O Nosso Tempo

Os países são as pessoas

Pensar os países como entidades abstractas pode ser tentador, para quem é observador interessado da vida internacional.

Para utilizar a imagem tradicional do jogo de xadrez, nas relações entre Estados, os Governos fariam as vezes de peões, bispos, torres, cavalos, rainha… e rei. Caricaturando a referida imagem, tais peças não teriam alma. Seriam, figurativamente, como nos jogos à venda em qualquer loja da especialidade, de madeira ou de pedra polida, de marfim ou metal, mas não teriam “alma”, não possuiriam “vida”. O que é naturalmente um erro grosseiro de percepção. Aliás, hoje mais do que antes, faz-se ouvir a voz das pessoas e dos grupos, do interior dos países, forçando a atenção dos Governos e das organizações, internas e internacionais, e modelando assim a chamada Ordem Mundial.

Servem de exemplo as grandes questões das etnias e das religiões e do modo de serem geridas politicamente, nos mesmos espaços. Servem igualmente de exemplo as questões da pobreza, do desemprego, dos sem-abrigo, questões que têm rosto, rostos, e não se escondem por detrás de números, percentagens, estatísticas.

 

OS DRAMAS SÃO HORAS DA VERDADE

Como sempre acontece nas situações de grande calamidade, Portugal uniu-se na solidariedade concreta a favor das vítimas de Pedrógão Grande. Todo o Portugal se mobilizou, para tentar minorar os efeitos da tragédia, naquilo que pode ser minorado: parte apenas do prejuízo material.

Porque nunca mais será como dantes, para os que sobreviveram, quer pela perda de entes queridos, quer pela destruição definitiva de projectos de vida que passavam pela partilha com os que já não estão, em lugares hoje irreconhecíveis.

O verde inebriante da paisagem física deu lugar à desolação das árvores calcinadas pelo fogo e dos campos cheios de cinza onde havia vegetais, flores, vida a germinar.

Ligados fortemente ao solo onde nascemos, e às memórias em torno dele, sentimos a perda de referências, ligadas à “terra” como o mais pesado dos lutos. Tal realidade faz-me regressar à minha ideia inicial. A que muitas vezes os académicos e os analistas esquecem, absorvidos pelos seus estudos-de-como-vai-o-mundo: os países são as pessoas.

Os países não são a ideia que alguns fazem do seu país ou do país dos outros. Não são a História que embeleza o passado e esquece os infortúnios, olvidando as derrotas e sublinhando apenas as vitórias. Os países são as pessoas. Com rostos. Com desejos. Com projectos de vida. É óbvio, é pleonástico, mas muitos “intelectuais” por vezes esquecem.

 

AS LIDERANÇAS “DE PROXIMIDADE”

Quem não se pode esquecer das pessoas concretas e das situações de carência real são os políticos. Em todos os países, em todas as geografias, em todos os regimes.

Já passou o tempo dos soberanos isolados nos seus palácios. A forma como os media têm modelado a opinião pública pressiona sem dúvida mesmo as instituições mais tradicionais a estarem perto das pessoas e dos acontecimentos das suas vidas.

Porque é assim, não deixa de ser muito interessante verificar a presença imediata ou quase imediata de reis, presidentes, governantes, no palco de calamidades naturais ou, mais recentemente, junto das vítimas de actos terroristas.

Para referir sobretudo a Europa, onde estas acções têm tido o impacto que se conhece, o que vimos pela televisão nos últimos anos, meses, semanas, por exemplo, foi o rei dos belgas, a rainha de Inglaterra e Filipe VI de Espanha, dar testemunho público dos sentimentos de proximidade e solidariedade dos soberanos para com as vítimas de atentados.

E, prescindindo, por alguns minutos , da distância protocolar que é a forma encontrada de não serem banalizados nem a instituição política que representam, falam com as pessoas, interessam-se pelo seu drama, reiteram a mensagem de que estão vigilantes e prontos a intervir, se outras instâncias falharem.

E esse é o sentimento de protecção que busca a gente comum. Num mundo hoje sob a ditadura dos media, proceder de outro modo seria suicídio político, sobretudo para as monarquias que têm que provar, a cada instante, a sua função tutelar, sobre o todo nacional.

O monarca constitucional é ainda hoje, como o foi historicamente, o “Pai ou a Mãe na nação”. A sua legitimidade depende da profundidade desse vínculo.

Mas se as monarquias precisam da adesão simbólica da comunidade no seu todo, pelo afecto e pelo respeito dos “súbditos”, os governantes precisam de uma cobertura mediática positiva junto dos cidadãos, porque essa é igualmente a forma de legitimação contínua do poder, em que estão investidos.

A aferição regular da popularidade dos Governos, através das sondagens, não é expressão senão da necessidade vital dos executivos não se distanciarem da percepção da sua intervenção oportuna e eficaz, partilhada pelos cidadãos.

 

O CASO PORTUGUÊS

A forma como quer o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quer o Primeiro-Ministro, António Costa, e o Governo responderam, em termos de presença, e não só, à calamidade de Pedrógão Grande, ilustra exactamente o que deixo acima dito.

Estiveram constantemente junto das pessoas, estas sentiram a sua presença e o País viveu, também através desses gestos, genuínos momentos de comunidade.

Como exemplo oposto, foi politicamente danosa para a Primeira-Ministra britânica a sua ausência junto dos sobreviventes do incêndio da torre residencial, evitando um primeiro contacto directo, tendo o líder trabalhista somado pontos por ter feito o contrário, ainda por cima num momento de grande fragilidade política para Theresa May. A rainha não se enganou: era preciso estar e esteve.

Voltando ao caso português e sem querer converter este fim de crónica num ditirambo ao Presidente, há que reconhecer-se que Marcelo tem sido exemplar nesse esforço de cerzir os rasgões da nossa comunidade nacional, provocados pela crise económica, e por tudo aquilo que ela tem arrastado.

E, sem pôr em causa a genuinidade dos sentimentos de ninguém, o Primeiro-Ministro e o Governo têm sido sensíveis (e ainda bem) a esta saudável competição pela visibilidade, a que o chefe de Estado os tem sujeito.

Os países são as pessoas. E unidas, as pessoas são COMUNIDADE.

 Carlos Frota 

Universidade de São José

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