Opinião

Um outro Primeiro de Maio.

A semana que agora termina sempre foi uma das minhas preferidas em Macau, devido à oportunidade de deixar o território rumo a um destino de praia, a duas ou três horas de avião.

A semana dourada do Dia do Trabalhador traz uma orde, cada vez maior, de turistas do Continente, que aproveitam para entupir, cada vez mais, o já estagnado e apertado espaço que existe na península. Ainda se salva a Taipa e Coloane, que conseguem respirar um pouco, mas mesmo assim as ilhas já não são o que eram antigamente.

A esta distância, de Portugal, vou vendo as notícias que chegam da distante Macau e fico com a impressão que a cidade piora mais e mais em termos de qualidade de vida.

O que sempre me perguntam, quando o território é mencionado pela Comunicação Social em Portugal, é como era possível aguentar viver num espaço tão claustrofóbico. A verdade é que nos anos que passei em Macau, pós e pré-explosão do desenvolvimento desenfreado que veio com o Jogo, sempre houve espaço para respirarmos. No entanto, na última meia-dúzia de anos, pelo que vou ficando a saber em conversas na Internet com amigos e ex-colegas, tal tem sido cada vez mais complicado.

Recentemente tive o prazer de privar com uma amiga de longa data que viveu em Macau (ainda vive, oficialmente) mais de quarenta anos, onde nasceram as duas filhas, e o fio condutor da nossa conversa ao jantar foi esse mesmo. Como é possível as pessoas, nossas amigas e todas as outras, aguentarem viver num espaço cada vez mais pequeno (em termos de concentração de betão) e onde a qualidade de vida desaparece de dia para dia?

Falo por mim. Nos dois últimos anos que passei na RAEM, tirando as fugas no pequeno veleiro Elisa para as águas do estuário do Rio das Pérolas, o meu dia-a-dia desenrolava-se no trajecto pedonal entre a minha casa, na Calçada do Monte, e o meu escritório, na Calçada do Tronco Velho, e algumas idas ao supermercado quando a empregada não tinha tempo. Raramente ia a restaurantes e quando o fazia tentava que fosse fora de horas para evitar enchentes de turistas. O Santos, na Rua do Cunha, onde me habituei a ir ao longo dos anos, pela amizade que mantenho com o seu proprietário, era sempre visitado a horas muito próximas da cozinha encerrar. Outro dos locais onde também ia com frequência era o restaurante de massas no Grand Lisboa, mas sempre fora de horas para evitar que estivesse cheio.

Quando olhamos para o ambiente que se vive em Macau durante esta semana dourada não conseguimos deixar de parte a tentação de a comparar com o Dia do Trabalho em Portugal. Aqui, não fosse o facto de ser feriado, até passaria despercebido.

Para mim, que agora trabalho por conta própria, é um dia como outro qualquer. As folgas são ditadas por mim mesmo e pelas necessidades da clientela. O Primeiro de Maio foi passado a trabalhar e a servir alguns almoços a quem estava a gozar a merecida pausa.

Enquanto que no antigo enclave português se vive com milhões de visitantes nestes dias da semana dourada do Dia do Trabalhador, em Portugal o mesmo é assinalado com patuscadas, passeios de bicicleta, alguns comícios políticos e, quando o tempo ajuda, idas à praia.

Quando deixei Macau em 2014 a decisão foi tomada com toda a ponderação e com a intenção de, tempos a tempos, voltar a uma terra que sempre foi boa para mim. Desde então já estive no território duas vezes e continuo a sentir saudades todos os dias. Sinto saudades dos amigos, dos tempos que ali vivi e das memórias que ficaram. Mas sempre que lá vou venho embora com a sensação de que dificilmente voltarei a viver num ambiente claustrofóbico como aquele em que Macau se tornou.

Possivelmente, o facto de ter vivido no veleiro alguns anos, com um horizonte tão grande como o mar e um céu a perder de vista, me tenha modificado de tal forma que sinto grandes dificuldades em me adaptar a locais com mais de dez pessoas. Mesmo em Portugal evito ir a locais com muita gente. Centros comerciais e locais turísticos só mesmo quando não é possível ir a outro lado.

Fazendo um exercício de memória para me tentar lembrar de um local onde me sinta constrangido pelo aglomerado de pessoas em Portugal, apenas me consigo lembrar de Fátima, no dia 13 de Maio, onde tenho ido desde que fixei residência em Portugal com a minha família. Ali, sim, vive-se um ambiente humano semelhante ao de Macau no Largo do Senado nos dias da semana dourada. Contudo, em Fátima vai-se movido pela fé; no Largo do Senado a razão é outra…

A finalizar, resta dizer que iniciei a caminhada para o Santuário da Cova de Iria. Este ano, e porque a minha mulher fez questão de também participar na peregrinação, iremos realizá-la por etapas e não de uma só vez, como fiz no ano passado. Se tudo correr como planeado, será feita um dia por semana, sendo que deveremos demorar três a quatro dias a percorrer pouco mais de cem quilómetros.

João Santos Gomes

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