As monções que nos faltam.
Como se sabe, a Holanda foi em tempos senhora de um extenso império colonial que podemos dividir, basicamente, em Índias Orientais – região que abrange toda a área a leste do Cabo da Boa Esperança e que esteve sob os auspícios da Companhia das Índias Orientais Unidas (VOC) até 1800 – e em Índias Ocidentais (ilhas das Antilhas, Brasil, África Ocidental, Suriname, etc.) sob a supervisão da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) até 1790.
«Há toda uma extensa rede de programas e actividades relacionadas com o passado colonial neerlandês, resultante da actividade dessas duas companhias mercantis», afirma o investigador holandês Robert Egeter van Kuyk.
Um desses programas, facilmente acessível online, é o projecto TANAP, onde se encontram listadas as mais diversas actividades e todo o tipo de informações acerca dos países integrantes: a Holanda, a Indonésia, o Sri Lanka, a Índia, a Malásia e o Japão.
Nas últimas décadas, os riquíssimos arquivos da VOC têm motivado um interesse crescente por parte dos Governos, ONGs, serviços de arquivo e instituições de pesquisa de ponta, pois, «trata-se de uma fonte histórica vital». O espólio sobrevivente dessa companhia, concentrado sobretudo em Jacarta, Cochim e Colombo, conta com mais de 25 milhões de páginas. Diferentes instituições iniciaram projectos que no final acabariam fundidos num só organismo designado TANAP.
A Companhia Holandesa das Índias Orientais foi uma empresa comercial holandesa fundada por comerciantes e burgueses de cidades como Amsterdão, Roterdão e Middelburg, e constituiu a primeira grande multinacional. «Foi, sem dúvida, a maior e mais impressionante empresa europeia a operar na Ásia», afirma Robert Egeter van Kuyk.
Constituída em 1602, após a República das Sete Províncias Unidas – Estado antecessor dos Países Baixos – ter persuadido várias empresas de comércio de especiarias concorrentes a incorporar-se numa única empresa, a VOC estava autorizada, pelos Estados Gerais, a «conduzir comércio, erigir fortificações, nomear governadores, manter um exército permanente e concluir tratados em seu nome» numa vasta região compreendida entre a África do Sul e o Japão. A estes locais poderíamos acrescentar, «embora de forma acidental, pois foram regiões muito periféricas nos interesses holandeses», partes da China, da Tailândia ou até do Paquistão.
Os efeitos na sociedade holandesa resultantes da sua componente colonial são temas de estudo intensivo em várias universidades do País, podendo nós falar aqui da existência, nos Países Baixos, de uma verdadeira escola orientalista. Simultaneamente, há um grande número de instituições de caridade (fundações) e muitas iniciativas privadas que concentram a sua atenção nos aspectos «não científicos» das ex-colónias. Robert Egeter van Kuyk salienta, por exemplo, o Centro da Memória Indo-Holandesa (IHC), a Fundação 15 de Agosto de 1945, o grupo de trabalho da Academia Real sobre Literatura Indo-Holandesa, o Arquivo sobre as famílias indo-holandesas em Haia, actividades comerciais como a famosa feira anual Tong Tong Fair, em Haia, e as suas contrapartes locais, e uma imensidade de pequenos clubes de «velhos meninos e meninas», ex-alunos das escolas das antigas Índias, da Marinha Real Colonial e do Exército Real Colonial (KNIL), e «muitos, muitos mais».
A revista mensal Moesson (Monções) é, «há mais de sessenta anos», o principal elo de ligação entre pessoas e organizações indo-holandesas. Foi fundada em 1956, sob o nome de Our Bridge, como revista de informação acerca da Nova Guiné Holandesa, a última remanescência das Índias Orientais Holandesas que só na década de 1960 integraria a Indonésia, independente desde 1949.
Não podemos esquecer, é claro, «muitos outras revistas históricas», bem como anuários como o Indische Navorser (Investigações Indo-Holandesas – principalmente nos ramos da genealogia e da história).
«O Instituto Nacional de pesquisa de documentos da Grande Guerra tem investigado, por um lado, a conduta das actividades militares do Governo colonial entre 1945-49; por outro, o movimento rebelde do falecido Presidente Soekarno», acrescenta o investigador holandês.
Robert Egeter van Kuyk admite que os programas nas Índias Ocidentais estão menos desenvolvidos, provavelmente porque as possessões holandesas nessa região, à excepção do Suriname (Guiana Holandesa), terem sido consideradas colónias de segundo plano.
«Como é sabido, partes do norte do Brasil e de Nova Iorque estiveram em poder dos holandeses, mas foi durante um muito breve período de tempo, daí que não as possamos designar como colónias», diz.
Na verdade, o interesse actual na história colonial das designadas Índias Ocidentais concentra-se sobretudo na história da escravidão nas Antilhas, Brasil e também na África Ocidental.
Em ambos os casos, sobretudo no caso das Índias Orientais, a actividade literária tem sido prolifica. Um número enorme de romances, documentários, poesia, «relatos na primeira pessoa», escritos históricos, filmes, composições musicais, têm sido publicados desde 1900, e, com particular abundância, desde 1970. Algumas dessas obras geraram polémica, outras simplesmente ficaram-se pelo registo nostálgico, especialmente no que respeita os registos escritos mais antigos.
Em resumo, «a atitude holandesa para com as suas ex-colónias resume-se a isto: ex-colonizadores e ex-colonizados devem partilhar os seus pontos de vista e sentimentos, ultrapassando as velhas atitudes de, por um lado, os sentimentos nostálgicos de “os bons velhos tempos da colónia”, e, por outro lado, a recordação da “exploração inumana”. No fundo, há que trabalhar num terreno comum e sobre ele construir um futuro novo e mais rico».
Joaquim Magalhães de Castro