Olhando em Redor

Decisão aérea

A Air Macau abriu o “Programa de Pilotos-Cadetes Locais” com o objectivo de poder «lidar com a expansão dos negócios», razão pela qual estará «à procura de jovens talentos» que possam servir cabalmente os interesses da empresa.

A transportadora aérea fez saber num anúncio publicado na versão inglesa da sua página electrónica que cada candidato teria que «ser titular do BIR permanente com passaporte de Macau», o que à partida excluía quem não fosse cidadão chinês titular do BIR, como é o caso dos residentes permanentes portugueses e de outros interessados nas vagas que cumpram as restantes quatro condições de candidatura (robustez física e mental, boa condição oftalmológica, habilitações literárias exigidas e domínio do Inglês).

A título de curiosidade, ao contrário do dia anterior, o anúncio do recrutamento de cadetes não estava ontem disponível no “link” em Inglês da referida página electrónica, embora permanecesse na versão chinesa, a qual nos remeteu para a informação em Inglês. Não sei se retiraram o anúncio do “link” em Inglês porque deram conta do lapso; porque o tema se tornou entretanto viral no “Facebook” e quiseram abafar o assunto; ou se houve outra razão que desconheço.

Embora se apresente como «uma companhia aérea regional com base em Macau», sendo a única concessionária do transporte aéreo regular no território, a Air Macau deveria ter responsabilidades acrescidas perante os residentes permanentes, ao trabalhar para e com as pessoas de Macau, sem qualquer tipo de discriminação. Falta saber se a companhia está ou não a receber dinheiros públicos para o programa de pilotos-cadetes…

Por outro lado, a Air Macau também está a recrutar hospedeiras de bordo, com a condição de serem titulares do BIR permanente, sem a obrigatoriedade de terem o passaporte de Macau. As entrevistas para o cargo decorrem amanhã.

 

Rota das Letras

Termina amanhã a 5ª edição do Festival Literário de Macau – Rota das Letras, que ao longo de duas semanas trouxe ao território nomes importantes para a promoção e divulgação de temas culturais que foram relevantes para o público local.

É ponto assente que o Festival cresceu a olhos vistos, fruto de um programa cada vez mais vasto a cada edição que passa. Está no bom caminho, embora não passe de um “adolescente” com grande fulgor, ainda a precisar de experiência e – sobretudo – da maturidade de um “adulto”, o que não se conquista em tão pouco tempo. Digo isto sem qualquer tipo de desprimor para todos aqueles que dão a cara e o seu melhor pela organização do Rota das Letras.

Acontece que o evento passa completamente ao lado da esmagadora maioria da população chinesa, que não sabe ou nunca ouviu falar do Festival, sucedendo em menor escala com a falante da língua de Shakespeare, e menos ainda com a comunidade portuguesa.

A culpa nem é da organização, que tem optado por uma política de descentralização dos eventos, dando especial atenção aos estabelecimentos de ensino, afinal os locais onde se formam as novas gerações. A culpa é, tão e somente, dos fracos hábitos de cultura que desde há muito estão incrustados na mentalidade de quem aqui vive (obviamente, salvo as devidas excepções).

Cabe ao Governo da RAEM – a este e a outros que se seguirão – criar condições a favor de uma nova mentalidade cultural, o que inevitavelmente irá mexer com muitos interesses instituídos, uns ligado à indústria do Jogo, outros às oligarquias vigentes, e outros ainda aos sectores empresariais dominantes. Até lá, olharei para o Festival Literário de Macau – Rota das Letras como uma das poucas gotas de boa mentalidade cultural a cair neste deserto com cerca de trinta quilómetros quadrados.

 

Malaca

Na entrevista concedida a este jornal, Joan Marbeck toca em vários pontos sensíveis relacionados com o Bairro Português de Malaca. Quando em Dezembro de 2014 visitei este reduto da comunidade luso-descendente (já bastante diluída) na Malásia fui assaltado por sentimentos antagónicos.

Por um lado, fiquei feliz por ouvir algumas palavras em Português Antigo, por parte do “Papa”Joe e do senhor Noel Félix, o que me deixou orgulhoso pelo legado português que de alguma forma ainda perdura em Malaca. O mesmo será dizer do nome de algumas ruas do Bairro (Sequeirah, D’Aranjo, Texeira).

Por outro lado, encheu-me de tristeza saber que havia por lá bastante oportunismo. Não gostei de ser enganado às claras num restaurante que faz de Portugal a sua bandeira, mesmo sabendo a proprietária que eu era um português natural de Portugal, assim como não gostei nada de saber que a portugalidade promovida por alguns não mais era do que uma oportunidade para fazerem negócio.

Infelizmente, nos dois dias em que fui ao Bairro não tive a oportunidade de provar os pratos do “Papa” Joe, por ter o restaurante fechado. Certamente, poderia ter ficado com uma opinião mais positiva.

Contudo, há que pôr os pontos nos “is” sobre algo que transparece na entrevista de Joan Marbeck. Relevando ser descendente de holandeses, ficou evidente por que tem tanta dificuldade em obter a colaboração dos habitantes do Bairro Português. A razão é simples: quer queira, quer não, passados todos estes séculos, ainda incorporam, de certa forma, o espírito pioneiro dos portugueses de outros tempos, razão pela qual também não estarão interessados em partilhar esse protagonismo com quem chegou depois (holandeses e britânicos, arrastando neste caldo os seus descendentes).

Não há nada de mal neste sentimento colectivo, até como Joan Marbeck fez questão de vincar: as feridas «já estão todas saradas», pois «sentamo-nos, comemos e bebemos juntos».

Acontece que há sensibilidades difíceis de ultrapassar, tal como sucede com a questão do dialecto de Malaca: uns chamam-lhe Papiá Kristang e outros Português Antigo.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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