmo um menino e uma menina e eu faço questão que eles se sentem no meio, porque assim estão durante toda a Missa a olhar para o altar. Isto é algo que me motiva. Prego para eles como prego para toda a comunidade, mas os olhos deles ajudam a concentrar-me, porque estão a falar, com toda a sua atenção, com toda a sua delicadeza. Acho que a comunidade sabe responder. Eu não falo muito, falo pouco. Falo entre cinco a sete minutos, dez por vezes, mas não mais do que isso. As pessoas não necessitam de sermões complicados; têm apenas que amar a Eucaristia. Agora os cânticos, o novo coro, está a motivar muitas pessoas. O coro foi também uma iniciativa deles e tem feito com que pessoas que não iam à Missa apareçam e se sintam motivadas.

CL– Para um missionário, para um sacerdote, este tipo de circunstâncias são encorajadoras? É bom ver uma comunidade crescer…

P.E.A.– Eu próprio estou surpreendido. Nunca pensei que pudesse vir a encontrar em Macau uma comunidade assim. Não é que eu alguma vez tenha feito planos para que isto acontecesse. Os planos são de Deus e das pessoas. Estou muito agradecido ao pároco de Nossa Senhora do Carmo. Ele convidou-me para celebrar Missa lá porque não havia mais ninguém que o pudesse fazer em Português. Eu não sou português, não sou brasileiro. Sou argentino. Aceitei, porque não posso ir para outro lugar. Graças a Deus, gosto muito e estou a aprender com eles também.

CL– Dizia que teve que aprender Português, o que até nem é uma missão muito grande, uma vez que fala várias línguas. Fala Indonésio, Tagalo…

P.E.A.– Não, Indonésio, não. Falo um pouco. Falo Tagalo e falo Cebuano. Também falo Mandarim.

CL– Nasceu na Argentina, é missionário Dehoniano. Como é que um argentino acaba por ir parar às Filipinas?

P.E.A.– Fui para as Filipinas muito jovem, depois de ser ordenado sacerdote. Sempre desejei ser missionário e fui enviado para lá. No âmbito da nossa Congregação temos de nos voluntariar para a missão. Eu escrevi uma carta ao meu Superior e a Congregação enviou-me para as Filipinas. Estive nas Filipinas quase vinte anos e depois fui chamado à Argentina para cumprir serviço diocesano, como formador. Quando terminou esse período, ao fim de seis anos, quis voltar para as Filipinas, mas o que me disseram foi que seria melhor que eu fosse para a China, para onde estava a ser pensada uma nova missão. Eu disse-lhes: «– Mas eu já sou velho». E eles responderam: «Não! Precisamos de uma pessoa com alguma experiência na Ásia». Estudei Mandarim e agora estou aqui.

CL– A China sempre foi um grande desafio em termos de missionação e em termos de evangelização. Sente essa responsabilidade de alguma forma?

P.E.A.– Sinto, mas não estou frustrado. Sei que Deus tem o seu próprio tempo e eu não vou forçar nada. A pedra muito grande que estava no túmulo foi movida e esta também vai ser movida, assim que o tempo certo chegar. E quando esse tempo chegar, eu entro. E se não entrar, ficarei aqui, porque aqui estou bem.

CL– Dizia que não estava à espera de encontrar esta dinâmica em Macau. É uma cidade pequena, mas é uma cidade com várias comunidades que se cruzam, com pessoas de origens muito distintas. É uma cidade desafiante para quem parte em missão?

P.E.A.– Sabe, eu não gostava de Macau. Vou ser sincero. Não gostava de Macau. Estava aqui, simplesmente, para partir para a China. Mas, aos poucos, aprendi a gostar de Macau. E agora gosto muito de Macau. Gosto da gente de Macau. Eu não conhecia bem as pessoas e fomos a uma peregrinação ao Brasil com um grupo de católicos de Macau, macaenses. Eu vi a fé deles. Não podiam passar um dia sem Missa. Tínhamos de procurar uma igreja onde celebrar a Missa: “Não, sem Missa não podemos seguir. Primeiro a Missa e depois o resto”. Ensinaram-me muitas coisas. A fé das pessoas daqui é muito forte e eu acho que o vírus poupou Macau por causa da fé das pessoas. Agora que conheço, gosto de Macau.

Marco Carvalho

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