Gosto de ver futebol, embora quase sempre o faça sentado num sofá frente à televisão. Não conheço o nome da maior parte dos jogadores e raramente sei identificar o clube a que pertencem, a não ser pela cor das camisolas. Não sou sócio de nenhum clube desportivo, embora nutra um especial carinho por um clube que acompanhou a minha infância e que fica sempre na metade inferior da tabela. Fico tenso, grito e esperneio, contente ou triste, quando acompanho o jogo da minha verdadeira equipa, a Selecção Nacional!
Tudo isto para dizer que gosto de futebol bem disputado, entre equipas que competem e não se combatem. E também da Imprensa livre, embora esta última e quando se refere ao futebol gaste mais páginas a especular sobre o acessório, envolvendo a vida pessoal de dirigentes, jogadores, técnicos e árbitros, do que com aquilo que se passa dentro das quatro linhas. Ao que parece, vende mais…
Mas será apenas por essa razão que os jornais desportivos gastam tanta tinta a escrutinar eventuais corrupções, influências ilegais, batotas desportivas ou as intimidades dos actores desta indústria? Embora se justifiquem algumas dessas apreciações, sempre que a verdade desportiva é colocada justamente em causa, este comportamento do actual jornalismo desportivo, bem assim como de outro tipo de jornalismos em muitas outras matérias, tem causas mais profundas a alimentar as vendas. Elas são uma consequência de uma deficiente cultura popular que tem vindo a progredir na Imprensa, desde o ano 2000, com o início das transmissões televisivas do “Big Brother” e “reality shows”.
Há dezoito anos que uma maioria relativa dos portugueses tem vindo a interessar-se pelo “voyeurismo”, a coscuvilhice, o cortar na casaca, a bisbilhotice, os juízos precipitados e infundados e tantas outras formas de adjectivar este comportamento maldizente. A ajudar ao sucesso desta incultura, que prolifera numa parte da Imprensa portuguesa, está muito do que se diz nas redes sociais, auxiliada pela incapacidade do sistema em manter o segredo de justiça e pelo aproveitamento político de muitos actores partidários que utilizam o “diz que disse” para levantar suspeitas sobre os seus adversários.
Os julgamentos sobre casos e pessoas na praça pública sucedem-se, perante o coro publicitado de “jornaleiros”, apresentados publicamente como os detentores das verdades e paladinos da ética profissional. E, quando há razão para desmentidos formais, “não se fala mais nisso” ou pedem desculpas em duas linhas quase ilegíveis.
Este “jornalismo comercial”, muito longe das normas e valores profissionais que, há uns anos atrás, se impunham imperativamente a estes trabalhadores e directores de empresas jornalísticas, tornou-se de tal forma influente junto das populações que é utilizado para múltiplos fins, inclusive construir a agenda política dos dirigentes partidários ou destruir a imagem pública dos mesmos.
Vem isto, associado ao futebol, a propósito de uma acusação feita por esse tipo de Imprensa ao ministro das Finanças de Portugal e actualmente presidente do Eurogrupo.
Segundo os comentários denunciativos dessa Imprensa, Mário Centeno é investigado pelo Ministério Público por ter pedido dois bilhetes ao presidente do Benfica para ir ver um jogo de futebol na Luz. Em contrapartida fez um “abatimento” de cerca de dezoito mil euros no imposto IMI que recaía sobre a propriedade de um filho de Luís Filipe Vieira.
Já não me quero pronunciar sobre a personalidade moral de Mário Centeno, para não fazer um juízo subjectivo sobre o caso ou evidenciar preferência pelo governante, uma vez que não seria o primeiro político português a estar envolvido em fenómenos de corrupção. Mas, passa pela cabeça de alguém que um homem com este prestígio nacional e internacional se fosse vender por dois bilhetes de futebol, em troco de um perdão de impostos daquela dimensão? Acrescentando-se que a responsabilidade da definição desse imposto sobre imóveis (IMI) é das Câmaras Municipais e não do Ministério das Finanças, será que Mário Centeno era tão “burro” que, além de se envolver a ele e aos seus serviços nesta manigância, iria associar-se igualmente a um presidente e respectivos serviços camarários por dois bilhetes para o futebol, onde vereadores e funcionários são de todo o espectro político nacional (e, já agora, de todos os maiores clubes de futebol, com rivalidades entre si)?
Ridículo e difamador é a minha primeira apreciação sobre este caso, a que certa Imprensa dá relevo e que certa oposição política utiliza na “sombra”, sem querer dar nas vistas, suponho que pelo incrédulo desta a acusação.
Entretanto, os portugueses lêem os jornais, vêem televisão e, no quadro daquilo que certa Imprensa lhe “despeja” diariamente para assimilar e de uma certa desconfiança que se instalou quanto aos políticos, muitos fazem um julgamento imediato: culpado!
Portugal tem tido um crescimento económico notável, um aumento do poder de compra da sua população, do emprego, da capacidade técnica da sua produção e há já quem nos apelide como “o país nórdico do Sul da Europa”. Porque é que, em alguns aspectos, não deixamos de ser o “Portugal dos pequeninos”?…
LUIS BARREIRA