O precioso Templo do Senhor

A Imaculada Conceição de Maria

A Imaculada Conceição de Maria é o dogma de fé que declara que Maria, por uma graça singular de Deus, fora preservada de todo o pecado, desde a sua concepção. É uma doutrina com origem na tradição apostólica, mas apenas proclamada pelo Papa Pio IX, em 8 de Dezembro de 1854, na bula “Ineffabilis Deus”.

A Conceição (Concepção) é o momento no qual Deus cria a alma e a integra na matéria orgânica procedente dos progenitores, o momento em que se inicia a vida humana. Quando se fala na Imaculada Conceição não estamos a falar da também imaculada concepção de Jesus, também concebido sem mácula ou pecado. Mas sim de Maria, concebida plena de graça santificante e sem pecado no ventre de sua mãe, Santa Ana. «Deus dotou Maria com dons à medida da sua importante missão» (Constituição dogmática “Lumen Gentium”, 1964), por isso o arcanjo Gabriel a saudou como “cheia de graça”.

Se procurarmos na Bíblia, não encontraremos quaisquer referências explícitas ao dogma da Imaculada Conceição de Maria, como outros dogmas e doutrinas, mas podemos deduzi-lo em referências prefigurativas. Como em Génesis 3,15, na inimizade entre a Mulher e a serpente («Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher»), numa promessa da vinda do Redentor, a partir da santidade de Maria, preservada do pecado original. «Ave Maria, ó cheia de graça, o Senhor é convosco» (Lc 1,28), assim Deus reiterara a santidade imaculada de Maria através do arcanjo Gabriel, na Anunciação, confirmando a promessa da vinda do Redentor. A forma grega da Anunciação é ainda mais substancial que a tradução portuguesa (por via latina) “cheia de graça”, com o “kecharitomene”, uma “abundância de graça”, em maior plenitude e em união a Deus. A alusão à Imaculada Conceição de Maria é mais viva no Apocalipse, na «mulher vestida de luz (sol)» (Ap 12,1), uma imagem da santidade da Igreja concretizada na Virgem, plena de graça e esplendor divino, sem mácula, signo maior da aliança de Deus com o Seu povo. A Imaculada Conceição é a plenitude de Maria como elo da aliança de Deus com os Homens, intercessora, medianeira e templo sagrado.

Ave, Eva, Vida, Maria… Maria era para os Padres da Igreja Antiga como que a Segunda Eva (I Cor 15,22), como superadora do pecado original. Justino, Ireneu, Tertuliano, Cirilo de Jerusalém, Epifânio, Teódoto de Ancira ou Sedúlio, já para não falarmos de Agostinho de Hipona, dedicaram à graça imaculada de Maria as suas reflexões e estudos. Maria, a “absolutamente pura” de S. Agostinho de Hipona, era também superiormente referida na Igreja oriental, como a “toda santa”, por exemplo. Eva, “plena de vida”, “vida”, “ave ó cheia de Graça”.

No séc. IX introduziu-se a festa da Conceição (ou Concepção) de Maria no Ocidente, na Itália (Nápoles), depois em Inglaterra. Aqui muito se deve ao primeiro tratado escrito sobre o tema (“De conceptione Sanctae Mariae”), c. 1120, por um monge beneditino de Canterbury, de seu nome Eadmer. Este monge usou a metáfora da castanha e do ouriço para explicar a Imaculada Conceição de Maria. A castanha, dizia, «é concebida, alimentada e formada dentro do ouriço espinhoso, mas apesar disso fica resguardada das picadas». «Não podia (Deus) porventura conferir a um ser humano (…) a possibilidade de permanecer livre de todas as picadas de espinhos, mesmo que houvesse sido concebido no meio aos aguilhões do pecado? É claro que podia e queria fazê-lo; se assim o quis, Ele assim o fez», dizia, expondo doutrinalmente a Imaculada Conceição de Maria. A castanha que sai incólume do invólucro espinhoso… Foi pois um forte impulso teórico para o avanço da doutrina teológica da Imaculada, que S. Tomás de Aquino, OP, mais tarde, depois de outros teólogos, como S. Bernardo de Clairvaux, iria desenvolver.

Mau grado as dificuldades e dúvidas levantadas por alguns teólogos. Seria John Duns Scott, teólogo franciscano do séc. XIV, quem clarificaria teologicamente a doutrina da Imaculada, sustentando que Cristo, o mediador perfeito, realizou em Maria o acto de mediação mais sublime, ao redimi-la pela preservação do pecado original. Não a libertou deste, mas operou a mais admirável das redenções: preservou-a do mesmo, para que dela pudesse nascer o Filho, em pureza. Maria foi preservada do pecado pelos méritos de Cristo, por Ele ficou preservada, devido à omnipotência de Deus, que quis preparar a pureza para a incarnação do Filho. Maria assim ficou toda a vida, imaculada, sem perder a graça recebida de Deus. Foi ela primeira entre nós a receber a redenção de Cristo. Como referiria mais tarde S. João Paulo II, em 2003, foi na Imaculada Conceição de Maria que começou a grande obra da Redenção, o caminho de perfeição para a santidade.

Apesar das controvérsias, Sisto IV, franciscano como Escoto, aprovou em 1477 a missa da Conceição de Maria. Em 1483 o mesmo Papa estendeu a festa a toda a Igreja. E a doutrina, apesar das discussões, era cada vez mais aceite. Até as universidades, como Paris (1497), a elegeram como patrona, com os doutores a jurarem, quando recebiam o título doutoral, a ensinar e a defender a doutrina da Imaculada Conceição de Maria. O século XVI, de reformas, tanto protestante como católica, assistiu aos debates teológicos em torno da Imaculada, com os Franciscanos, como antes Escoto ou S. Boaventura fizeram, a assumir a vanguarda da defesa e justificação doutrinal. Em 1617, no auge das discussões teológicas, o Papa Paulo V proibiria que se afirmasse que Maria nascera com o pecado original. Em 1622 Gregório V foi mais longe, impondo silêncio absoluto aos que se opusessem à doutrina. A 8 de Dezembro de 1661, Alexandre VII promulgaria a Constituição apostólica “Sollicitudo omnium Ecclesiarum”, na qual definiu o sentido da palavra “conceptio”, voltando a proibir qualquer discussão sobre o tema.

A polémica nunca desapareceu, em abono da verdade, mas a adesão popular e a expressão cultual aumentaram de forma impressiva, bem como a aceitação teológica se tornou afirmativa e se impôs. Assim, Pio IX, dm 1854, na bula “Ineffabilis Deus”, proclamou a definição oficial do dogma da Imaculada Conceição de Maria, a «filha do Filho, a mais humilde e elevada entre as criaturas», como diria Dante no último canto do Paraíso (XXXIII, 1-3).

 Vítor Teixeira 

Universidade de São José

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